Cozinha Bruta https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau) Mon, 13 Dec 2021 21:07:14 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Show de horrores no Mercadão de São Paulo https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/10/08/show-de-horrores-no-mercadao-de-sao-paulo/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/10/08/show-de-horrores-no-mercadao-de-sao-paulo/#respond Sat, 09 Oct 2021 02:15:20 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2017/11/mortadela-180x120.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3389 Duplamente vacinado como mais de metade da população paulista, estou em franca transição de volta para aquilo que, na pandemia, batizamos de velho normal.

Talvez nunca saiamos do tal do novo normal, mas, enfim, já dá para arriscar a fuça em atividades impensáveis poucas semanas atrás. Coisas banais como bater ponto em restaurantes e bares, encontrar amigos e contatos profissionais, viajar.

Pelo menos nos ambientes que frequentei, as pessoas têm se comportado surpreendentemente bem. Nos lugares de comer e de beber, tiram a máscara para comer e beber. No avião, todos protegidos.

Perdemos os snacks de bordo, mas a pandemia nos trouxe o fim do caos no desembarque. Com a emergência sanitária, os comissários ganharam autoridade para organizar o fluxo de saída da aeronave por fileiras. Todos sentadinhos até serem chamados. Oxalá permaneça assim.

O mais relevante disso tudo: empresários e trabalhadores do ramo de serviços entenderam que precisam passar segurança se quiserem recuperar o cliente afugentado pela Covid-19.

No boteco, no cafezinho, no supermercado e na feira de vinhos somos atendidos por funcionários mascarados. Temos fartura de álcool em gel para nos lambuzar.

Animado com a primavera da trégua, saí para comprar um alimento bastante específico, encontrado somente num lugar: o Mercado Municipal Paulistano, vulgo Mercadão.

Tenho um histórico de sentimentos ambíguos em relação ao Mercadão.

É a arapuca de turista com preços conformes, a multidão e suas selfies, o pastel seco de bacalhau, o sanduíche monstrengo de mortadela.

É também onde se descobrem delícias raras nas peixarias, nos açougues, em alguns empórios, em pontos salpicados pelo lindo edifício projetado por Ramos de Azevedo.

Faz meio ano que o Mercadão é administrado por um consórcio de empresas privadas. Será que mudou muito?

Espanta a facilidade para estacionar. Paro o carro na cara do gol, no bolsão de vagas em frente à avenida Mercúrio. Show de bola.

Ao pisar no corredor principal, sou atacado pela pior memória de outras idas ao mercado: o assédio incansável dos comerciantes. Você é abordado por gente oferecendo queijo, gente oferecendo fruta, gente oferecendo bolinho de bacalhau.

O ataque é físico, no corpo-a-corpo, o que obriga o transeunte a se esquivar e cair no colo de outro vendedor. Sempre foi assim.

Só que agora existe uma pandemia que já matou 600 mil pessoas no Brasil. E todos –repito: todos– os sujeitos das guloseimas estão sem máscara ou com a máscara no queixo. Falam alto e cospem no freguês. Cospem na bandeja de damascos turcos que carregam para degustação.

Qual o problema do Mercadão? Visitá-lo virou um trem-fantasma negacionista, um show de horrores covídico. Comprei o que queria comprar e me pirulitei de lá tão rápido quanto pude.

Não sem antes pagar o tíquete do estacionamento. A bagatela de R$ 25 onde antes havia zona azul. Viva a iniciativa privada.

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Mais uma dose? É claro que estou a fim! https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/09/14/mais-uma-dose-e-claro-que-estou-a-fim/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/09/14/mais-uma-dose-e-claro-que-estou-a-fim/#respond Tue, 14 Sep 2021 18:50:45 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/bolovomorcilla-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3335 “Mais uma dose? É claro que eu estou a fim. A noite nunca tem fim…” Estes são os três primeiros versos de “Por que a gente é assim?”, composta por Cazuza, Frejat e Ezequiel Neves, gravada pelo Barão Vermelho em 1984. O título da música é o quarto verso.

A faixa fala da busca insaciável por prazer na noite do Baixo Leblon, Baixo Gávea, sei lá, coisa da juventude burguesa carioca daqueles tempos. Ao mesmo tempo, essa ânsia é algo universal de quem sai à noite atrás de não-se-sabe-o-quê. A botecagem tem hora de começar, não de terminar.

Passei há muito da fase de ser expulso do bar pelo garçom lavando o chão, mas estou extremamente feliz por poder voltar, aos poucos, a beber fora de casa. Detestei ser o chato que prega o fechamento de bares e restaurantes. Eles são meu hábitat.

Graças à segunda dose da vacina contra Covid-19, que nas últimas semanas tem sido aplicada maciçamente na população sub-60, a boemia pode começar a retornar ao normal, com segurança. E mantendo os cuidados, sem lamber a maçaneta da porta do banheiro.

Eu estava receoso de celebrar essa volta à socialização, até ler o artigo “Medalha de ouro para a vacinação contra a Covid”, que o epidemiologista Pedro Hallal publicou terça-feira (14), aqui na Folha.

Hallal mostra um quadro bastante otimista da evolução da vacinação no Brasil, que tem baixado drasticamente as mortes, as internações e a taxa de infecção do vírus, mesmo com a temível variante delta.

Se a tendência persistir, antes do verão poderemos ter de volta nossa vida quase 100% normal. Será um alívio poder andar por aí sem máscara –não são apenas os negacionistas que a detestam–, mas por enquanto ela ainda é muito necessária.

A adesão do brasileiro ao programa de imunização compensou as falhas (para usar um termo suave) na aquisição e distribuição das vacinas. Enquanto isso, nos EUA, a força dos lunáticos antivacina tem feito a epidemia brotar de novo em lugares onde parecia ter sido superada –feito aquelas velas de aniversário que você sopra e não consegue apagar.

Que venham outras doses. De bebida e, se for necessário, de vacina.

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O bar, inimigo da família brasileira https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/09/03/o-bar-inimigo-da-familia-brasileira/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/09/03/o-bar-inimigo-da-familia-brasileira/#respond Sat, 04 Sep 2021 02:15:21 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/mercearia-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3324 Sempre que passo sob o Minhocão, o olhar pousa no letreiro de um boteco na esquina das ruas Amaral Gurgel e Santa Isabel: “Lanchonete 4 Irmãos”.

Nunca entrei lá nem conheço a história do lugar. Melhor não conhecer, aliás, pois o conhecimento arruinaria os pensamentos que o letreiro me desperta.

Quatro irmãos! O que teria acontecido ao quarteto depois da abertura do bar? Guerra? Rompimento tetralateral? Rancor que vai para o túmulo?

É possível que ainda hoje o primeiro toque o caixa, o segundo pilote a cozinha, o terceiro atenda as mesas e o quarto fique em casa vendo TV. A harmonia fraternal é possível. Mas não é o mais frequente –em especial quando há a sociedade de um boteco no meio.

Que o digam os irmãos Pedro Anis e Marcos Benuthe, sócios da Mercearia São Pedro, uma instituição etílico-cultural da Vila Madalena.

A tragédia familiar tornou-se pública quando Marcos anunciou o fechamento da bodega, e Pedro o desdisse.

Nesta semana, um cliente filmou Marcos arrebentando na porrada as cadeiras e mesas do botequim, aos gritos. “Eu que abri este bar, e ele foi roubado de mim!” Pedro diz que foi a sétima vez que o irmão armou semelhante circo.

Não sei quem tem razão. Não sei se alguém tem razão. Não quero saber. É tudo triste demais.

A sociedade é o caminho mais curto para destruir amizades, casamentos e laços familiares. De novo: sei que há uniões societárias felizes e duradouras, mas não é a regra.

Bares e restaurantes são terreno fertilíssimo para semear a cizânia entre sócios.

Porque é o tipo de negócio que atrai gente com uma visão distorcida do tal do empreendedorismo. Fulano sonha em se libertar da vida besta que tem no escritório. Como? Montando um boteco.

Aí reúne um grupo de amigos para ajudá-lo a realizar o sonho. Para inteirar o investimento, põe também o irmão no negócio. Só gente que nunca ralou atrás de um balcão.

Para começar, cada um dos sócios cria um conceito mental para o bar. O que sai, concretamente, não é nenhuma dessas simulações. Ou, pior ainda, é o projeto pessoal de um dos sócios, que já se indispõe na largada com o resto.

Com o bar em funcionamento, desmorona o parque de diversões dos amigos/parentes. Todos querem receber clientes, conhecer pessoas, pagar de descolado, ser o rei da noite.

Ninguém quer saber do cano que estoura, das compras que chegam pela manhã, de correr atrás de um extra para cobrir falta de funcionário, de controlar as contas da birosca.

Dinheiro, como sabemos, é a raiz das brigas entre parceiros de negócio. Sempre tem aquele folgado que dá bebida para os amigos. Sempre tem aquele que “empresta” uma graninha do caixa para cobrir dívidas pessoais. Sempre tem aquele que trabalha mais que os outros e, portanto, se acha no direito de tirar um valor maior.

E sempre tem o álcool, que inflama discussões destemperadas.

Se você ama seus amigos e seus parentes, não faça como os quatro irmãos do Minhocão. Fique longe do bar.

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A agonia da Vila Madalena boêmia https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/08/20/a-agonia-da-vila-madalena-boemia/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/08/20/a-agonia-da-vila-madalena-boemia/#respond Sat, 21 Aug 2021 02:15:03 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/mercearia-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3304 O possível fechamento do bar Mercearia São Pedro, na Vila Madalena, fez jorrar nas redes sociais uma torrente de memórias saudosistas.

Pessoas da minha geração e do meu convívio têm episódios com o cantor australiano, com o cineasta recifense, com o garçom parceiro, com o escritor marginal, com o dramaturgo maldito. Não consigo me lembrar de nada tão descolado e glamuroso.

Minha recordação mais marcante do Merça é de uma sexta-feira no início dos anos 2000: o povo da redação baixou em peso no boteco, emendou uma mesa gigante e secou dezenas de cervejas.

Uma amiga, bêbada como todos no recinto, atirou na mesa vizinha uma bolinha feita de guardanapo molhado e palitos de dente. Seguiu-se uma briga que quase tomou proporções trapalhônicas, sem feridos.

Voltei à Merça há poucas semanas, com um amigo –marido, aliás, da mulher da bolinha. Fomos lá por causa da boa ventilação (as mesas ficam numa enorme varanda), mas pode não ter sido a melhor ideia numa das noites mais frias do ano.

À parte a friaca e a pandemia, estava evidente que a Mercearia perdera o tchan. Muito pouco foi mexido na paisagem rústica de prateleiras com livros e produtos de limpeza à venda. Mas o fervo intelectual da velha Merça virou peça de museu. É natural que seja assim.

O declínio (e iminente queda) da Mercearia São Pedro tem enorme força simbólica na agonia da Vila Madalena como bairro boêmio. É um processo que já se arrasta por décadas.

Até a década de 1980, ir à Vila era uma expedição noturna muito alternativa. Já existiam alguns bares de alma riponga que estão lá até hoje, como o Empanadas, na rua Wizard, e a própria Merça.

Na década seguinte, as ruas estreitas se tornaram o principal polo de diversão etílica em São Paulo. A Vila –não qualquer bar em particular– era o destino. Marcava-se num boteco e, caso ele estivesse fechado, caído ou cheio demais, era só caminhar até outro.

De repente, todo mundo na cidade queria ir à Vila Madalena. O perfil dos bares se aburguesou e se aproximou daqueles da outra Vila, a Olímpia. O bairro virou nome de novela da Globo. Pipocaram as torres de apartamentos e de escritórios. Vieram os Carnavais de superlotação e xixi nos quintais dos sobrados remanescentes.

A Vila cresceu além do ponto e, por isso, perdeu o charme que atraía os pássaros da noite. Ainda estão lá muitos lugares que adoro –cito de cabeça o Martin Fierro, o Hirá e o Guarita–, mas já não existe o tal bairro boêmio.

Isto não é lamúria de tiozão, “no meu tempo que era bom”. No meu tempo era tão bom quanto agora –ou tão ruim quanto, a depender do ponto de vista.

A diversão noturna apenas mudou de endereço, concentrada em algum bairro ou pulverizada. Não sei bem onde, pois isso saiu do meu radar de interesses. É a idade.

A decadência da Vila importa de verdade para quem vive, trabalha ou tem negócio por lá. Para o boêmio, o fechamento de um bar é só uma pontada que dói na memória afetiva.

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Foi a pandemia que matou a Vila Madalena, não o isolamento https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/04/19/foi-a-pandemia-que-matou-a-vila-madalena-nao-o-isolamento/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/04/19/foi-a-pandemia-que-matou-a-vila-madalena-nao-o-isolamento/#respond Mon, 19 Apr 2021 19:26:23 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/vilamadalena-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3055 Há pouco menos de 7 anos, em julho de 2014, eu tinha um blog chamado Bar do Nogueira e, lá, escrevi um post intitulado “Descanse em paz, Vila Madalena”.

O contexto não poderia ser mais diferente. O Brasil recebia a Copa do Mundo e os turistas que vinham com ela, e o clima de festa era permanente, apesar da campanha ridícula da seleção brasileira. A Vila Madalena se tornou um Carnaval 24/7, com todos os incômodos de uma festa fora de controle: moradores reclamavam do barulho e da sujeira que a multidão deixava no bairro.

No texto, eu falava que a vocação boêmia da Vila havia degringolado, sem volta possível. Ao anunciar a morte do bairro, não tinha a menor intenção de ser profético ou algo assim. Era apenas o desfecho mais plausível, na minha opinião, para os excessos da botecagem predatória que se instalou ali.

Eis que hoje leio, aqui na Folha, um relato da quebradeira geral da Vila Madalena, com ruas ermas e placas de aluguel nas portas baixadas dos antigos bares. Dá uma tristeza enorme ver minha previsão se concretizar, ainda mais pela ação de uma peste fora do alcance de qualquer radar.

Ouvido pela reportagem, o dono de um bar solta os cachorros nas medidas restritivas impostas pelo governo estadual na pandemia. Não vou dizer que o governo agiu 100% corretamente, pois talvez tenha deixado de dar o devido auxílio fiscal para os comerciantes. Não sei se os cofres públicos suportariam uma ajuda robusta. Mas de uma coisa eu estou certo.

Quem está destruindo o setor de bares e restaurantes é a pandemia, não os governos.

A população está apavorada e sem dinheiro. Com razão, guarda o que ainda tem em vez de consumir. Um sintoma disso é a queda, segundo o mesmo texto, dos pedidos de comida para entrega –setor que inicialmente cresceu devido ao isolamento doméstico.

Toda a economia, ou melhor, toda a humanidade está em frangalhos depois de quase um ano e meio de peste. Turismo, aviação, eventos e convenções, tudo isso desmoronou. Nada indica que esses setores voltarão a funcionar como antes quando a doença baixar a bola.

O medo vai demorar para passar, o dinheiro continuará curto e, percebemos, muitas das coisas que fazíamos presencialmente podem ser feitas de forma remota, gastando menos tempo e menos dinheiro.

A Vila Madalena não é a única vítima da Covid no mapa da cidade de São Paulo. A região da Berrini, ocupada majoritariamente por torres de escritórios, também se esvaziou.

Vamos precisar lidar com os prédios vazios, com os bairros desinchados, com a economia menor, com a falta de dinheiro.

O pesadelo só começou.

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Hard seltzer é refrigerante alcoólico para o paladar infantil https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/02/24/hard-seltzer-e-refrigerante-alcoolico-para-o-paladar-infantil/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/02/24/hard-seltzer-e-refrigerante-alcoolico-para-o-paladar-infantil/#respond Wed, 24 Feb 2021 23:31:01 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/bottle-2582012_1920-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=2948 Volta e meia somos surpreendidos por um novo produto de conceito inovador e proposta revolucionária, que já faz um baita sucesso nos Estados Unidos e que, na essência, é quase idêntico a um monte de coisas conhecidas há séculos. Isso é comum no setor de alimentos, mais ainda no mercado de bebidas.

A bola da vez é a tal hard seltzer. “Seltzer” é água gasosa e o “hard” (duro, difícil, forte) sinaliza a presença de álcool. Mas hard seltzer não é simplesmente uma água com gás biritada. Ela tem aromas e é docinha.

Estamos falando de um refrigerante com teor alcoólico semelhante ao das cervejas leves, um pouco abaixo dos 5%. Você já encontra algumas marcas no Brasil. Outras estão para chegar.

O que então diferencia a hard seltzer, por exemplo, das bebidas ice? É a mesma diferença da soda limonada para as águas aromatizadas, tipo H2OH.

O líquido é translúcido como água. Aromas e açúcar vêm mais suaves, mais sutis, em nome da tal drinkability –jargão do setor para designar a propriedade de “empapuçamento” de uma bebida. Maior a drinkability, mais o indivíduo consegue beber numa sentada só, sem ficar enjoado da coisa.

Fora isso, a hard seltzer é mais um desdobramento da tendência que vem desde os anos 1980, quando foram lançados os coolers de vinho. Bebidas carbonatadas, docinhas, sem amargor perceptível nem acidez agressiva, com aromas que lembram chiclete e bala.

Ou seja, feitas para ganhar o paladar infantil, que rejeita cerveja, vinho e destilados puros.

Tem funcionado muito bem.

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Quando Minas Gerais proíbe a cachaça, a coisa está feia https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/12/08/quando-minas-gerais-proibe-a-cachaca-a-coisa-esta-feia/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/12/08/quando-minas-gerais-proibe-a-cachaca-a-coisa-esta-feia/#respond Tue, 08 Dec 2020 14:36:35 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/cachaca-2427203_1920-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=2720 Nos Estados Unidos, muitos restaurantes não servem bebida alcoólica. Vários não possuem a licença específica para álcool. Em outros, o dono tem suas razões pessoais: religião, saúde ou apenas a visão de que o negócio funciona melhor assim.

Eu passo longe desses lugares.

Quando viajo a passeio, gosto de gastar meu tempo nas refeições, descansar as pernas das longas caminhadas na companhia de vinho ou cerveja. Se não tem, como qualquer coisa rapidinho e sigo adiante no passeio.

Álcool é uma droga social, junta as pessoas por horas e manda para as cucuias qualquer responsabilidade.

Por isso promete funcionar uma medida da prefeitura de Belo Horizonte, que proíbe a venda de bebida alcoólica em bares e restaurantes. As pessoas deixam de ir a bares e restaurantes. Não aglomeram. Essa é a intenção, ninguém tenta disfarçar.

As vozes reacionárias das redes sociais começaram a gritaria, chamando o prefeito Alexandre Kalil de “ditador”, de “tirano”, por tentar restringir a circulação da população.

É um discurso mal-intencionado, que tenta (e às vezes consegue) confundir emergência sanitária com voluntarismo autoritário. O uso do termo “lei seca”, popularizado com a longa proibição (de 1920 a 1933) nos Estados Unidos, contribui para disseminar a confusão.

A lei norte-americana era moralista, via a bebida como um desvio de comportamento. A proibição mineira busca conter o contágio de Covid-19 com uma estratégia pragmática: sem cachaça, os bares se esvaziam, não há vida noturna, não há aglomeração.

Os infinitos meses de pandemia já nos mostraram como fiscalizar as medidas de isolamento nos bares é ineficaz. Não tem equipe suficiente e não tem cooperação dos fiscalizados. Bêbado já é chato por natureza, bêbado negacionista é igual cavalo xucro.

Quem vê tirania nesse tipo de ação são os mesmos que se acham no direito de circular sem máscara. Dane-se se eles estão infectados e podem contaminar outras pessoas. O que importa é o sagrado direito de tomar uma cervejinha na rua.

Ninguém está proibido de beber em casa. Se a restrição funcionar e a taxa de contágio baixar, daqui a pouco os bares de BH podem voltar a servir birita. É um inferno, eu sei. Mas culpe a doença, não as medidas para tentar combatê-la.

Só não deixa de ser irônica a proibição de vender cachaça justamente em Minas Gerais. Quando isso acontece, o trem está mesmo feio.

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Na pandemia, me apaixonei pela garrafa térmica de café https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/11/17/na-pandemia-me-apaixonei-pela-garrafa-termica-de-cafe/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/11/17/na-pandemia-me-apaixonei-pela-garrafa-termica-de-cafe/#respond Tue, 17 Nov 2020 13:12:14 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/thermos-3772763_1920-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=2652 Eu nunca havia adquirido uma garrafa térmica na vida.

Lembro o tempo em que minha mãe as enchia com água e suco gelados para servir dentro do carro nas viagens longas –excesso de zelo materno, já que parávamos a cada 50 quilômetros para usar o banheiro.

Já adulto, observava com pasmo os gaúchos e argentinos que percorrem as praias do Nordeste com a térmica sob o sovaco e uma cuia de mate na mão. Bebida quente na Pipa? Tenha misericórdia.

Via com extrema desconfiança as térmicas de café de salas de espera e ambientes de trabalho em geral. Mesmo quando fresco, recém-passado, o café era de qualidade sofrível e trazia o risco de uma overdose de açúcar.

Antes de ser expelido do mercado formal de trabalho, eu mal tomava café em casa, aliás.

Fora dela, o cafezinho era pretexto para uma escapadinha da mesa. Aquela sacudida que o cérebro precisa quando começa a girar em falso.

Café era sinônimo de expresso, grosso e preto feito piche, que saía da máquina da cantina da editora.

Quando não havia tempo ou disposição para ir tão longe, eu confesso, apelava para a máquina automática do andar. Não sei como eu conseguia beber aquele lixo.

Em casa, eu tinha uma moka italiana, que morava na estante da cozinha e pouco saía de lá.

Tudo mudou com o tal do home office. A mokinha não dava mais conta de tanto café.

Eu cheguei a ter em casa uma máquina de expresso, dessas com cápsulas, presenteada pelo ex-sogro. Fora a tonelagem de lixo gerado pela coisa, fui perdendo o gosto por café forte e torrado demais.

Comprei uma cafeteira elétrica, com bule de vidro, que mantém a bebida quente. Pois é: a mesma chapa que mantém a bebida quente trinca o bule de vidro (que custa a mesma coisa que o conjunto todo, mas é mais difícil de achar).

Comprei duas, comprei três cafeteiras. Em vez de comprar a quarta, decidi me render à garrafa térmica das lembranças doces demais.

Hoje compro pó bom (bom o bastante para o poder do meu pix) e faço café como a minha mãe fazia, no filtro de papel sobre a garrafa térmica.

Eu amo a minha garrafa térmica.

Pena que o amor não seja correspondido. A ingrata não fecha direito e deixa escapar calor. O café deveria ficar quente por seis horas, mas dá 40 minutos e já preciso reaquecer no micro-ondas.

Posso comprar uma garrafa melhor? Posso, mas não tenho garantia alguma de que um investimento maior vá trazer a qualidade prometida. E já peguei carinho.

Sigo resignado com o amor meia-boca que a vida me trouxe na pandemia.

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Mais vale um vinho na adega do que dinheiro no fiofó https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/11/07/mais-vale-um-vinho-na-adega-do-que-dinheiro-no-fiofo/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/11/07/mais-vale-um-vinho-na-adega-do-que-dinheiro-no-fiofo/#respond Sat, 07 Nov 2020 05:00:11 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/mouton-320x213.png https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=2630 Interessante a repercussão do post  “Restaurante vende garrafa de R$ 11 mil, serve vinho da casa e cliente nem percebe”, que eu publiquei no blog em 22/10.

Resumo meio porco: um restaurante de Nova York trocou os pedidos de duas mesas. Uma havia comprado o vinho mais caro do lugar; a outra, o mais barato. As bebidas foram servidas em decantadores sem identificação, e nenhum dos clientes percebeu o engano.

O assunto rendeu mais de 140 mil visualizações e uma coluna do Hélio Schwartsman, que questionou os métodos de análise sensorial de vinhos. Esta, por sua vez, suscitou a réplica do sommelier Manoel Beato, em defesa da categoria profissional.

O sucesso de uma nota tão boba, eu presumo, vem da antipatia das pessoas comuns –aquelas sem interesse particular por vinhos– pelos esnobes cheiradores de rolha. Vê-los em situação ridícula é catártico.

Vamos combinar que os enófilos, com as exceções de praxe, merecem a fama de besta que têm. Seu círculo é um clube exclusivista. Não é fácil entender o vinho; o caminho do conhecimento, estreito, passa por dinheiro e/ou a disposição para socializar com gente que não seria sua amiga em outra situação.

O clubinho é um ímã de novos-ricos. Gente que já tem o dinheiro, mas ainda corre atrás do reconhecimento da galera que, como se diz na rua Haddock Lobo, tem berço.

Um atalho comum nessa corrida por status é queimar etapas na longa estrada entre o carmenére reservado e o bordeaux de cinco dígitos.

Vinho é um hábito caro. Para além das garrafas de supermercado, de trintão a cento e poucos reais, qualidade e valor aumentam gradualmente e compassados. Até algum vinho de prestígio excepcional quebrar o mecanismo –seu preço, puxado pela demanda do mercado de luxo, sobe em desproporção com a excelência do produto em si.

É nessa categoria que se encaixa o Château Mouton-Rotschild do episódio em Nova York. Um vinho espetacular, dizem, mas que custa mais do que vale.

Os grandes rótulos se tornaram investimento financeiro e fetiche de colecionador. “Tem muita especulação”, diz Rodrigo Lanari, da consultoria WineXT, especialista no mercado de vinhos. “Algumas garrafas trocam de mãos várias vezes, viajam o mundo todo e nunca são abertas.”

O mercado contempla estratos de intermediários –negociantes, distribuidores, importadores– entre o produtor do vinho e a adega climatizada de um bacana qualquer.

Caixas e mais caixas acabam em posse de pessoas jurídicas, que usam o vinho para azeitar o relacionamento com clientes estratégicos. Muitos deles, do setor público.

Vinhos caríssimos –tal qual relógios e joias– são uma forma de propina mais discreta do que maços de notas de R$ 200 enfiadas na buzanfa.

Propina com a vantagem da dupla liquidez do vinho. Se tudo der errado e a grana parar de fluir, é fácil passar adiante uma garrafa de colecionador. Se tudo der certo, porém, o fluxo não cessa.

Aí é só abrir a garrafa de 10 mil ou 20 mil contos –que foi grátis, afinal–, cheirar a rolha, girar a taça, falar umas groselhas e ficar bem na fita com os parças.

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Se está difícil para os bares, imagine para as garotas de programa https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/07/20/se-esta-dificil-para-os-bares-imagine-para-as-garotas-de-programa/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/07/20/se-esta-dificil-para-os-bares-imagine-para-as-garotas-de-programa/#respond Mon, 20 Jul 2020 19:37:51 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/01-HIPODROMO-2.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=2344 Quem me acompanha no blog percebe que eu tenho uma posição enfática em relação à reabertura dos bares: acho que ela não deveria ter ocorrido.

Isso me custou a antipatia de muitos donos de boteco. Em resumo, dizem que eu não sei nada da realidade do setor e que sou insensível ao drama das pessoas que dele dependem para sobreviver.

Em resposta à primeira acusação, escrevo sobre bares e restaurantes há mais de 20 anos. Na condição de jornalista profissional, fiz visitas técnicas a dezenas de vinícolas, cervejarias e destilarias no Brasil, nas Américas e na Europa. Tive uma coluna sobre bebidas por 5 anos numa revista de circulação nacional. Fui jurado de concursos internacionais de coquetelaria. Sou sommelier de cerveja diplomado. Prestei serviços de consultoria e de relações públicas à indústria cervejeira e a uma grande rede de bares.

Posso não entender muito, mas alguma coisa eu entendo sobre o setor de bebidas.

Próximo assunto.

O fato de eu escrever sobre comida e bebida não me torna automaticamente um porta-voz dos interesses do setor.

Isso deveria ser óbvio, mas a promiscuidade do jornalismo gastronômico faz com que alguns empresários enxerguem os cronistas como uma engrenagem do meio. Não somos. Precisamos ter postura crítica e contrariar os interesses das nossas fontes quando for necessário. Como é necessário agora.

Não sou refratário ao drama daqueles que trabalham com bares e restaurantes. Como agente externo, porém, tenho o dever de colocar a situação em perspectiva e hierarquizar a importância de cada coisa. Crises brabas como esta exigem decisões duras, que podem parecer cruéis.

A saúde geral da população é mais importante do que a sobrevivência econômica dos bares. Reconhecê-lo pode ser duro para mim, botequeiro inveterado desde tenra idade. Mas não é difícil, dado que um tanto óbvio.

Bares abertos são um potencializador de contágio da peste que se espalha pelo ar e pela saliva. Não sou eu quem diz, são os médicos epidemiologistas.

Uma tabela divulgada ontem (19), no “Fantástico”, graduava de 1 a 9 o risco sanitário de algumas atividades cotidianas. Abrir a correspondência ficou no nível 1, o mais baixo de todos. Pegar a pizza trazida por um motoqueiro, nível 2. Comer num restaurante ao ar livre, nível 4. Num restaurante fechado, nível 7. Churrasco com os amigos, nível 5. Restaurante self-service, nível 8.

O levantamento, feito pela Associação Médica do Texas, põe frequentar bares no nível máximo de risco, 9, ao lado de grandes shows, estádios lotados e cerimônias religiosas que reúnem multidões.

Não há como defender os bares abertos a esta altura do campeonato.

Muita gente vai ficar sem renda, o que é grave e triste. Essas pessoas vão precisar se adequar a outras atividades, como fizeram os baleeiros, os chapeleiros, os datilógrafos, os mercadores de marfim, os fabricantes de espartilhos, os donos de videolocadoras, os donos das casas de ópio, os trabalhadores envolvidos na fabricação da talidomida. Como estão fazendo os jornalistas, minha categoria profissional.

As reviravoltas da história não raro dizimam ou aniquilam ofícios, deixando na mão milhares, milhões de trabalhadores.

O setor de bares foi fortemente atingido pelas restrições sanitárias impostas pela pandemia da Covid-19. É uma categoria com que nos identificamos facilmente, mas não é a única em maus lençóis.

Bares e restaurantes são apenas a ponta mais vistosa de todo um aparelho econômico voltado para conversas, abraços, beijos e algo mais.

Da fábrica de gel íntimo ao pastor que vende lotes no céu, centenas de categorias profissionais e negócios subsistem às custas da aglomeração. Nem que seja uma aglomeração de dois.

Pense nos dentistas, massagistas, tapioqueiras, camelôs, manicures, pedicures, salões de festa, motoristas de van, barbeiros raiz e gourmet, fabricantes de cartas de baralho, candidatos, qualquer um no ramo do narguilé.

Pense nos pobres em geral, que aglomeram fora de casa quando trabalham e aglomeram dentro de casa quando não têm trabalho.

Pense nas crianças que dependem da educação presencial para ter uma boa formação.

Se nem as crianças te comovem, pense nas putas, nas raparigas, nas garotas de programa.

Assim como 90% dos cozinheiros são ruins demais para aparecer nos guias gastronômicos, só 10% dos trabalhadores do sexo são bonitos o bastante para trabalhar a distância, com segurança, exibindo o corpo na internet.

“Ah, mas são putos e putas.”  Tsc, tsc, que jeito horrível de pensar.

O serviço dos bares não é mais essencial do que os das putas. Ambos são válvulas de escape para as tensões quase insuportáveis da vida em sociedade –que está mais doente do que nunca, e não me refiro à Covid-19.

Bares vão precisar se adequar, putas vão precisar se adequar, todos nós vamos. Devemos cobrar providências e responsabilidades dos agentes estatais para minimizar o impacto da crise. Mas não podemos seguir a vida como se tudo estivesse normal e pudéssemos brindar com uma cerveja no boteco.

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P.S.: De acordo com a coluna do Ancelmo Góis, no “Globo”, o Rio perdeu definitivamente um de seus bares mais importantes. O Hipódromo concentrava a muvuca de todas as noites na praça Santos Dumont, conhecida pelos botequeiros como Baixo Gávea. Tecnicamente não era um bom bar –chope aguado, comida sem graça, serviço caótico–, mas isso só importa para paulistas como eu. Na mitologia carioca, o Baixo é onde as estrelas da música e da TV bebiam de chinelo ao lado dos quase-plebeus da zona sul. É uma perda simbolicamente devastadora. Mais uma baixa destes tempos sombrios.

 

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