Cozinha Bruta https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau) Mon, 13 Dec 2021 21:07:14 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 No lixo de SP, ou você janta cedo ou não janta https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/29/no-lixo-de-sp-ou-voce-janta-cedo-ou-nao-janta/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/29/no-lixo-de-sp-ou-voce-janta-cedo-ou-nao-janta/#respond Mon, 29 Nov 2021 21:13:27 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/lixo-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3472 Um soco no estômago a reportagem da Folha deste domingo (28) sob o título “É assim que eu como: a rotina de paulistanos que dependem de doação, xepa e lixo para matar a fome”. As repórteres Mariana Agunzi e Karime Xavier conversaram com as pessoas que a gente vê todo dia na rua, mas não conhece suas histórias.

Tiago Bastos de Santana, 24, diz que já está acostumado a comer lixo, então não passa mal com o alimento estragado.

Maria Lúcia Monteiro, 59, remove as partes mofadas da mortadela que encontra no lixo. Cozinha, na lenha de entulho, as gorduras que o açougue lhe doa.

Não é preciso ir ao Jardim Papai Noel, onde Maria Lúcia mora, para se deparar com gente nessa situação indigna.

Vivo numa rua cheia de prédios residenciais em Perdizes. No fim da tarde, os porteiros e zeladores depositam, em lixeiras metálicas, tudo o que os moradores jogaram fora.

Esse lixo sempre foi revirado pelas pessoas que vagam pela rua. O perfil dessa gente mudou muito recentemente.

Costumavam ser catadores de entulho que recolhem de latinhas e outras tranqueiras para revender. Geralmente pessoas solitárias, com algum transtorno mental, problema com álcool ou drogas. Abriam os sacos e deixam uma bagunça enorme ao sair.

Agora são famílias.

Estão atrás de comida. Abrem o saco, vasculham seu conteúdo, tiram o que encontram, fecham o saco e deixam tudo como encontraram.

O setor de restaurantes nos Estados Unidos usa a expressão “early bird” (“madrugador” ou, literalmente, “pássaro que chega cedo”) para designar os clientes que vão jantar ante de todo mundo –o que, nos EUA, não é muito depois do nosso almoço.

Os pássaros precoces costumam ser idosos. Os restaurantes dão-lhes descontos para fazer a cozinha funcionar em horários de pouco movimento. Aqui no Brasil, há restaurantes por quilo que cobram menos de quem vai almoçar antes do meio-dia.

Na ruas de São Paulo, jantar cedo é uma questão de sobrevivência.

Os porteiros tiram o lixo um pouco depois das 17h. A coleta só passa à noite, mas as famílias de famintos sabem que não podem esperar muito.

Eu observo sua passagem com alguma frequência, pois é um hora do dia em que sempre calha de eu estar plantado na calçada esperando um Uber.

Por volta das 17h15, 17h30, chega a primeira família. Investiga todas as lixeiras do quarteirão e some com alguma comida. O segundo grupo vem logo depois e já encontra bem menos alimento.

Os demais já não encontram o que comer.

No lixo paulistano, só janta quem janta cedo. Esse é o horror na porta das nossas casas.

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Quem tem medo de tubarão? https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/26/quem-tem-medo-de-tubarao/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/26/quem-tem-medo-de-tubarao/#respond Sat, 27 Nov 2021 02:15:19 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/tuba-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3467 Eu tinha só 5 anos quando apareceu “Tubarão”, o filme, primeiro megassucesso de Steven Spielberg e a maior bilheteria da história até ser desbancado, dois anos mais tarde, por “Star Wars”.

Claro que meus pais não me deixaram assistir ao filme na época –só fui vê-lo muito tempo depois, em versão dublada e picotada da TV aberta. Mas acabei contaminado pela febre de “Tubarão”.

Cartazes gigantes cobriam as fachadas dos cinemas da cidade –São Paulo tinha muitas salas de rua, principalmente no centro e na região da Paulista. A mesma imagem de divulgação, o tuba com os dentões à mostra, ocupava espaços enormes nas últimas páginas dos jornais.

A televisão exibia reportagens sobre o fenômeno, com toda a tecnologia do robô-tubarão e a brecha para passar algumas cenas do filme em horário nobre.

Para a geração que cresceu nos anos 1970, “Tubarão” foi um divisor de águas. O tubarão deixava de ser peixe para se tornar monstro. Uma criatura a ser temida no imenso desconhecido do oceano. Tomar banho de mar nunca voltou a ser o que era –e essa vai na conta do carma do Spielberg.

No mundo real, ataques de tubarões a banhistas são incomuns. Onde são frequentes, como em Recife, resultam da lambança perpetrada pelos humanos no ecossistema marinho.

Ubatuba, balneário paulista, registrou dois casos recentemente, ambos não-fatais.

Aí o comodoro de uma marina encenou o filme de Spielberg lá em Ubatuba: ofereceu R$ 20 de recompensa por centímetro de peixe, caso lhe trouxessem morto o tubarão responsável pelos ataques. Ou um animal “cujo porte justifique a possibilidade de ter sido o autor dos ferimentos aos banhistas”.

Em “Tubarão”, as coisas desandam de vez quando nativos e turistas se metem a caçar o bicho assassino para embolsar um prêmio em dinheiro.

Precisamos sair urgentemente desse filme.

O tubarão não é um monstro. Nós é que somos uma ameaça para a sobrevivência dos tubarões.

Porque vai tubarão na moqueca, na isca de peixe do quiosque de praia, no ensopadinho do almoço de sexta-feira. Só que aí ele muda de nome.

Funciona assim: quando o peixe come o homem, seu nome é tubarão; quando é comido pelo homem, passa a se chamar cação. Cação é a denominação comercial genérica de várias espécies de peixes cartilaginosos, basicamente tubarões e arraias.

O Brasil produz 20 mil toneladas anuais de carne de cação. E importa o mesmo tanto. São tubarões, em sua maioria, e 40% das espécies de tubarão sofrem risco de extinção devido à pesca e à degradação ambiental.

Curioso, triste e feio é que o pessoal compra tubarão sem saber o que está levando. Cerca de 70% dos consumidores não têm ideia de que cação e tubarão são a mesma coisa.

A indústria da pesca alimenta essa ignorância. O cação é vendido em postas ou picado, nunca reconhecível e jamais com as barbatanas (é a parte mais valiosa, reservada para os chineses).

Em resumo, o homem é o tubarão do tubarão. Ou: o tubarão é a moqueca do homem.

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Black Friday: me engana que eu gosto https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/25/black-friday-me-engana-que-eu-gosto/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/25/black-friday-me-engana-que-eu-gosto/#respond Thu, 25 Nov 2021 21:31:49 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/blackfriday-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3465 Eu sei que é cilada, arapuca.

Eu sei que está tudo pela metade do dobro.

Eu sei que há uma máquina opressiva de propaganda martelando nas nossas cabeças para gastarmos compulsivamente, sem necessidade e de forma irresponsável.

Eu sei eu não tenho dinheiro para esbanjar no diabo da Black Friday.

Eu sei que nem isso interessa, pois os bancos abriram a porteira do crédito para quem estiver disposto a se endividar por uma TV grandona.

Eu sei de tudo isso, mas ainda caio nessa.

Acabei de voltar do mercado, aonde fui para comprar sabão de lavar roupa.

Levei cerveja por espetaculares R$ 3,89 a latinha. Paguei R$ 3,99 há duas semanas, mas o cartaz diz que o preço cheio é R$ 4,99.

Comprei também duas garrafas de vinho, com 60% e 70% de desconto. Não sei opinar sobre o valor original dessas garrafas, mas não parece um excelente negócio?

Não é uma maravilha?

Todo ano eu reclamo, ironizo, esperneio e caio. Cá estou eu a divulgar a bagaça de novo.

Black Friday: me engana que eu gosto.

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Lagosta para os pobres https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/lagosta-para-os-pobres/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/19/lagosta-para-os-pobres/#respond Sat, 20 Nov 2021 02:15:55 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/255918801_1036571093580811_4082265540108493787_n-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3451 O acará só queria camarão.

Todos os outros peixes do aquário comiam ração seca em flocos, mas o acará-disco não dava a menor pelota para ela.

Para interromper a greve de fome do ciclídeo, minha mãe sugeriu que lhe déssemos camarão. Funcionou.

O acará de paladar fino virou piada na minha casa –eu tinha 12 ou 13 anos na época. O impacto da dieta do peixe no orçamento doméstico era, contudo, desprezível: ele comia alguns pedacinhos por dia de camarão miúdo, do tipo mais barato.

O camarão como alimento de peixes de aquário é, por sinal, muito comum. Tem até um tipo que você cria num tanquinho à parte, para oferecer vivo aos lebistes e betas de estimação.

É a artêmia, gênero endêmico de lagos salgados continentais. São crustáceos minúsculos, tão pequenos que não dá para examinar um indivíduo a olho nu. Em bando, parecem uma nuvem de mosquitos aquáticos.

No século passado, ovos de artêmia eram vendidos sob o nome “kikos marinhos”, como se fossem gerar diminutas criaturas com inteligência superior. Uma obra-prima da empulhação. Mas voltemos à ração.

Tem camarão também em algumas rações de gato. Camarão e atum, quase uma barca de sushi para os bichanos.

Gato persa pode comer camarão. Peixe de aquário pode comer camarão. Só pessoas pobres não podem comer camarão.

Não surpreende ninguém a indignação ante a foto de Wagner Moura comendo camarão num evento dos sem-teto. É só mais um chilique de preconceito e ignorância da elite jeca do Brasil.

Essa turma acha ok dar ração assinada pelo Erick Jacquin para o lulu-da-pomerânia, mas sobe nas tamancas quando uma doméstica compra passagem de avião.

Acha natural celebrar a especulação financeira com uma vaca amarela de fibra de vidro enquanto desempregados reviram o lixo atrás de ossos.

Aliás, acha ótimo que a fome tenha feito baixar o custo do trabalho braçal. Tudo bem que a inflação e o câmbio dobraram o preço do vinho: é apenas um percalço na restauração do Brasil dos homens de bem, vamos beber a isso.

Esse pessoal acha que a Bahia é o Quadrado de Trancoso e que acarajé é uma iguaria exótica para dias de festa.

Mal sabe essa gente que o camarão defumado, mirrado e cascudo que vai no acarajé é vendido pela bacia nas feiras de Salvador.

Camarão é um bicho carniceiro, coprófago, parece uma barata que passa a vida nadando em pé. Não sei por que tanto fetiche. Porque a carne é deliciosa, talvez?

Nada irrita mais o tutor de lulu-da-pomerânia do que um pobre se alimentando bem e com gosto. Daí achar um acinte que a refeição servida na ocupação do MTST incluísse camarão.

Um efeito positivo do episódio é a reação contra o absurdo. Uma galera arrecadou doações para promover uma camarãozada (sim, inventei a palavra) numa ocupação do Jardim Iguatemi, zona leste profunda. Vai ser neste domingo (21).

É provocação? Evidente que sim!

Que sirvam lagosta para os pobres da próxima vez.

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O antro de comunistas no banheiro do McDonald’s https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/o-antro-de-comunistas-no-banheiro-do-mcdonalds/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/17/o-antro-de-comunistas-no-banheiro-do-mcdonalds/#respond Wed, 17 Nov 2021 17:48:16 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/macdonalds-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3443 Quando visitei o país comunista Estados Unidos da América, ainda no século passado, fui levado por amigos a um bar numa comunidade hippie na costa da Califórnia, um pouco ao norte de São Francisco.

Depois de uma ou outra cerveja, precisei fazer xixi. Alguém me apontou o caminho dos banheiros e, ao chegar lá, surpresa: as portinhas não eram separadas por sexo.

Em vez disso, um reservado se destinava a pessoas com iniciais de “A” a “M”; o outro, para portadores de nomes que começassem de “N” a “Z”. Fiquei confuso, pois não sabia se valia o prenome (“Marcos”) ou o sobrenome (“Nogueira”).

Na dúvida, escolhi qualquer um. Tratava-se, evidentemente, de uma brincadeira dos donos do estabelecimento.

A divisão de banheiros por sexo ou outro tipo de afinidade identitária é aconselhável quando há gente se trocando na área das pias –como, por exemplo, em vestiários de clubes e academias.

Se o lavatório é aberto e comum, pouco interessa quem vai ocupar as cabines individuais. Homens e mulheres produzem excreções, ruídos e odores. Já tinha banheiro unissex na finada danceteria Aeroanta, nos anos 1980, e ninguém se escandalizava com isso.

Aí, em pleno 2021, vem uma tia do zap bolsonarista denunciar –atenção ao termo: denunciar– um McDonald’s em Bauru (SP) por promover o comunismo ao oferecer cabines fechadas e individuais de uso livre para qualquer sexo ou gênero. A prefeita da cidade, da mesma laia, resolveu multar a lanchonete por infração sanitária.

Tenho algumas perguntas a fazer para essas senhoras.

Vocês separam os banheiros de casa por sexo ou apenas têm um nos fundos, minúsculo e com louça inferior, reservado para a empregada?

Vocês dão escândalo e espalham vídeos no zap quando meninos e meninas usam o mesmo banheiro na casa de um amigo?

Se o banheiro feminino está fechado para manutenção, vocês vão ao masculino ou fazem xixi no copinho?

O que vocês sugerem para negócios pequenos, com espaço apenas para um vaso sanitário? Rodízio? Homens nas horas pares e mulheres nas ímpares?

A senhora prefeita tem alguma noção de normas sanitárias e suas infrações?

Vocês fazem alguma ideia do que é comunismo?

Vocês fazem ideia do que é o McDonald’s?

Das duas, uma: ou o Méqui virou um antro de comunistas infiltrados ou o Foro de Bauru está conspirando contra os sanduíches concorrentes.

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O camarão de R$ 20 de Wagner Moura e o hotel de R$ 22 mil de Bolsonaro https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/14/o-camarao-de-r-20-de-wagner-moura-e-o-hotel-de-r-22-mil-de-bolsonaro/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/14/o-camarao-de-r-20-de-wagner-moura-e-o-hotel-de-r-22-mil-de-bolsonaro/#respond Sun, 14 Nov 2021 18:13:57 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/255918801_1036571093580811_4082265540108493787_n-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3434 Então a polêmica que abre a semana é a marmita de Wagner Moura numa ocupação do MTST. A patrulha direitista viu camarões na comida e saiu metralhando. O que melhor descreve meu sentimento a respeito disso é o emoji de olhinhos virados, infelizmente indisponível aqui.

Assim, buscarei me expressa por ferramentas mais convencionais de linguagem.

O ataque a Wagner e ao MTST denota ódio aos pobres, ignorância, preguiça e cinismo.

Ódio aos pobres porque acham que camarão é um manjar reservado aos ricos. O pobre que coma osso ligeiramente podre.

Ignorância porque essa gente não reconheceu, nas mãos do cineasta, um dos pratos populares mais famosos do Brasil. Ali tem camarão seco, tem vatapá, tem caruru, tem a saladinha do acarajé. Só não tem o acarajé em si, o bolinho frito, que Wagner deve ter pedido para alguém segurar –veem-se os pequenos acarajés na segunda foto do mesmo post de Instagram.

Wagner Moura é baiano. Carlos Marighella era baiano. Acarajé é baiano. Nada mais adequado do que servir acarajé ao ilustre convidado.

Preguiça porque ninguém procurou saber de que se tratava a comida. O acarajé desmembrado veio do Acarajazz, um negócio familiar do Jabaquara (zona sul de Sõ Paulo). Lá, o acarajé custa de R$ 20 (individual) a R$ 37 (para dois), menos do que uma refeição de frango num boteco qualquer da zona oeste.

É uma operação minúscula, tocada na linha de frente pelos primos Bia Souza (paulistana, filha de baianos) e Rafael Italo (de Salvador). Aliás, o camarão miúdo que vai no acarajé não é nenhuma trufa branca, nenhum limão-caviar.

O cinismo é o pior de tudo.

Enquanto Eduardo Bolsonaro atacava Wagner Moura, seu papai, o “simplão” Jair, se hospedava numa suíte em Dubai cuja diária custa o equivalente a R$ 22 mil.

O quarto do presidente foi pago pelos anfitriões árabes. Não há por que questionar uma cortesia desse tipo a um chefe de estado, quando ela não envolve dinheiro público.

A não ser que o chefe em questão carregue, para a mesma viagem, uma comitiva de inúteis cujo passeio está, sim, sendo bancado pelo nosso dinheiro.

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A extinção do feijão com arroz https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/12/a-extincao-do-feijao-com-arroz/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/12/a-extincao-do-feijao-com-arroz/#respond Sat, 13 Nov 2021 02:15:02 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/feijao-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3427 Recebeu menos atenção do que merecia a reportagem de Camilla Veras Mota, para a BBC Brasil, intitulada “Por que os agricultores brasileiros estão deixando de plantar feijão –e o que isso tem a ver com a fome”.

Enquanto o agronegócio tenta nos convencer de que as abelhas trabalham em parceria com os grandes produtores rurais, o prato-símbolo da alimentação brasileira está sumindo do campo. Plantações de arroz e feijão estão sendo substituídas pela soja, sempre ela.

Não é de hoje nem culpa do governo atual, mas uma série de fatos e decisões que têm nos empurrado para o buraco há mais de 40 anos –e que explicam parcialmente a lama em que vivemos agora.

Dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento, ligada ao Ministério da Agricultura) mostram a evolução das áreas plantadas desde a safra 1976/77 até a atual, de 2020/21.

Nesse intervalo, as plantações de feijão foram reduzidas em 35%, de 4,9 milhões de hectares para 2,9 milhões de hectares. A área do arroz encolheu para menos de 1/3 do que era nos anos 1970.

Já o cultivo de soja pulou de 6,9 milhões de hectares para 38,9 milhões de hectares. Do Rio Grande do Sul ao Piauí, o Brasil virou um gigantesco campo de soja.

Toda essa soja não está aí para fazer tofu orgânico nem óleo de fritar pastel. É uma commodity com cotação internacional em dólar. E ração para a indústria de carne, outra commodity.

Em suma: desde o século passado, a agricultura brasileira mandou às favas (ops!) as lavouras voltadas para garantir comida na mesa da população. É algo que já estávamos carecas de saber, mas que nunca havia sido desenhado com tanto didatismo.

Houve incremento na produtividade, mas nada que compense a perda de área cultivada. Segundo o texto da BBC, o volume de feijão colhido segue mais ou menos estável desde a primeira aferição, em 1976/77. No mesmo ínterim, a população do país dobrou.

Paralelamente, houve o abandono dos mecanismos para garantir o mínimo de segurança alimentar aos brasileiros.

Para evitar flutuação exagerada de preços, os governos devem manter estoques que suprem a falta deste ou daquele alimento em caso de quebra de safra. O estoque público de feijão, que era de 150 mil toneladas em 2010, está zerado desde 2017.

Ou seja, se a demanda aumentar ou a oferta diminuir, o feijão fica mais caro.

Outro sinal do desdém pelo feijão é a asfixia das pesquisas para melhorar a genética das plantas e as técnicas agrícolas. A grana da pesquisa do feijão agora vai… sim, você acertou, para a soja!

No limite, a opção pelos dólares da soja pode levar à extinção do hábito brasileiro de comer feijão com arroz no almoço, todo dia. Já não dá para comprar carne. Sem feijão, o que comeremos?

Macarrão instantâneo? Bolacha recheada? Fuzis?

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Vendido ao preço de 100 latas de cerveja, copo térmico vira artigo de ostentação https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/vendido-ao-preco-de-100-latas-de-cerveja-copo-termico-vira-artigo-de-ostentacao/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/09/vendido-ao-preco-de-100-latas-de-cerveja-copo-termico-vira-artigo-de-ostentacao/#respond Tue, 09 Nov 2021 18:43:21 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/copostanley_LI-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3419 Em meio século de vida, já vi muita modinha ridícula.

Modinha de tênis assim ou assado, de relógio que troca a pulseira, de viseira, de pochete, de bracelete “energético” de cobre, de fone de ouvido grande, de fone de ouvido sem fio.

Modinha de paleta mexicana, de tapioca, de sorvete de iogurte, de meter Nutella até na mãe, de açaí com granola, de taça lambuzada por fora, de barca de tudo quanto é tranqueira, de cerveja amarga, de cerveja azeda.

O que eu ainda não tinha visto era a modinha de levar o próprio copo para beber cerveja no boteco ou na rua. Copo-ostentação, para postar no Instagram, que custa entre R$ 150 e R$ 250, algo como cem latas de cerveja popular.

O tal copo, cuja marca não vou citar, é de marca americana, feito de aço inox e promete deixar a bebida gelada por horas. Virou meme na internet, como item obrigatório da galerinha chamada sardonicamente de heterotop: rapazes metidos a garanhão, que se juntam para jogar beach tennis e fumar “vape”, cigarro eletrônico.

“Se eu deixar a cerveja no copo por 4 horas, podem me levar ao IML”, diz um tuiteiro. Na trincheira oposta, os fãs do tal copo dizem que a maledicência é inveja de quem não possui o equipamento.

A ostentação de copo térmico atinge todo o Brasil, mas há indícios de que a moda tenha surgido no Espírito Santo, mais especificamente nas praias da Aldeia e de Bacutia, em Guarapari, pontos de encontro da elite capixaba.

“O Brasil descobriu o copo agora e é modinha no ES há mais de um ano”, diz um tuíte datado de 5 de novembro.

De fato, vários posts de 2020 citam a marca topzera de copo como algo próprio da cultura do capixaba moderno. Tem até um artigo do jornal A Gazeta, de Vitória, publicado em janeiro do ano passado, com a afirmação de que o tal copo “virou moda entre os mais ligados nas novidades no Espírito Santo”.

Entre o surgimento do fenômeno disruptivo capixaba e sua assimilação pelo resto dos brasileiros, houve uma pandemia. Talvez isso explique a estranha demora, pois é o tipo de fenômeno de manada que se espalha bem rápido neste país.

Agora, atenção: se me virem com um copo desses… foi presente. Mas não vão me ver. Se eu ganhar um, vou beber escondido.

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A torre de pizza e os livros de kafta https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/05/a-torre-de-pizza-e-os-livros-de-kafta/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/05/a-torre-de-pizza-e-os-livros-de-kafta/#respond Sat, 06 Nov 2021 02:15:03 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/torrebixiga-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3416 Muitos anos atrás, existia aqui perto de onde eu moro hoje um lugar chamado Torre de Pizza. Ficava na sobreloja de uma padaria numa praça adjacente à avenida Sumaré. Nunca fui, mas posso afirmar com 99% de precisão que se tratava de uma pizzaria.

Havia outro lugar na cidade –no Bixiga, antigo reduto de arapucas carcamanas– outra pizzaria sob o nome Torre do Bixiga, que tampouco frequentei. Não sei se havia disputa de marca entre os dois estabelecimentos.

Sei que ambos usavam a torre de Pisa, cidade da Toscana, para ilustrar seus letreiros. Trocar “Pisa” por “pizza” é uma associação infantil e, se o indivíduo é adulto, um trocadilho muito fraco.

Fraco, mas popular pra chuchu.

Na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, há uma Torre di Pizza. Em Niterói (RJ) existe outra. Campinas (SP) tem uma Torre de Pizzas. Na também paulista Rio Claro, a Torre da Pizza.

Sem contar as dezenas de pizzarias chamadas Torre de Pisa, mesmo –o cliente que faça o trocadilho por conta própria.

É a tosqueira habitual do Brasil. Para ser justo com os brasileiros, o jogo de palavras é comum no mundo todo, até na própria Itália. Existe uma pizzaria chamada La Torre di Pizza na província de Pisa, a 25 minutos de carro da torre inclinada.

O que ainda causa algum espanto é o presidente de um país falar “torre de pizza”, a sério, para se referir à torre de Pisa. Num evento oficial. Logo após voltar de um encontro de chefes de estado na Itália.

Sei que não deveria espantar, pois se trata de Jair Bolsonaro.

É o mesmo sujeito que, na referida viagem à Itália, recusou grapa e pediu refrigerante.

É o mesmo cara que já declarou comer pão com leite condensado no café da manhã.

É o mesmo indivíduo que, em viagem a Japão, portou-se feito um piá malcriado no banquete do imperador, falou mal da comida e, de volta ao hotel, devorou macarrão instantâneo. Pior: miojo brasileiro, levado na mala para a terra do Sol nascente e do lámen.

É o mesmo cabra que governa um país assolado pela fome, mas ostenta todo sorridente uma picanha que se chama “Mito” e custa R$ 1.799,99 o quilo. Picanha absurdamente cara, assada no Palácio da Alvorada por um certo “churrasqueiro dos artistas”, que recebeu auxílio emergencial durante nove meses.

Bolsonaro não sabe o que é decoro e não tem senso de ridículo. Jacta-se da própria ignorância. Se só ele fosse assim, seria menos ruim.

Ocorre que Bolsonaro não foi colocado na presidência por alienígenas de um disco voador.

O eleitor bolsonarista é a xepa do chorume do que há de mais desprezível na humanidade. Os que ainda apoiam o presidente –políticos, empresários e gado genérico– são piores ainda.

E o que dizer dos que estão na órbita de Jair? De quem está no governo?

Lembremos que um ministro da Educação –repito: da Educação– chamou de “kafta” o escritor checo Franz Kafka. Esse governo não serve nem para ser pizzaria & esfiharia.

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A grande fraude chamada alimentação funcional https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/03/a-grande-fraude-chamada-alimentacao-funcional/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/03/a-grande-fraude-chamada-alimentacao-funcional/#respond Wed, 03 Nov 2021 14:51:49 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/ovo1121-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3412 Fez um bom barulho o artigo “Por que o ovo que te faz bem hoje te mata amanhã”, de Bruno Gualano, professor da Faculdade de Medicina da USP. Ele explica as falhas metodológicas dos estudos centrados no efeito de alimentos específicos para a saúde humana.

O ovo é o exemplo mais comum das distorções desses trabalhos: alguns dizem que ele faz bem, outros sugerem que ele é altamente prejudicial à saúde.

O que o professor demonstra, com sólidos exemplos, é o fato de que tais pesquisas ignoram a complexidade da alimentação: há mais de 250 mil alimentos que podem ser combinados de trocentas maneiras e proporções, o que torna dificílimo estabelecer o papel de cada um na saúde de um indivíduo.

Para piorar a confusão, fatores alheios à alimentação também influem muito: sedentarismo, tabagismo, depressão, enfim, tudo aquilo que chamados de estilo de vida. Gualano usa como exemplo estudos que atribuíam a incidência de câncer ao consumo de café –mais tarde, concluiu-se que o cigarro era o real culpado (caso você não saiba, fumantes adoram tomar um cafezinho antes de pitar).

O artigo deixa de abordar –e nem deveria abordar, por uma questão de concisão– dois outros aspectos da construção da mentira dos alimentos funcionais: o direcionamento perverso de muitos estudos e o papel da imprensa na propagação de mitos.

Uma coisa importante e largamente ignorada: nem todo cientista é isento. Dados científicos são manipuláveis, e isso é algo relativamente fácil quando há um universo gigantesco de pessoas incapazes de interpretá-los.

Nos Estados Unidos, principalmente, há um lobby muito poderoso para cada setor da indústrias alimentícia: leite, carne bovina, ovos, panificação e por aí vai. Esses lobbies financiam pesquisas para encontrar benefícios dessa ou daquela comida. Quando não encontra, o estudo vai para a gaveta. Quando obtém dados que podem ser interpretados da forma que o cliente gostaria, é feito um malabarismo retórico para destacar o benefício de beber suco de laranja ou de comer bacon.

E aí são disparados releases para a imprensa.

Então, numa redação qualquer, juntam-se dois personagens. O repórter que lê (quando lê) o estudo, mas não entende nada. E o editor louco para dar títulos que chamem a atenção do leitor.

A imprensa vive de novidades, e uma notícia que diz que macarronada ao sugo evita câncer de próstata é algo que todo editor adora. Pena que seja mentira.

Não adianta comer tomate, beber vinho, se entupir de chia e de amaranto para combater câncer, cardiopatias, colesterol e o escambau a quatro. Comida não é remédio. A alimentação funcional é uma fraude.

Na sua versão mais perversa, é a fraude que vende biscoitos recheados e sucos de caixinha, açúcar e gordura “saudáveis” devido à adição de vitaminas e outras tranqueiras.

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