Cozinha Bruta https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau) Mon, 13 Dec 2021 21:07:14 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Feijoada com sabor de broxada https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/07/11/feijoada-com-sabor-de-broxada/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/07/11/feijoada-com-sabor-de-broxada/#respond Sat, 11 Jul 2020 05:00:24 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/feijoada.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=2319 Meu filho de 7 anos adora comida de avião.

Eu, na idade dele, ainda não havia viajado pelo ar. Sonhava poder traçar um macarrão a 36 mil pés de altitude.

Ainda caio, de vez em quando, no conto do avião. Poucos anos atrás, num voo da Singapore, fui fisgado por um menu de meia dúzia de coquetéis no serviço da classe econômica.

Pedi um singapore sling, em homenagem à bandeira da companhia e, óbvio, ele estava intragável. A fórmula original leva gim, licor de cereja e outras bebidas doces. Já deve ser enjoativa o bastante. O copo plástico que eu recebi da comissária continha algo parecido com Ki-Suco.

Também, o que eu esperava? Que houvesse um barman, cortando limões para a caipirinha, ao lado da cabine de comando? Aquele era o drinque possível, e o possível nem sempre é aceitável.

Serviço de bordo só tem um ponto positivo: a expectativa com a viagem. O misto-morno da Latam, para o meu Pedro, equivale a encontrar a avó em Vitória.

Analisada friamente, a experiência de comer dentro de um avião é um lixo. A refeição em si é pífia, mas o que pega mesmo é o canhestro da coisa. Falta de espaço para as pernas, para os braços e para os alimentos na bandeja; sachês e talheres plásticos e potinhos disso e daquilo e um marmitex com o prato principal; a tripulação passando com um carrinho de lixo para recolher tudo no final.

As refeições em bares e restaurantes tendem, na ressaca da pandemia da Covid-19, a ficar parecidas com o jantar de avião.

O rigor sanitário mata a espontaneidade de uma saída para comer ou tomar todas com os amigos.

Hoje, no almoço, teremos o primeiro teste paulistano em horário de pico. Como a prefeitura vetou a operação após as 17h, o que houve durante a semana foi a frequência utilitária de quem trabalha na rua.

Será uma estreia de gala, com a sagrada feijoada do sábado. A primeira feijoada na nova era.

Vila Madalena em furor. Talvez dê ruim, como deu no Leblon. Espero que não. Se tudo der certo, o almoço terá sabor de broxada, de frustração.

Para começar, há o medo. Não há como deixá-lo em casa.

No restaurante/bar, há de se lidar com: garçons paramentados como especialistas em desarmar bombas químicas, sal em sachê, pimenta em sachê, azeite em sachê, mesas interditadas ao redor, tira máscara para dar um gole, põe máscara de volta, tensão quando o garçom se aproxima demais, limpeza hospitalar quando cai um grão de arroz na mesa, uma força-tarefa para desempestear a mesa na sua saída. E o pavor de ir ao banheiro.

Um boteco tradicional do Rio instalou divisórias de acrílico no pequeno balcão, tornando-o parecido com aqueles parlatórios de presídio que a gente vê nos filmes gringos.

Vale a pena?

A tal da feijoada da nova era, a nova feijoada possível, me parece uma experiência mais desenxabida do que jantar numa poltrona de avião.

Porque é um avião que não nos leva a lugar algum.

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Saudade de beber no seu boteco favorito, né, minha filha? https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/04/15/coronavirus-pode-matar-tambem-o-seu-boteco-favorito/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/04/15/coronavirus-pode-matar-tambem-o-seu-boteco-favorito/#respond Wed, 15 Apr 2020 14:20:04 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/filial.jpeg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=2139 No curto, mas intenso período em que trabalhei e vivi no Rio, meio que virei um especialista em bares moribundos. Fiz uma reportagem sobre botequins tradicionais que perigavam fechar e outra sobre investidores que salvaram esses bares da extinção absoluta.

Nunca eu poderia imaginar que, um pouco mais tarde, todos os bares do Brasil estivessem à beira da extinção.

Inclusive o seu boteco favorito. Pense neste quadro: o seu bar preferido pode não existir mais quando a quarentena acabar.

Você não tem um bar predileto?

Azar seu.

Eu tenho vários, de épocas e lugares diferentes.

Quando estive no Rio, fui seduzido pelo Popeye, um cantinho de vagabundagem boêmia no meio da gourmetizada Ipanema. Além de atrair os Bukowskis de bermudas da zona sul, o boteco tem ótima trilha sonora, chope decente e uma cozinha surpreendentemente boa. A moela, o pastel de costela e o feijão amigo são meus xodós.

Melhor de tudo, o Popeye fica no quarteirão em que eu morava. Proximidade é uma qualidade essencial para um boteco.

Mas não indispensável. Lá mesmo no Rio, me apaixonei pelo Velho Adonis, na zona norte –possivelmente a melhor comida portuguesa do Brasil hoje em dia. E a memória afetiva me prende a dois bares clássicos do Leblon: o Bracarense e o Jobi.

Voltando para casa (São Paulo), já tive muitos bares favoritos.

Na época de faculdade, gostávamos de beber no boteco da faculdade de odontologia, do outro lado da rua da escola de comunicações. Em determinada época, frequentávamos um pé-sujo de quinta categoria na Aclimação. O lugar tinha um nome oficial, que a gente ignorava solenemente. Para nós, ali era o Tremoço –porque numa noite fria e regada a Kaiser bock, lá celebramos o aniversário de um amigo com uma vela fincada numa porção de tremoço.

Já paguei pau para o Bar do Alexandre, na praia em Jericoacoara –antes de a vila se transformar na Duna de Caras. Quando trabalhava presencialmente na Folha, bebia nos botecos dos arredores. Porque, se não tem tu, vai tu mesmo. O SoCra (South of Cracolândia) é um ambiente cruel.

De todos os bares em que eu bati ponto, acho que o mais marcante foi o Filial, na rua Fidalga, Vila Madalena.

Já empilhava bolachas de chope por lá antes da virada do milênio. Quando comecei a trabalhar na editora Abril, que ficava na Marginal Pinheiros, o bar estava no meio do caminho de casa. Escala obrigatória.

Bolinhos, chopes, PFs, caldinhos e quetais. O Filial foi uma, hum, sucursal da minha casa entre 2000 e, sei lá, 2008. Nunca deixei tanto dinheiro em nenhum outro bar.

Era onde os jornalistas se encontravam depois do trabalho. Ficávamos até o bar fechar, torrando a paciência do garçom Ailton até que ele liberasse uma rodada de saideiras.

E, aos sábados, uma feijoada espetacular.

Parei de frequentar o Filial porque parei de frequentar a Vila Madalena. Aquele pedaço de São Paulo ficou inviável. Insuportável.

Corta para a segunda década do século 21. Numa festinha infantil, descubro que Ronen, pai de um colega do meu filho Pedro, é dono do Filial. Ainda assim, não volto ao bar. O mais próximo que cheguei disso foi uma reunião das famílias da escola no Genésio, do outro lado da rua, depois da apresentação de fim de ano das crianças.

No meio do isolamento forçado pela pandemia, o Filial se lembrou de mim. Ganhei uma feijoada para dois –dois dias de comilança desenfreada e solitária. O gosto continua exatamente igual, e a memória de dias mais felizes fez daquela feijoada a iguaria das iguarias.

Isto aqui não é uma propaganda do bar Filial, embora pareça. Isto é um lembrete para procurarmos nossos botecos favoritos depois que essa desgraça acabar. Se eles ainda estiverem lá. Para ajudá-los nessa travessia, compre deles para comer em casa sempre que a saudade bater.

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A última feijoada https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/04/07/a-ultima-feijoada/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/04/07/a-ultima-feijoada/#respond Wed, 08 Apr 2020 00:09:58 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/feijoada.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=2129 Alguns sábados atrás, acordei e recebi a notícia de que o governador decretara quarentena para a terça-feira seguinte. Já recluso havia alguns dias, resolvi tocar o f*-se. Desci para comer uma feijoada no boteco que fica exatamente embaixo do meu prédio. Talvez fosse a última feijoada da minha vida.

Era cedo, e a única mesa ocupada tinha quatro belgas, suíços, sei lá, gente cor-de-rosa que falava francês com um sotaque engraçado. Ou talvez seja eu o burro incapaz de reconhecer o sotaque de um francês.

O bar fica numa esquina e é aberto para os dois lados que dão para a rua. Bem ventilado. Sentei-me numa mesa ao ar livre, sobre um tablado com grama sintética que o dono instalou para compensar o suave declive do terreno. Bem longe dos gringos.

Era a primeira vez que eu punha a cara para fora em vários dias.

“Cardápio, senhor?” Respondi que não, iria comer a feijoada, mas queria beber cerveja antes de fazer o pedido. “Deixa que eu mesmo abro a garrafa, tá?”. Tenho um chaveiro-abridor que já me socorreu em muitos apuros.

A moça veio com a cerveja. Segurava a garrafa pelo topo do gargalo, com a mão em contato com a tampinha. Coroooooonga! “Obrigado”, disse para a gentil funcionária (eles fazem assim porque, se pegarem uma garrafa muito fria pelo corpo, a cerveja pode congelar). Passei álcool em gel na garrafa, abri, servi, bebi.

Chegou uma família. Três pessoas e três gerações, presumo. A matriarca idosa, o filho de meia-idade e o neto jovem. Com o bar inteiro vazio, eles resolveram ocupar a mesa exatamente atrás de mim. Os estrangeiros pagaram e foram embora.

A senhorinha, grupo de risco, exalava um perfume doce e intenso. O vento soprava na minha direção. Precisei mudar de mesa.

Fui para o salão, numa mesa junto ao canteiro que dá para a rua. Na TV, uma longa e insuportável coletiva do governador. A mesa familiar recebeu duas feijoadas individuais para dividir em três. Uma cumbuquinha pequena, triste de feijão. Duas, a bem da verdade.

Terminei de beber e fui encerrar a conta. Não queria nem pensar que aquela poderia ser, por alguma zica do destino, a última feijoada da minha vida.

Prefiro ficar com a lembrança da feijoada que compartilhei, alguns dias, antes, com amigos. Espero que não tenha sido a última. Ops, penúltima: na loucura da quarentena, cometi a insanidade de comer uma feijoada pronta dessas de supermercado. E estava boa.

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Volta pelo Brasil em 80 restaurantes e bares de São Paulo https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/01/23/volta-pelo-brasil-em-80-restaurantes-e-bares-de-sao-paulo/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/01/23/volta-pelo-brasil-em-80-restaurantes-e-bares-de-sao-paulo/#respond Thu, 23 Jan 2020 14:33:01 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/banzeiro-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1985 No aniversário da cidade, resolvi fazer um pequeno roteiro para moradores e visitantes conhecerem a rica cena da cozinha brasileira em São Paulo –que, apesar dos pesares, tem a melhor gastronomia do país. Aproveite!

 

Pratos que definem a alma paulistana

 

  1. O filé com alho frito do Moraes.
  2. A pizza frita do Bruno.
  3. O polpetone do Jardim de Napoli.
  4. O filé alpino da Caverna Bugre.
  5. O bife à parmegiana do Degas.
  6. O virado à paulista do Salada Record.

 

Um resumo da culinária clássica de São Paulo, com muito capricho

 

  1. Bar da Dona Onça.

 

Praça de alimentação com tudo o que vem do Nordeste

 

  1. Centro de Tradições Nordestinas.

 

Petiscos, beliscos e sandubas clássicos

 

  1. A coxinha do Frangó.
  2. Os bolinhos de carne da dona Idalina, do Bar do Luiz Fernandes.
  3. Os acepipes do Elídio.
  4. A batata na serragem (envolta em farofa de alho) do Valadares.
  5. O sanduíche de pernil do Estadão.
  6. A empada da Casa Godinho.
  7. O pastel da Yokoyama.
  8. O sanduba de mortadela na chapa da Casa da Mortadela
  9. O canapé do Bar Léo.
  10. O pão de queijo do couvert do Rubaiyat.
  11. O peixe frito do Bar do Luiz Nozoie.
  12. O bolinho de arroz do Ritz.

 

Um empório da roça na Vila Madalena

 

  1. Lá da Venda.

 

Porco total à moda caipira

 

  1. Casa do Porco.

 

Feijoada todo dia, sim senhor

 

  1. Star City.
  2. Bar do Biu.
  3. Bolinha.

 

Comida dos imigrantes na Mooca profunda, meô!

 

  1. Hospedaria.
  2. Di Cunto.

 

O Amazonas é aqui, com direito a formiga na comida

 

  1. Banzeiro.

 

Banquete sertanejo para comer até morrer

 

  1. Galinhada do Bahia.

 

Para entender a tradição da pizza paulistana

 

  1. Castelões.
  2. Speranza.
  3. São Pedro.
  4. Bráz.

 

Comida mineira e cachacinha… só falta a rede para dormir depois

 

  1. Consulado Mineiro.

 

O curioso cruzamento entre as cozinhas japonesa e paraense

 

  1. Lamen Açu.

 

 

Bufê caprichadão em pontos turísticos de SP

 

  1. Santinho (Museu da Casa Brasileira, Instituto Tomie Ohtake e Theatro Municipal).

 

Uma casa do sertão do Seridó, no Rio Grande do Norte

 

  1. Jesuíno Brilhante.

 

O lugar que tornou a cozinha do Nordeste mundialmente famosa

 

  1. Mocotó.

 

Bahia que não me sai do pensamento 

 

  1. Sotero.
  2. Tabuleiro do Acarajé.

 

Galeto, vingrete, farofa e polenta como antigamente

 

  1. Brazeiro.

 

O improvável combo: frango à passarinho + pizza de massa fina

 

  1. Camelo.
  2. Monte Verde.

 

Clássicos de todo o Brasil com pompa e circunstância

 

  1. Tordesilhas.
  2. Dalva e Dito.

 

(Intervalo para o recado do nosso patrocinador. Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais.  Acompanhe os posts do Instagram, do Facebook  e do Twitter.)

 

Onde a velha guarda das cantinas paulistanas sobrevive

 

  1. Gigio.
  2. Roperto.

 

O Piauí muito bem representado

 

  1. Fitó.

 

Mega-padoca 24 horas, essa coisa tão paulistana

 

  1. Bella Paulista.
  2. Galeria dos Pães.

 

Hambúrguer old school de São Paulo, onde o chapeiro é majestade

 

  1. Seu Oswaldo.
  2. Achapa.
  3. Burdog.
  4. Oregon.
  5. Hobby.

 

Compêndio da culinária sulista, com pratos do Paraná, Santa Catarina e rio Grande

 

  1. Quintana.

 

Vale do Jequitinhonha, onde a Bahia encontra Minas Gerais

 

  1. A Baianeira.

 

Churrasco tão gaúcho que é quase argentino (ou uruguaio?).

 

  1. Leôncio.
  2. El Pampero.

 

Chapada Diamantina sem gastar a sola da bota

 

  1. Casa de Ieda.

 

A inusitada culinária nipo-sul-matogrossense

 

  1. Sobaria.

 

A farta mesa dos colonos italianos da Serra Gaúcha

 

  1. Galeto di Paolo.

 

Cardápio pan-brasileiro com criatividade

 

  1. Jiquitaia.
  2. Balaio IMS.
  3. Arimbá.
  4. Mandioca Cozinha.
  5. Vista.
  6. Micaela.

 

Pizza de balcão é SP na veia

 

  1. Real.
  2. Palmeiras.

 

Carne na brasa sem frescura e sem miséria

 

  1. Sujinho.
  2. Esquina Grill do Fuad.

 

Um posto avançado do Rio no lado oposto da via Dutra

 

  1. Pirajá.

 

Ceará, camarão e ar-condicionado

 

  1. Coco Bambu.

 

Se você não vai ao Pará, o Pará vem até você

 

  1. Amazônia.
  2. Amazônico.

 

Tradição cantineira renovada e o melhor pão italiano

 

  1. Basilicata.

 

Enfim… aqueles que não poderiam faltar

 

  1. O bauru do Ponto Chic.
  2. O sanduíche de mortadela do Bar do Mané.
  3. O pastel de bacalhau do Hocca Bar.
  4. Bar Brahma.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Bolsonaro, o presidente-miojo, faz apologia do tosco https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/10/26/bolsonaro-o-presidente-miojo-faz-apologia-do-tosco/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/10/26/bolsonaro-o-presidente-miojo-faz-apologia-do-tosco/#respond Sat, 26 Oct 2019 05:00:40 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/miojo-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1809  

Estamos em 2022. Para comemorar o segundo centenário da independência do Brasil, o governo oferece um banquete aos mais poderosos chefes de estado do mundo.

No cardápio: lagosta da costa nordestina, pirarucu amazônico, feijoada completa, churrasco com as melhores carnes dos pastos gaúchos, arroz de pequi goiano, toneladas de frutas tropicais.

Um dos convidados –digamos, o presidente da França– mal toca a comida. Um pouco mais tarde, no hotel, ele publica em suas redes sociais uma foto em que aparece se fartando com queijo fundido (aquele da vaca que ri). O mandatário, que acha meio selvagem comer orelha de porco com feijão, trouxe vários quilos do petisco na bagagem –apesar de haver exatamente o mesmo produto à venda nos mercados daqui.

Do jeito que o brasileiro é ofendidinho –subiu nas tamancas quando o Jamie Oliver detonou o brigadeiro–, seria uma desfeita imperdoável.

Em Tóquio, Bolsonaro esnobou o banquete da entronização do imperador Naruhito. Ele, que já havia recorrido ao hambúrguer porque “não gosta de peixe cru”, certamente não tem ideia de que seja washoku –a culinária mais tradicional do Japão.

Provavelmente ele sabe –e desdenha– que ser convidado para o banquete imperial é uma honraria e uma oportunidade. Jair das Medalhas fingiu ignorar que o cerimonial japonês preparou filé mignon e outros pratos para evitar o constrangimento de quem tem alguma limitação dietética.

Foi para o hotel entreter sua plateia tosca com um showzinho tosco: posou para uma foto segurando um pacote de macarrão instantâneo brasileiro –os mercados de Tóquio têm gôndolas inteiras desse produto, mas é claro que Jair não quer saber disso. Só faltou fazer aquela antiga piada racista: “Sabe por que restaurante japonês fecha cedo? Para dar tempo de jantar depois.”

O episódio do miojo só não teve repercussão internacional porque: 1) Os japoneses são polidos demais para fazer esse tipo de barraco e; 2) O Japão e os outros países ricos estão se lixando para o Brasil, em especial nesta (indi)gestão.

“A pessoa come o que bem entender”, argumentam defensores do presidente. Não é bem assim. Eu, por exemplo, não posso comer só o que eu quero –afinal, trabalho com comida. Um chefe de estado deve saber como se comportar numa viagem oficial. Não zombar do anfitrião é a regra zero da diplomacia.

Bolsonaro faz apologia do tosco e sente prazer com isso. Ele representa tudo o que o Brasil tem de malfeito, precário e tacanho: o pão com leite condensado, o chinelão na reunião ministerial, a placa “buracos na pista nos próximos 17 km”, os cartórios, os puxadinhos de 5 andares nas favelas controladas pelas milícias do Rio.

O miojo é uma imitação barata e sofrível do lámen. Bolsonaro é o presidente-miojo: um simulacro tosco de chefe de estado.

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Só o pão de queijo pode unir o Brasil https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/10/16/so-o-pao-de-queijo-pode-unir-o-brasil/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/10/16/so-o-pao-de-queijo-pode-unir-o-brasil/#respond Wed, 16 Oct 2019 09:00:48 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/pdq-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1779 Semana passada, numa conversa com um chef topzerérrimo, tivemos a seguinte discussão: por que a cozinha brasileira não emplaca no exterior?

O chef apresentou um argumento interessante: o Brasil não possui um prato nacional, um ícone, um símbolo, um objeto de trabalho para os marqueteiros.

O tal prato deve preencher uma série de requisitos:

  1. Ser encontrado facilmente em qualquer parte do país;
  2. Ter tipicidade, algo que o diferencie de similares feitos em outros países;
  3. Ser replicável em outros países;
  4. Por último, mas não menos importante: agradar ao paladar estrangeiro.

O Peru fez um golaço com a promoção do ceviche. É uma preparação muito simples –não precisa nem de cozimento– e de fácil adaptação. Com um bom peixe, suco de limão, cebola e coentro, você tem ceviche. Não interessa que toda a costa pacífica da América Latina tenha o ceviche: o Peru fincou sua bandeira antes dos outros.

Os Estados Unidos têm o hambúrguer, que satisfaz perfeitamente todos os requisitos (se me disserem que ele foi inventado na Alemanha, eu respondo com um bocejo).

Portugal e o bacalhau (em suas múltiplas receitas) são tão conectados que os órgãos turísticos do país se esforçam para dizer ao mundo que há outras comidas por lá.

Sushi no Japão. A Itália tem um punhado: pizza, espaguete, lasanha. A França, então, nem precisa de UM prato nacional: ela representa a compilação e a ordenação das técnicas culinárias, permeando tudo o que é feito nas cozinhas profissionais hoje em dia.

E o Brasil? A gente não peca pela qualidade da comida típica nem pela falta de tipicidade, mas falta algo que una o país todo.

 

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Vamos aos postulantes:

 

Churrasco

É o que mais faz sucesso lá fora, porém sua expansão internacional encontra alguns obstáculos. Churrasco, ou carne na brasa, é uma modalidade de comida universal. Os argentinos estão numa briga feroz conosco pela hegemonia do churrasco na América do Sul. A excelência do churrasco brasileiro está relacionada ao Rio Grande do Sul, um pedaço de terra insignificante em relação ao país todo (assim como SP ou RJ). E o churrasco brasileiro é mais famoso pelo método de serviço –o rodízio “comer até morrer”– do que pela comida em si.

 

Brigadeiro

Falemos sério. Próximo.

 

Feijoada

É, de alguma forma, nosso prato nacional. O Brasil todo come e gosta, com poucas variações nas receitas regionais. Mas é muito difícil de reproduzir no exterior, por causa dos embutidos e da farinha de mandioca. E não cai no gosto de todos os estrangeiros –a aparência e a presença de pé, rabo e orelha de porco contribuem para um alto índice de rejeição.

 

Arroz com feijão

Ao contrário da prima feijoada, tem aceitação universal. O Brasil todo faz e come. Só que não chega a constituir um prato. É, menos do que isso, um acompanhamento. Assim como a farofa, por sinal.

 

Moqueca

Os gringos a adoram, mas sua presença é restrita ao litoral e áreas banhadas por grandes rios. No interior interno profundo, peixe é luxo. Além disso, o preparo da moqueca –tanto a baiana quanto a capixaba e as outras versões– exige panelas próprias de barro.

 

Sobra pouca coisa. O resto é culinária regional.

O pão de queijo, entretanto, poderia ser elevado à categoria de prato de exportação.

É adorado no Brasil inteiro. Faz tempo que deixou de ser uma curiosidade regional mineira.

Todo mundo adora.

As adaptações de amido e tipos de queijo permitem a reprodução da receita sem grandes perdas. Além disso, misturas prontas (prefiro adaptar) já têm alcance global.

Falta dar um impulso na tipicidade e no sex-appeal do pão de queijo. Quase toda a América do Sul faz pães de amido de mandioca.

Minha proposta é avançar na trilha que já está sendo explorada por gente como a Manuelle Ferraz, da Baianeira, e Talita Barros, do Conceição Discos. Usar o pão de queijo como base para sanduíches de caráter 100% brasileiros.

Os colombianos fizeram isso com as arepas.

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Bacon não é amor, bacon não é vida: bacon é morte https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/08/31/bacon-nao-e-amor-bacon-nao-e-vida-bacon-e-morte/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/08/31/bacon-nao-e-amor-bacon-nao-e-vida-bacon-e-morte/#respond Sat, 31 Aug 2019 05:00:32 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/pig-1985380_1920-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1687 Hoje é o dia do bacon, veja só. Bacon é amor, bacon é vida, bacon é tudo de bom. Tudo fica melhor com bacon. Se pans, a energia positiva do bacon pode levar a paz ao Oriente Médio –é só convencer judeus e muçulmanos a abdicar de seus tabus alimentares.

Conversa fiada.

Bacon é morte, minha gente. É um naco gordo de um porco defunto, que foi cozido, salgado e defumado. No caso do bacon que compramos no supermercado, tem também uns aditivos químicos para acelerar a nossa própria morte.

Longe de mim fazer pregação vegetariana. Eu como bacon. Não vou dizer que amo bacon, porque isso soa cretino além da conta. Dizer que gosto está de bom tamanho.

O motivo da minha provocação é expor o discurso imbecilizante aceito pela maioria das pessoas.

Quando você “fofuriza” o bacon, você desloca a percepção para longe do objeto real –um pedaço de porco morto. Você transforma a carne de um animal abatido numa invenção do gênio humano.

É tudo o querem os grandões donos da grana: que você torre seu rico dinheirinho sem refletir demais. Muita gente não entende que bacon, linguiça e presunto são feitos de carne. “É só o tempero do feijão”, responde o garçom ao cliente vegetariano.

A ignorância é a maior praga da atualidade. Superá-la, no caso da gastronomia, exige rastrear o ingrediente do produtor até o prato. Dá um baita trabalho, sai caro e pode ferir certas sensibilidades.

Anos atrás, eu enfiei na cabeça que deveria visitar um matadouro de bois. Cheguei ao amanhecer no frigorífico, vesti meu macacão de “Breaking Bad” –branco, em vez de amarelo– e acompanhei o primeiro boi da fila do abate.

Pouco antes de levar um tiro de ar comprimido na cabeça, o bichão percebeu a encrenca e tentou retroceder, mas a comporta já estava fechada. Ele então foi sangrado, eviscerado e transportado de ponta-cabeça, pendurado num trilho. A cada parada, um grupo de funcionários fazia cortes precisos na carcaça; por fim, uma engenhoca cheia de correntes arrancou o couro do boi, inteiro, de uma vez só.

Não é uma cena bonita de se ver. O cheiro de morte vai aumentando na medida em que o sol fica mais forte; há poças de sangue; alguns retalhos de carne, de tão frescos, ainda tremem e saltitam. Os trabalhadores, ensanguentados e portando facões, conversam como se estivessem à toa no boteco.

Se fosse para eu virar vegetariano, aquela era a minha deixa.

Mas não. Continuo a comer carne, embora eu reconheça as consequências ambientais dessa minha decisão –isso é assunto para outro texto.

O que não dá é para se aconchegar na ignorância. Celebrar o bacon como uma sacada sagaz do marketing é exatamente isso: ignorância. O porco não morreu para ser tratado de forma tão leviana.

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Feijoada para o pai defunto https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/08/10/feijoada-para-o-pai-defunto/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/08/10/feijoada-para-o-pai-defunto/#respond Sat, 10 Aug 2019 05:00:22 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/pai-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1648  

Meu pai não cozinhava. Em parte, porque minha mãe não o deixava se aproximar da cozinha.

Em uma de suas poucas aventuras no fogão, o velho quis fazer molho de morangos para o macarrão. Lógica elementar: tomates são vermelhos, morangos também, logo morangos podem substituir tomates no molho. Minha mãe tinha razão.

O negócio do meu pai era comer.

Ele comprava quilos e mais quilos de queijo parmesão. O estoque declinava em velocidade assombrosa, graças aos saques diuturnos e incessantes à geladeira.

Com seu humor peculiar, o pai mastigava dois ou três nacos de queijo fedorento e vinha bafejar no nariz dos filhos. Eu, surpreendentemente, sobrevivi à provação e ainda gosto de queijo. Não posso falar pelas minhas irmãs.

Mas nem só de brincadeiras de mau gosto vivia meu pai. Aliás, me esqueci de apresentá-lo.

Ele se chamava Earle, nome inglês bastante incomum no Brasil. Morria de vergonha do próprio nome –ainda mais porque seus irmãos eram o Paulo e o Luís. Meu avô João pirou num livro gringo qualquer e batizou o filho com o nome do autor. No campo da literatura, tinha também a tia Ceci.

Quando lhe perguntavam o nome, o Earle respondia “Nogueira”. Então vou chamá-lo assim daqui por diante. Não porque eu tivesse vergonha do nome do meu pai. Bem… eu tinha. Quando era criança. Hoje sinto vergonha dessa vergonha.

O Nogueira atravessava a cidade por um bom pão. Não viveu para ver a multiplicação das padarias hipsters de fermentação natural.

O Nogueira adorava pizza. Todos os fins-de-semana, me levava a um canto diferente para conhecer a pizzaria X ou Y, sobre a qual havia lido no jornal. A brincadeira acabou quando eu fiquei adolescente e troquei a companhia do pai por amigos e cachaça.

O Nogueira era engenheiro. Trabalhava numa metalúrgica em Santo Amaro, tinha colegas alemães. Apesar de morarmos no Cambuci, o playground do meu pai estava na zona sul profunda, entre os chacareiros germânicos.

As aventuras esporádicas da família Nogueira consistiam em viajar à orla da represa para encarar um chucrute. Eu, já um tanto besta, pedia marreco assado.

O Nogueira, antes de ficar irremediavelmente velho, era capaz de viajar a Campinas, Santos ou Itu só para almoçar. Eu ia ao lado da minha mãe, no banco dianteiro inteiriço do Opalão branco. Sem cinto, é evidente.

O Nogueira era louco por feijoada. Dona Ana (vulgo minha mãe) se esmerava na receita. Uma belíssima feijoada. Só no ano passado fui descobrir que ela mesma nunca deu bola para feijão preto com linguiça.

Eu também amo feijoada, herdei isso de meu pai.

A orelha de porco já está de molho. Se tudo tiver dado certo, estou de posse de lindos feijões orgânicos da feira do Parque da Água Branca.

Amanhã vou cozinhar uma feijoada em homenagem a Earle Ferraz Nogueira, que me deixou há três anos.

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O porco venceu o preconceito no país da feijoada https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/06/29/o-porco-venceu-o-preconceito-no-pais-da-feijoada/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/06/29/o-porco-venceu-o-preconceito-no-pais-da-feijoada/#respond Sat, 29 Jun 2019 05:00:47 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/06/feijulove-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1562 Porco = malfeito, imundo, mau-caráter, obsceno. Está assim nos dicionários.

Muitos anos atrás, eu apurava uma reportagem sobre o porco (o animal) para uma revista de interesse geral. O texto abordava a inteligência do Sus scrofa e sua relação com a espécie humana –o que inclui, é lógico, nossa tara por bistecas, linguiças, costelinhas, presuntos e bacon.

Um dos entrevistados era representante de uma associação de criadores. O indivíduo passou a conversa toda tentando me convencer a não usar a palavra “porco” na revista. A denominação “suíno” era mais palatável, argumentava o fazendeiro.

Não atendi ao apelo do cidadão. Por acaso alguém come coxinha de galináceo? Ou faz aquele belo molho de solanácea com bovino triturado para acompanhar o macarrão?

O preconceito contra o porco é tão grande que se entranha mesmo naqueles que vivem de criar porcos.

Por isso, a inclusão da Casa do Porco em uma lista de 50 melhores restaurantes do mundo tem importância histórica.

Listas são como certas partes da anatomia humana –cada um tem a sua–, mas a “50 Best Restaurants” se destaca pela gigantesca repercussão no meio gastronômico e além dele.

Se já era difícil conseguir uma mesa na Casa do Porco, agora será impossível. O mundo ficou sabendo das peripécias porcinas de Jefferson e Janaína Rueda.

O que eles fizeram é monumental. Meteram o porco no nome do restaurante, desafiando a sensatez comercial. Atraíram multidões ao emporcalhado (ops!) centro de São Paulo com ceviche de porco, sushi de porco, tartar de porco.

A casa dos Rueda é, salvo engano, o primeiro restaurante especializado em carne de porco a figurar na lista dos topzeras internacionais. Não é uma proeza?

A repulsa ao porco não é exclusividade brasileira. O judaísmo e o islamismo privam os fiéis de delícias como o torresmo e a mortadela. O ocidente cristão situa o porco em algum ponto entre o êxtase e a impureza. Bem compreensível.

O caso brasileiro é bastante peculiar. A feijoada, prato de exportação e símbolo da cultura brasuca, leva quase tudo do porco. Couro, lombo, pé, orelha, rabo, focinho, toucinho, paio, linguiça. Um chiqueiro borbulhante que harmoniza com batida de limão.

Ainda assim, tentamos esquecer que a calabresa um dia foi porco. A condição suína do suíno é mascarada pelo mercado para não melindrar o consumidor.

Isso, afortunadamente, está mudando no Brasil e no mundo. A palavra “porco” já tem aparecido desavergonhada em embalagens. Já há quem ouse comer carne de porco malpassada –algo inimaginável há pouco tempo. Até  Palmeiras incorporou o apelido pejorativo que os rivais o impingiram.

Na terra da feijoada, o porco construiu a sua casa. E ela não é de palha.

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Gastronomia brasileira virou brinquedo de garotos com grana https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/04/09/gastronomia-brasileira-virou-brinquedo-de-garotos-com-grana/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/04/09/gastronomia-brasileira-virou-brinquedo-de-garotos-com-grana/#respond Tue, 09 Apr 2019 14:11:48 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/feijoada-320x213.jpeg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1383 Causou alvoroço na comunidade de chefs a notícia da abertura de um restaurante da paranaense Manu Buffara em Nova York. A paranaense vai tocar uma casa de nome Ella Brasileira, que será montada no Chelsea por dois empresários norte-americanos.

Desejo toda a sorte do mundo para Manu, que é uma baita chef. A casa tem enormes chances de dar certo.

Só precisamos colocar as coisas em suas respectivas caixinhas. A conquista de Nova York é um feito individual de Manu. O reconhecimento internacional do talento da chef. Não prenuncia nenhuma tendência. Não significa que a cozinha brasileira vai, finalmente, faturar o público estrangeiro.

Isso não deve acontecer tão cedo por causa de características estruturais da gastronomia brasileira –que reflete a organização canhestra da nossa sociedade.

Não é a comida em si. O repertório alimentar brasileiro não figura entre os mais originais do mundo. A tríade mandioca-milho-feijão está presente em quase todas as culinárias latino-americanas. O trunfo do Brasil é a sua extensão territorial. Isso nos propicia, por mera loteria estatística, a existência de bolsões como o Recôncavo Baiano e a Amazônia oriental, onde a culinária apresenta combinações únicas no mundo.

O que emperra a exportação da comida brasileira é o perfil dos nossos profissionais de cozinha.

Valorizamos o chef e desdenhamos o cozinheiro. Para ser chef, no Brasil, tornou-se quase compulsório o diploma de uma faculdade de gastronomia. Essas escolas estão entre os cursos profissionalizantes mais caros do mercado. Só a garotada da classe média para cima tem cacife para se formar. Esse pessoal está em seu direito. Muitos fazem um ótimo trabalho. Mas falta variedade, falta diversidade.

A dinâmica das cozinhas mudou. Não há mais mobilidade. Os trabalhadores braçais, sem perspectiva, assistem sem muito entusiasmo ao rodízio de playboys no comando da tropa.

E a comida que os chefs graduados executam não é exatamente o basicão brasileiro. É uma releitura da nossa culinária cotidiana. Quanto mais sofisticada for a cozinha, mais próxima de um padrão internacional ela se encontra. Vale para qualquer culinária.

A empreitada de Manu Buffara em Nova York significa muito pouco para a gastronomia brasileira porque a clientela gringa vai seguir sem conhecer o trivial.

A oferta de comida brasileira nos EUA e na Europa é, para dizer o mínimo, tosca. Os restaurantes são pontos de encontro da comunidade, sem grandes preocupações com o público local. Para vender à gringaiada, churrasco.

E o gap socioeconômico brasileiro viaja de carona com os imigrantes. Quem abre um restaurante é quem vê oportunidade de negócio, não alguém com talento particular para a coisa. O conhecimento fica retido em solo pátrio: quem tem grana pensa duas mil vezes antes de se atirar numa aventura no exterior.

Mesmo em São Paulo é difícil encontrar restaurantes de comida brasileira com excelência na execução do cardápio tradicional. De cabeça, eu só consigo me lembrar de quatro: Bar da Dona Onça, Tordesilhas, Mocotó e Jiquitaia.

Nossa cozinha só vai decolar no mercado externo quando a gastronomia deixar de ser capricho de garoto rico.

 

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