Cozinha Bruta https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau) Mon, 13 Dec 2021 21:07:14 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A Cozinha Bruta não mora mais aqui https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/12/13/a-cozinha-bruta-nao-mora-mais-aqui/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/12/13/a-cozinha-bruta-nao-mora-mais-aqui/#respond Mon, 13 Dec 2021 21:07:14 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3477 Se você está procurando o blog Cozinha Bruta, clique aqui.

O blog mudou de endereço porque adotou um novo publicador que permite muito mais recursos de edição de texto e imagens. O endereço é este: folha.com/cozinhabruta.

Os textos de novembro de 2017 a novembro de 2021 continuarão disponíveis neste endereço.

Desculpe o transtorno e muito obrigado!

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‘Oscar’ dos restaurantes não deve ser levado a sério demais https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/23/oscar-dos-restaurantes-nao-deve-ser-levado-a-serio-demais/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/11/23/oscar-dos-restaurantes-nao-deve-ser-levado-a-serio-demais/#respond Tue, 23 Nov 2021 13:57:54 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/50best-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3456 Clichê quase inevitável, leio que a premiação que elege os melhores restaurantes do mundo (ou da América Latina, na cerimônia mais recente) é o “Oscar” da gastronomia.

Corretíssimo, como quase todo clichê: assim como o Oscar para o cinema, o ranking de restaurantes tem zero objetividade, reflete as impressões de um punhado de jurados. É a chancela de gente gabaritada (e com seus vieses particulares) para ótimas cozinhas, não é ciência.

É, sobretudo, uma festa. Uma celebração para os vencedores. O ranking não deve ser levado a sério demais.

Não me entenda mal. Assim como quase todo mundo, eu também sou viciado em listas. O cérebro humano não aceita o caos da natureza, busca catalogar e hierarquizar absolutamente tudo. Guias e rankings são muito úteis para explorar as coisas sem se deixar levar pela aleatoriedade total.

Mas estão longe de ser verdade absoluta talhada na pedra.

Na premiação deste ano dos 50 Best, uma reviravolta nas regras deixou as coisas bem estranhas.

Enquanto o ranking global segue o curso normal de arrolar os eleitos dos últimos 12 meses, a filial latino-americana decidiu conceder os prêmios pela média das notas desde 2013, quando a região ganhou lista própria.

Assim, o melhor restaurante do Brasil é tanto A Casa do Porco (no ranking mundial) quanto o D.O.M. (no regional). Sem contar o fato de que a honraria foi dada a dois estabelecimentos brasileiros que estiveram fechados em 2021, o Tuju e o Corrutela.

Como se fosse outro universo, mas não. É o mesmo prêmio, fatiado em recortes regionais. A mudança nos critérios foi uma decisão 100% editorial, para embaralhar os contemplados e não deixar a lista repetitiva, maçante e previsível no decorrer dos anos. Nada a ver com a qualidade da comida dos restaurantes catalogados.

Algo diferente, mas com a mesma finalidade, aconteceu na versão global do prêmio: os vencedores da 1ª posição passaram a ser hors-concours, são excluídos das competições seguintes. Assim, há um campeão diferente a casa ano (e um mínimo de emoção também).

Por essas e outras, não tome por absoluta nenhuma lista. Nem os 50 restaurantes nem os vinhos favoritos do Robert Parker ou da Jancis Robinson, muito menos os 101 pratos que você precisa comer antes de morrer.

Não existe o melhor do mundo em nada. Essa noção traz insegurança porque nos devolve à escuridão, mas também traz algum alento. Afinal, pouquíssimos entre poucos são escolhidos os melhores dos bons –e quase nunca os eleitos somos nós.

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O Brasil da margarina, do macarrão mole e do café queimado https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/10/29/o-brasil-da-margarina-do-macarrao-mole-e-do-cafe-queimado/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/10/29/o-brasil-da-margarina-do-macarrao-mole-e-do-cafe-queimado/#respond Sat, 30 Oct 2021 02:15:44 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/butter-1920670_1280-320x213.png https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3408 Tenho colossal preguiça de prêmios publicitários e pesquisas encomendadas para bajular anunciantes, como a Top of Mind –feita pelo Datafolha e divulgada pela Folha na quinta-feira (28). O que eu ganho ao conhecer a marca de papel higiênico que conquista corações e bundas dos brasileiros médios?

Mas preciso confessar que, mesmo sem ganhar patavina, não resisto a olhar as marcas mais lembradas na categoria Top Alimentação. A pesquisa escancara o que há nas despensas de um Brasil que nós, profissionais e diletantes da gastronomia, fingimos não ver.

Entre o Brasil do pão de fermentação natural e o Brasil que revira o lixo para comer, há um gigantesco universo de pessoas que consomem margarina, macarrão mole e café queimado.

Compra-se tanta margarina que a Top of Mind reserva uma subcategoria só para ela.

A ciência já demoliu o mito da margarina saudável, embora ainda insistam nele como ardil marqueteiro. Na gastronomia, a margarina sempre foi abominada.

A indústria, que bem sabe desse asco, o que faz? Usa o poder de per$ua$ão para convencer um chef francês respeitado e famoso a ser garoto-propaganda de margarina. O povo que vê TV cai feito um patinho.

Não é só uma questão de grana. Tá assim de bacana que come margarina, salgadinho sabor chulé e gelatina verde-fukushima.

No outro lado, o universo da gastronomia é um recorte social que vai além da classe. Há os ricos entediados, os alpinistas sociais, os hipsters presunçosos, os influencers deslumbrados, os trabalhadores estudiosos. E há os jornalistas, que também podem se encaixar nas definições anteriores.

Nós, jornalistas, somos iludidos pelo teatrinho da relação repórter-fonte. Recebemos convites e ganhamos brindes. Circulamos sem pagar pela vida dos ricos e acabamos pensando que aquela é a nossa vida.

Isso se reflete nos hábitos de consumo, que obviamente são pagos. Esquecemos que o Brasil real ainda janta macarrão mole.

Como mostra a pesquisa Top of Mind, todas as oito marcas de macarrão citadas espontaneamente são nacionais, feitas com farinha comum, que se desmancham se cozidas um tico além do ponto.

No Brasil gourmet, o macarrão mole acabou em 1990, quando Collor liberou as importações. O macarrão italiano de trigo duro chegou para ficar, e jamais se ouviu falar novamente em massa com ovos industrial.

Processo semelhante está em curso com o café queimado e amargo, uma instituição nacional desde o século 19 e rejeitada pela tchurminha gastrô.

Saltamos das cápsulas suíças para o café de terroir, com torra média, moído em casa e coado num filtro japonês que custa o dobro do quilo da marca de pó mais lembrada na Top of Mind.

Nossos patrícios gostam de café preto-petróleo, feito de grãos defeituosos, torrados nas chamas do inferno até carbonizar e, se vacilar, misturado com açúcar antes de ser coado e servido no copo americano num boteco pé-sujo.

Esse é o Brasil, e quem não concorda que vá para Portland ou Copenhague.

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Na TV, Cozinha Bruta visita a pizzaria mais antiga da América Latina https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/09/02/na-tv-cozinha-bruta-visita-a-pizzaria-mais-antiga-da-america-latina/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/09/02/na-tv-cozinha-bruta-visita-a-pizzaria-mais-antiga-da-america-latina/#respond Thu, 02 Sep 2021 09:00:45 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/casteloesjoinhablog-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3321 Fabio Donato, dono da pizzaria Castelões, me recebeu de avental e sem camisa por baixo quando apareci para gravar lá. Isso a TV não mostra. Ainda bem, porque se a TV mostrasse tudo o que rola nas gravações, seria muito chata.

A Castelões, no Brás, é o cenário do segundo episódio do programa “Cozinha Bruta”, exibido às 20h30 de hoje (02/09) no canal pago Sabor & Arte (561 na Net/Claro e 617 na Vivo).

Fabio não usava camisa por causa do calor na boca do forno a lenha –o mais antigo das pizzarias da cidade, em funcionamento há pelo menos um século. A Castelões nasceu como sede do time de futebol homônimo, que jogava bola na várzea do Carmo –área no entorno do rio Tamanduateí que foi transformada no parque Dom Pedro 2º.

Vicente Donato, avô de Fabio, era filho de calabreses e assava pizzas para os jogadores do time depois das peladas. Fazia só dois sabores: queijo e aliche. O sucesso foi tanto e atraiu tanta gente que Vicente precisou abrir um restaurante comercial, nos conformes, em 1924.

É a pizzaria mais antiga em funcionamento contínuo de São Paulo, do Brasil e da América Latina. Nas Américas, empata com a Tottono’s e perde só para a Lombardi’s (1905), ambas em Nova York.

A Castelões, entre altos e baixos, funcionou também como cantina. Na pandemia, restringiu o serviço às pizzas noturnas. Mas o inquieto Fabio apronta surpresas o tempo todo. Faz sabores fora do cardápio e outras comidas, dependendo daquilo que ele tiver na despensa e de combinação prévia.

Para o programa, não quis pizza. Nada contra, muito pelo contrário: as pizzas da Castelões são as mais tradicionais da cidade, têm estilo único e são imitadas Brasil afora. Mas são muito conhecidas. Queria algo mais inusitado e mais bruto.

Conversei por telefone com o Fabio e sugeri uma porchetta –espécie de rocambole de porco com a pele pururucada. Pensei na versão simplificada do prato, uma manta de barriga de porco enrolada. Ele me veio com a ideia de fazer uma das receitas tradicionais –há várias na Itália central–, e elas usam uma banda inteira de porco.

Em outras palavras, meia carcaça desossada, sem cabeça nem patas, um colosso de carne que engloba lombo, barriga, copa-lombo e costela.

Genial.

É um trampo colossal temperar, enrolar, costurar, amarrar e assar a criança. Isso a TV mostra. E não adianta demais eu escrever a respeito, ver é muito melhor.

Eu nunca tinha trabalhado com TV antes. É cansativo, demorado, às vezes frustrante. Precisa refazer tomadas, precisa ralar horas e horas para um programa de meia hora, precisa comer comida fria como se tivesse acabado de ficar pronta.

É cansativo, é demorado, pode ser frustrante, mas é legal demais. Estou lá, entregue, à espera de vocês.

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Ir ao bar sem vacina equivale a dirigir bêbado https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/08/23/ir-ao-bar-sem-vacina-equivale-a-dirigir-bebado/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/08/23/ir-ao-bar-sem-vacina-equivale-a-dirigir-bebado/#respond Mon, 23 Aug 2021 22:41:58 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/botecos-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3309 Ricardo Nunes perdeu a oportunidade de fazer a coisa certa.

Como previsto, o setor de bares e restaurantes recebeu mal a proposta da Prefeitura de São Paulo de exigir um passaporte vacinal para os clientes. A medida buscava vetar o atendimento para pessoas adultas que não tenham tomado pelo menos a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Mas o prefeito cedeu à pressão e, horas depois de anunciar o controle rígido, recuou e afirmou que o passaporte será “opcional”.

Além de questionamentos de ordem técnica (como as supostas complicações de um aplicativo que ainda não foi apresentado), os representantes do setor alegam que o tal passaporte discrimina alguns grupos. Em especial, visitantes de lugares em que a vacinação está atrasada e pessoas com problemas de saúde que as impedem de receber o imunizante.

Quanto aos forasteiros, basta o prefeito relaxar a exigência de comprovante de residência para tomar a picada em São Paulo. De mais a mais, o argumento é fraco porque a aplicação da primeira dose em adultos já está avançada em todos os Estados.

O caso das pessoas que não podem se vacinar por motivos de saúde nem merece comentário, mas vá lá: essa gente não deveria se expor ao risco na pandemia, pode esperar em casa, sem ir ao boteco, até a peste passar.

O motivo oculto do descontentamento dos donos de restaurante é outro: eles não querem desagradar uma parcela da clientela que se recusa a tomar a vacina por convicção doutrinária. Indivíduos que encaram a imposição do passaporte como um cerceamento às liberdades individuais.

Sou 100% a favor de garantir aos cidadãos adultos o direito de fazer mal a si mesmo, desde que não prejudique os outros. Quer usar drogas, usa. Quer se matar, se mata. A questão do passaporte é bem diferente.

Vou usar uma metáfora etílica, já que estamos falando de bares.

Um pinguço quieto em casa só faz mal a ele mesmo. Se o bêbado sai dirigindo pela idade, coloca em perigo todo mundo pelo caminho. O antivacina no bar é como um motorista embriagado: arrisca as vidas dos outros clientes e dos funcionários.

É justo, portanto, vetar a presença e não-vacinados nos espaços públicos de São Paulo. Tem a primeira dose para todo mundo, é só arregaçar a manguinha para exercer o sagrado direito de ir e vir.

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Sérgio Reis é panela velha que não serve nem como sucata https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/08/15/sergio-reis-e-panela-velha-que-nao-serve-nem-como-sucata/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/08/15/sergio-reis-e-panela-velha-que-nao-serve-nem-como-sucata/#respond Mon, 16 Aug 2021 01:13:01 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/berrante-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3294 Em 1988, o sertanejo Sérgio Reis fez um baita sucesso com a música “Panela Velha”, cujo refrão dizia:

“Não me interessa se ela é coroa/Panela velha é que faz comida boa”.

Note que “sertanejo” era uma fera totalmente diferente em 1988, assim como o forró. A malícia das letras tinha uma pegada de matuto, dos trocadilhos ruins que passam de geração em geração, das rimas de duplo sentido. Machista até a medula, como ainda é na maioria dos casos.

Enfim, os versos do compositor gaúcho Moraezinho (1946-2015) falavam de modo muito tosco, mas aceitável para a época, que era bacana ficar com mulheres maduras. Não vou problematizar mais, porque aqui é um blog de comida. No sentido literal, apenas.

Falemos de panelas velhas.

Apenas panelas excelentes e bem cuidadas merecem ser guardadas até a, vá lá, terceira idade. Não porque melhorem com o tempo, mas porque dispensam substituição.

Panelas de alumínio, as mais comuns nas casas brasileiras, envelhecem muito mal. Amassam. Grudam sujeira difícil de tirar. Perdem cabos e alças.

Pior ainda ocorre com as panelas revestidas de material antiaderente. Essa camada de antigrude vai se soltando e acrescentando tempero venenoso à comida.

Quanto aos humanos, tampouco todos envelhecem decentemente. Eric Clapton, o cara da guitarra e de “Cocaine”, revelou-se um enorme babaca na pandemia. Um idiota que faz música contra as medidas sanitárias e se recusa a tocar em casas de show que exigem vacinação.

Sérgio Reis, do ponto de vista estritamente musical, nunca esteve à altura de Clapton –como cidadão já não sei, pois o inglês dá mancadas boas desde os anos 1970.

O fato é que, naqueles tempos, tanto Clapton quanto Reis tinham carreiras para se preocupar e alguma noção de ridículo. Envelheceram pessimamente.

Sérgio Reis, com seu berrante reacionário, já deveria estar no ferro-velho das ideias há muito tempo. Ou não. O que ele fala é tão caquético que nem dá para reciclar.

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O miojo e a miséria https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/08/11/o-miojo-e-a-miseria/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/08/11/o-miojo-e-a-miseria/#respond Wed, 11 Aug 2021 19:09:17 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/miojo21-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3284 Duas notícias do caderno de economia de ontem:

“Miojo deve impulsionar vendas do setor de massas em 2021, diz associação”

“Após feijão com arroz, café com leite também deve ficar mais caro para o brasileiro”

Nos últimos tempos, já se noticiou a alta absurda do arroz. A inflação descontrolada do óleo vegetal. A troca da carne bovina pelo ovo, por queda no poder aquisitivo. As filas de famintos na porta do açougue, à espera de doação de ossos que seriam descartados.

Está mais do que evidente que o quadro de fome é muito grave no Brasil. Está bem desenhada a culpa do governo, por omissão, incompetência e ação deliberada, por essa situação.

Cansa escrever sobre isso. Também cansa ler sobre isso. Mas é preciso continuar: esse é o papel do jornalismo.

Tenho lido, no Twitter, críticas ao tom e às chamadas das reportagens sobre a alta de preços na comida. Dizem que a imprensa “normaliza” a fome ao dar títulos acríticos às reportagens.

Gente, o jornalismo comporta uma série de subgêneros de escrita. Alguns são opinativos –este, como todas os textos que faço para o blog e a coluna, se encaixa nessa categoria. Mas o subgênero principal, a reportagem, que é a espinha dorsal do jornalismo, deve ser impessoal e retratar somente a opinião dos entrevistados.

Não dá para escrever o título de uma coluna noticiosa assim: “Brasileiros empobrecidos trocam macarrão por miojo; maldito governo é o culpado”.

A escolha de declarações aparentemente neutras pode ser mais contundente do que tirar uma opinião da cartola. Vejam esta frase, contida na mesma nota do miojo:

“A entidade atribui o desempenho da categoria ao aumento da prática de cozinhar em casa durante a pandemia, mas também ao preço mais baixo do produto em um cenário de queda na renda.”

A tal associação (mundial do macarrão instantâneo) admite que a pobreza é um fator de peso no aumento do consumo, mas não toma posições mais críticas por duas razões:

É uma entidade internacional, tem razão em não opinar sobre assuntos do Brasil;

Representam os fabricantes de miojo, então comemoram o lucro crescente (graças à pandemia e à pobreza).

Não é pouca coisa que o representante oficial dos macarrões instantâneos seja obrigado a declarar publicamente –pela obviedade das circunstâncias– que o setor fatura em cima da miséria alheia.

Outra ramificação do jornalismo é o texto de serviço. Um exemplo é a matéria que eu mesmo escrevi para o caderno “Comida”, com dicas para fazer ovo frito. Ouvi críticas por isso.

É evidente que o texto do ovo se relaciona com a inflação e a pobreza, mas não podemos dizer isso com todas as letras o tempo todo. Fica amargo. Fica chato. E, se o que temos é ovo, por que não um serviço para prepará-lo bem?

Está na hora de fazer uma matéria assim com o miojo.

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Só os tiranos têm medo de comida envenenada https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/07/16/so-os-tiranos-tem-medo-de-comida-envenenada/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/07/16/so-os-tiranos-tem-medo-de-comida-envenenada/#respond Sat, 17 Jul 2021 02:15:43 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/218283579_2489961567819481_1540590889782386085_n-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3232 Para quem gosta de história, de comida e encara uma leitura longa em inglês, sugiro o e-book “How to Feed a Dictator” (“Como Alimentar um Ditador”), lançado no ano passado pelo jornalista polonês Witold Szablowski.

O autor entrevistou cozinheiros de cinco célebres autocratas do século 20: Saddam Hussein (Iraque), Idi Amin Dada (Uganda), Enver Hoxha (Albânia), Fidel Castro (Cuba) e Pol Pot (Camboja). Destes, três eram paranoicos com a possibilidade de serem envenenados pelo próprio chef.

O aparato de vigilância da Albânia –o mais fechado dos regimes da Cortina de Ferro– hoje soa ridículo como o sapatofone de Maxwell Smart, o pateta Agente 86 da série satírica criada por Mel Brooks nos anos 1960.

O cozinheiro de Hoxha depôs sob anonimato, pois ainda teme represálias. Nos dias plúmbeos, ele não tinha autonomia nem para quebrar um ovo sem a aprovação de um comitê de burocratas.

O homem, uma vez, foi visitar a mãe no interior do país. A cada vez que saía da casa da velha, topava com uma dupla de agentes fingindo ler jornal num carro estacionado. Dava-lhes “bom dia” e era cumprimentado de volta.

Saddam exigia que uma amostra de cada prato fosse armazenada numa geladeira que seus jagunços guardavam. Se ninguém da família passasse mal em questão de dias, a comida ia para o lixo.

Após a guerra de 1991, Saddam replicou o esquema noia nas dezenas de palácios que mandou construir pelo país.

Para zonzear perseguidores, ele dormia uma noite em cada lugar –mas todas as cozinhas funcionavam a pleno vapor sete dias por semana, e os cozinheiros nunca sabiam se o patrão estava lá ou não.

Otonde Odera, chef de Idi Amin, escorregou pelos fundos do palácio quando um dos filhos do ditador comeu quilos de arroz doce e passou mal. Ele levou o rapaz para o médico do presidente, enquanto o pai atirava no teto e jurava vingança pelo envenenamento.

Eram gases. O alívio veio com um “tremendo peido”, nas palavras de Odera.

A obstrução abdominal do brasileiro Jair é sólida e perfeitamente compatível com complicações decorrentes da facada que o furou em 2018. Ainda assim, paira no ar uma boataria fétida sobre envenenamento.

O broto da conspiração surgiu semana passada, quando um cozinheiro gaúcho se queixou da possibilidade (nunca confirmada) de precisar preparar o pasto presidencial.

Na mesma rede social, um comentarista aleatório propôs purgante na comida do ilustre visitante. O estábulo reagiu: pronto, querem assassinar o Minto.

Na quarta-feira (14), dia da internação do presidente, o youtuber Rodrigo Constantino levantou lisamente a lebre do envenenamento. No dia seguinte, esparramou-se a cascata de que um exame apontou chumbo no sangue de Bolsonaro. O conto está contado.

Só temem comida envenenada os tiranos. Eles dormem e acordam com o próprio carma, sabem que o ódio e a traição lhes respingarão fatalmente –por vezes, de modo literalmente fatal. Para nós, pessoas comuns, é algo que nem nos passa pela cabeça.

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Comida de hospital https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/06/22/comida-de-hospital/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/06/22/comida-de-hospital/#respond Tue, 22 Jun 2021 18:11:41 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/mashed-potatoes-439976_1920-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3188 Comida de hospital é sempre ruim. Mesmo quando não é tão ruim ou, vá lá, é boa. É ruim, obviamente, porque é comida de hospital. Ninguém gosta de estar num hospital, ninguém vai fazer uma boquinha no hospital.

Existem três tipos de comida de hospital.

Há as refeições servidas para os pacientes e, com pequenas concessões dietéticas, a seus acompanhantes de quarto.

Há as cantinas, cafeterias, lanchonete, não importa o nome dado ao concessionário que prepara uma comida menos, digamos, hospitalar.

E há as máquinas de chocolate, biscoito, salgadinhos e todas as porcarias que, consumidas em excesso, levam uma pessoa saudável ao hospital.

Afirmo, sem um pingo de orgulho, que tenho conhecimento razoável de todos esses tipos de comida. Já estive internado e engoli o pior purê de batata da face da Terra – como alguém estraga um purê de batata é um mistério que persiste.

Nas idas e vindas do meu pai, que acabou morrendo num hospital, tornei-me frequentador assíduo da máquina de porcaritos e da cantina.

Nesse café havia um bufê noturno de sopas. Não existe comida mais de hospital do que sopa de mandioquinha. Eu ia na canja, que era até gostosa, porém de hospital. Canja, para mim, lembra a morte do meu pai.

Resolvi falar de comida de hospital por dois motivos.

Primeiro porque, por razões contrárias à minha vontade, devo voltar a encarar o rango hospitalar. Agora é a mãe que está internada, com problemas na vesícula. Espero que se recupere logo, mas que fique no hospital e com a comida de hospital pelo tempo necessário.

A segunda razão: se você pegar Covid-19 e precisar ir a um hospital,  qualidade da comida será o menor de seus problemas. Aliás, sorte daqueles que não têm um tubo enfiado na traqueia e podem desfrutar da comida ruim de hospital.

Cuide-se.

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Comida estragada para os pobres https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/06/18/comida-estragada-para-os-pobres/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2021/06/18/comida-estragada-para-os-pobres/#respond Sat, 19 Jun 2021 02:15:18 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/vencimento-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=3184 O governo quer vender comida estragada para os pobres. Não o disse com todas as letras, mas sabemos de quem se trata e sabemos de que essa gente é capaz.

A proposta –iniciativa da associação de supermercados, que coisa!– de flexibilizar a data de validade dos alimentos é imoral e potencialmente criminosa. Eu falo na posição de contumaz consumidor de alimentos vencidos –uma irresponsabilidade que não recomendo a ninguém.

Moro em frente a um supermercado e sou habitué da gôndola dos produtos “próximos ao vencimento”, com descontos absurdos. Na geladeira ou na despensa, vencem antes que eu os ataque.

Uso o meio século de experiência e a parca sensatez para comprar na seção do quase-lixo. Chocolate? Claro que sim: baixíssima umidade, muita gordura e muito açúcar. Bolacha? Passo, já está murcha. Leite? Não. Carne? Mas nem a pau.

Houve uma época em que o mercado da minha rua trazia excelentes queijos suíços, todos caros demais para o meu bico. De quando em quando, o preço baixava para menos da metade –vencimento chegando– e eu me abastecia como um nababo.

A queda livre do real sumiu com esses queijos, inviáveis até para o burgo de Perdizes. Agora eu ralo para comprar queijo minas e olha lá.

Meu comportamento é uma escolha individual. Eu assumo a responsabilidade e o risco dessa escolha.

Quando o governo cogita relaxar os critérios da validade dos alimentos no mercado, ele impõe a escolha entre comer e passar fome. Pega (em tese) a responsabilidade da decisão, mas atira o risco no colo do consumidor. Não é o Guedes que vai ter intoxicação.

Sou favorável à redução do desperdício e à flexibilização da validade quando embasada em sólidos argumentos técnicos. Mas tenho três motivos para julgar que, no Brasil de 2021, fazê-lo só ampliaria a tragédia humanitária.

Motivo 1: a piada do critério técnico. Só um perfeito otário para acreditar que esse governo aí agiria de acordo com a ciência no respeito aos padrões sanitários.

Ele não o fez na pior pandemia da história. É real o risco da legalização da venda de comida podre.

Motivo 2: a queda dos preços é conversa mole para boi dormir. A passagem aérea não ficou mais barata com a cobrança da bagagem. O combustível na bomba não acompanha a baixa do preço na refinaria.

A proposta da ampliação da validade atende ao lobby do varejo e a mais ninguém. Serve para otimizar a eficiência da operação –em português das ruas, aumentar os lucros.

Motivo 3: a miséria interessa ao governo. Vender ou doar comida passada é um remendo vagabundo para evitar a mortandade maciça por inanição. Não contribui em nada para reduzir a pobreza, algo que jamais passaria pela cabeça de Bolsoguedes.

Nunca foi tão escancarada a intenção de aprofundar a desigualdade e petrificar a imobilidade social. Só não pode deixar o faminto morrer: alguém precisa trabalhar para os ricos.

Então veio a solução final, digo, genial: colocar comida podre, mas nem tanto, na mesa de quem não tem escolha.

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