Cozinha Bruta https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau) Mon, 13 Dec 2021 21:07:14 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Até 70% dos restaurantes e bares devem fechar por causa do coronavírus https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/03/17/ate-70-dos-restaurantes-e-bares-devem-fechar-por-causa-do-coronavirus/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2020/03/17/ate-70-dos-restaurantes-e-bares-devem-fechar-por-causa-do-coronavirus/#respond Wed, 18 Mar 2020 00:04:18 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/veneza-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=2094 A situação nunca esteve tão feia. Nunca, pelo menos, no quase meio século que eu carrego nas costas. Não é hora para piada, não é hora para gracinha.

A epidemia do coronavírus pegou em cheio o setor da alimentação. Um passarinho me contou que até 70% dos restaurantes e bares do Brasil devem fechar por causa da doença. No limite, 100% do setor podem ficar paralisados por forças da lei.

Claro que o estrago atinge a economia como um todo, mas pega inicialmente o setor de serviços. Especialmente as atividades em que há interação direta entre o fornecedor e o cliente.

Massagistas, dentistas, pintores, pedreiros, cabeleireiros, calistas, dentistas, eletricistas, encanadores, faxineiros, manicures, personal trainers, barbeiros, taxistas, motoristas de aplicativo, comerciantes em geral e até médicos de certas especialidades vão sentir fortemente o impacto da pandemia.

Vamos falar de restaurantes e bares, obviamente, porque este é um blog sobre comida. E porque bares e restaurantes, por mais que os adoremos, são serviços supérfluos. São as primeiras despesas a cair quando o cinto aperta.

Tenho acompanhando posts de restaurantes nas redes sociais. Alguns já se resignaram e decidiram fechar, a atitude mais sensata. Outros anunciam medidas como o reforço na limpeza e o maior espaçamento entre as mesas.

Infelizmente, não é uma boa ideia comer em restaurantes nestes tempos. Não dá para dizer que é seguro.

A possibilidade de contágio é enorme, nas duas mãos de sentido.

Muito melhor comer em casa. Ficar em casa. Só sair se for absolutamente necessário.

Cuide-se. Proteja seus velhos.

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7 truques de restaurantes para enrolar o cliente https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/10/29/7-truques-de-restaurantes-para-enrolar-o-cliente/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/10/29/7-truques-de-restaurantes-para-enrolar-o-cliente/#respond Tue, 29 Oct 2019 14:26:39 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/06/IMG_1454-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1812 Está tudo dentro da lei e da normalidade democrática. Mas que dá uma raivinha, dá.

 

Sugestão do garçom

Não me refiro aos pratos do dia, anunciados no cardápio ou em alguma tabuleta. Esses aí fazem parte da programação da operação do restaurante, que busca ordenar e simplificar os processos.

O problema é quando o cliente pede um conselho ao garçom, como se o funcionário do lugar fosse seu amigo confidente. Carne ou peixe? Lasanha ou nhoque? O que o senhor me sugere? A resposta sempre será: “O [prato sugerido] está fantástico hoje”. O que significa: “O [prato sugerido] encalhou na cozinha e pode não estão tããããão fresco assim”.

 

Louça grande demais

Expediente de restaurantes por quilo. Um prataço do tamanho de um campo de futebol sempre vai parecer meio vazio. E aí você vai pegando comida até ocupar os espaços em branco. No final, a dolorosa surpreende.

 

Louça pequena demais

Expediente do café da manhã em hotéis, onde o cliente se serve à vontade no bufê. Pratinho para a comida, copinho para o suco. A pessoa acaba comendo e bebendo menos do que se a louça fosse de tamanho normal.

 

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Pão de queijo da churrascaria rodízio

O cliente é acomodado à mesa. Os garçons com espetos estão ao seu redor, mas não param por ali. Antes deles, chegam polenta, batata, pastéis, coxinhas, bolinhos de queijo, croquetes, pão, vinagrete, farofa –e, claro, um pão de queijo delicioso, tão bom que o indivíduo come uma dúzia.

Quando a carne começa a ser servida, metade da fome já se foi.

 

A picanha fantasma

Ainda na churrascaria rodízio, a picanha só faz sua breve aparição depois da linguiça, do coraçãozinho, da sobrecoxa, da costelinha de porco, do cupim, da alcatra, da fraldinha e da maminha. O abnegado que guarda sua fome para a picanha leva uma canseira danada dos garçons.

 

Chute nas bebidas

É a prática em qualquer lugar: a margem na bebida é o que dá lucro. Os maiores vilões não são o vinho e a cerveja –por serem caros, é comum que o cliente cheque os preços antes de pedir. O ralo de dinheiro está na água, nos sucos, no refrigerante e no cafezinho. Ninguém olha o valor no cardápio antes de pedir o cafezinho.

 

Porções gigantes e caras

Essa é uma praga típica do Rio de Janeiro. Muitos restaurantes tradicionais daqui vendem apenas porções para duas pessoas, que servem três e custam o valor de uma porção para quatro. Não fazem meia-porção, o que dificulta o pedido do cliente solo ou de grupos de pessoas que não querem rachar os mesmos pratos. A mesa acaba por pedir comida demais, pagar uma dinheirama e entregar o marmitex com as sobras para um dos sem-teto que fazem plantão na porta do restaurante.

 

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Evite torturar a mãe no restaurante cheio https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/05/11/evite-torturar-a-mae-no-restaurante-cheio/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/05/11/evite-torturar-a-mae-no-restaurante-cheio/#respond Sat, 11 May 2019 05:00:36 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/frangomae-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1455 Almoçar fora no Dia das Mães é mais do que sádico e masoquista. É burro. Você sabe que vai dar muito errado. E, ainda assim, se entrega à roubada como um cordeiro sacrificial.

Duas datas são celebradas anualmente pelos donos de restaurante: o Dia dos Namorados e o Dia das Mães. Porque o salão enche, o que só é bom para o caixa do estabelecimento. Você espera por horas, come mal e é tratado como lixo por garçons extras, contratados uma hora atrás –a mão-de-obra adora dar sumiço nessas ocasiões.

Para o jantar dos pombinhos, o setor conta com alguma previsibilidade. Mesas para dois, menus fechados para dois. O segundo domingo de maio é o caos.

Grupos de duas a 16 pessoas. Todos os seres que não frequentam restaurantes emergem da cripta. O casal de artesãos encara o ônibus desde São Tomé das Letras para comer camarão às custas do sogro. O hacker antissocial mete o coturno e a jaqueta da Segunda Guerra para ver o Sol pela primeira vez no ano.

É preciso, antes, preocupar-se com a própria fauna. Perdão, com a própria família.

Sinto dizer, mas um bom planejamento não adianta coisa alguma.

Você marca o almoço para o meio-dia, na ilusão de chegar cedo e encontrar o restaurante vazio –a casa, obviamente, não aceita reservas. Sai às 13h, pega meia hora de trânsito em frente às bancas de flores da Doutor Arnaldo e chega ao lugar às 14h. O lugar é a casa da mãe, que você vai buscar para almoçar do outro lado da cidade.

Quase atropelando a multidão no meio-fio, você entrega o carro ao manobrista (R$ 45) do restaurante às 15h15. Cadê a mana, que iria chegar antes? No celular, uma mensagem dela: “Precisei passar rapidinho no shopping, pede mesa para nove”.

“Para nove pessoas, o tempo estimado é de duas a três horas”, informa a hostess. “Idoso não é prioridade?” Só tem prioridade no restaurante, mané.

As pessoas vão chegando, você vai se entupindo de amendoim e birita. Quatro caipirinhas (R$ 160) mais tarde, surge uma mesa. Você conta a parentada para ver se está todo mundo lá.

“Somos oito. Quem está faltando? Como assim, a Talita? Ela não ia para o retiro vegano?”

Eis que Talita aparece enquanto o resto da família examina os cardápios.

“Churrascaria Boi Sangrando, tio?!?! Vocês não têm a menor consideração por mim!”. E corre aos prantos para o banheiro.

Depois de alguns minutos de balbúrdia, algazarra e furdunço na mesa, a matriarca levanta a voz.

“Não podemos fazer isso com a minha netinha. Vamos procurar outro lugar.” São quase 18h, está escuro lá fora.

Vá por mim. Sua mãe não merece essa tortura. Fique em casa. Cozinhe. Ou compre uns frangos assados. E uma torta de escarola para a Talita.

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10 tradições que correm risco de extinção nos restaurantes de São Paulo https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/05/07/10-tradicoes-que-correm-risco-de-extincao-nos-restaurantes-de-sao-paulo/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/05/07/10-tradicoes-que-correm-risco-de-extincao-nos-restaurantes-de-sao-paulo/#respond Tue, 07 May 2019 05:00:35 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/garçom-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1440 Na gastronomia, como em qualquer setor, tradições chegam e vão embora. Algumas deixam saudade, outras já deveriam tem vazado faz tempo. Confira a seguir coisas que, hoje em dia, você só encontra em lugares muito old school.

 

1. Garçom empertigado

O sujeito não tem onde cair morto, mas põe um paletó, uma gravata borboleta e se comporta como um criado à moda antiga. Puxa as cadeiras, pendura os casacos e bolsas, trata todo mundo com reverência e é capaz de servir arroz com duas colheres.

Esse tipo garçom de garçom, infelizmente, tende a existir somente nos restaurantes muito, muito caros. Para nós, que não temos acesso aos templos da alta gastronomia, resta o castigo de conviver com o serviço ao estilo hipster.

 

2. Carrinho de entradas frias

Quando eu era moleque e ia almoçar com meus pais, láááá no século passado, alguns restaurantes tinham um esquema astuto para faturar em cima dos clientes esfomeados.

Assim que as pessoas sentavam à mesa, surgia do nada um carrinho com dezenas de gostosuras. Alcachofra em conserva, cuscuz de camarão, queijos, berinjela à parmegiana. Era difícil resistir.

O carrinho retornava triunfalmente, desta vez com sobremesas, quando todos já haviam terminado o prato principal.

O valor das comidas? Você só descobria quando chegava a conta. O susto era inevitável. Para o bem das carteiras e da transparência, o carrinho de surpresas não circula mais em muitos lugares.

 

3. Paliteiro

Paliteiro, saleiro, pimenteiro. Todas as mesas costumavam tê-los. Hoje, não mais. Já escrevi sobre o assunto neste post.

 

4. Azeite em lata

As latas de azeite foram substituídas por embalagens de vidro. A qualidade do líquido, em tese, melhorou. Em tese, pois os vidros são muito mais fáceis de fraudar. O próprio dono do restaurante remove a tampa, coloca outro azeite qualquer lá dentro e fecha com um bico genérico.

É por isso que, no Rio de Janeiro, os portugueses donos de boteco ainda trabalham com azeite em lata.

 

5. Louça com o nome da casa

Você ia ao Rei do Frango Assado, e comia em pratos com o nome do restaurante impresso na porcelana.

Isso saiu de voga, ficou démodé. Hoje em dia, ter a louça com o nome da casa é vintage, mas pode ser também um sinal de decadência. Principalmente se o nome da louça não é o mesmo do restaurante. Já vi isso acontecer.

 

INTERVALO: siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais. Agora você tem receitas exclusivas da Cozinha Bruta no Instagram. Acompanhe também os posts do Facebook  e do Twitter. PODE VOLTAR À LEITURA, OBRIGADO.

 

6. Esconderijo da comida

Nos restaurantes à moda antiga, daqueles que trazem a comida em grandes travessas de metal, era comum o garçom levar os pratos sabe-se lá para onde depois de servir todo mundo. Quando alguém07 queria repetir, o cara demorava um século para ressurgir com a baixela, resgatada das profundezas da cozinha.

Isso era particularmente irritante nas pizzarias, em que eu requisitava várias vezes a reposição da comida no prato. “Ei, onde você vai com essa pizza? Parado aí. Pode por mais um pedaço de mussa e outro de calabresa.”

 

7. Vinho sobre a mesa

Era normal que o dono do restaurante deixasse uma garrafa de vinho fechada sobre a mesa.  Aquele Forestier básico, um Baron de Lantier ou mesmo a belíssima garrafa azul do Liebfraumilch. Em pé, no calor, na poeira.

Eu sempre me perguntei: será que alguém chega e pede para o garçom abrir?

Acho que não muita gente, tanto que o hábito só resiste em restaurantes muito antiquados.

 

8. Quadros com resenhas

Os comerciantes exibiam orgulhosos as notas positivas que saíam na imprensa. Existiam até umas figuras que vendiam essas críticas e resenhas, já devidamente emolduradas, de restaurante e restaurante.

O sumiço desses quadros tem pouco a ver com as mudanças na gastronomia. É o esfarelamento da imprensa, mesmo.

 

9. Sobremesas industriais

Sabe-se por que cargas d’águas, antigamente tinha muito dono de restaurante que achava desnecessário fazer sobremesas. Eles vendiam doces congelados, feitos em alguma fábrica que fornecia para metade do setor.

Os restaurantes punham um prisma de papelão sobre a mesa, com as opções: torta holandesa, cassata napolitana, tartufo de sorvete, musse de chocolate e de maracujá.

Essa já foi tarde.

 

10. O homem do balão

Na saída, sempre tinha um sujeito que vendia balões de gás. Os pais ralhavam, mas quase sempre cediam e compravam. Desse cara eu sinto falta.

 

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Pequeno dicionário da gastronomia paulistana https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/04/27/pequeno-dicionario-da-gastronomia-paulistana/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/04/27/pequeno-dicionario-da-gastronomia-paulistana/#respond Sat, 27 Apr 2019 05:00:50 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/tilapia-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1422 Artesanal –qualquer queijo, pão, embutido ou hambúrguer servido em um restaurante de São Paulo.

Badalado –adjetivo destituído de sentido, usado por resenhistas de gastronomia para definir pessoas e lugares sem predicados reais. Veja também descolado e antenado.

Conceito –conjunto de atributos fictícios arquitetado por assessores, cujo intuito é tentar salvar restaurantes banais e medíocres. Sinôn.: proposta.

Diferenciado –no linguajar das ruas, algo muito top. Ex.: “O cardápio do chef Adamastor inova com um conceito diferenciado e autoral.”

Funcional –eufemismo para comida sem graça feita para pessoas que não gostam de comer. Ex.: “Como opção de prato funcional, temos hoje o quibe fit de chuchu light e farelo de trigo.”

Gourmet –mais caro. Ex.: “Nosso brigadeiro gourmet leva margarina artesanal.”

Hambúrguer de picanha –entidade lendária da gastronomia bandeirante, habita o folclore dos restaurantes ao lado do salmão selvagem e das verduras orgânicas.

Hostess –figura cuja existência se destina a acrescentar alguns reais à conta do restaurante. É, entretanto, muito querida dos paulistanos: eles a consideram diferenciada e topzera. Veja também barista e valet parking.

Intimista –espaço diminuto, apertado, barulhento e abafado. Ex.: “Badalado e descolado, o novo point do restauranteur Apolônio Basfond tem ambiente intimista para 14 pessoas e espera de até 4 horas por uma mesa”

Italiano –língua corrente nos nomes e cardápios dos estabelecimento paulistanos. Sua gramática é muito simples. Basta pegar a palavra em português, duplicar algumas letras e colocar um “e” no final dos vocábulos terminados em “l” e “r”. Ex.: “sallamme arttesanalle”.

Lounge –palavra estrangeira que significa “mantenha distância”. Ex.: “Fique lounge daquela nova temakeria gourmet de Moema.”

Óleo trufado –condimento de propriedades quase sobrenaturais. Ao mesmo tempo em que estraga qualquer comida, eleva seu preço em pelo menos 50%.

Para compartilhar –expressão que designa pratos em miniatura vendidos pelo preço da porção normal. Ex.: “Para o casal jantar bem, recomendo cinco ou seis das nossas sugestões para compartilhar.”

Ponto da casa –cozinheiro que não sabe grelhar carnes. Ex.: “O ponto da casa é rosado, quase sangrando. Tomou sol sem passar protetor.”

Redonda –palavra usada por jornalistas de gastronomia para evitar repetir o termo “pizza” em um texto curto sobre pizzas. Fora do meio, contudo, ninguém chama uma pizza de “redonda”. A única palavra que define uma pizza é “pizza”.

Saint Petertilápia.

Tatuagem –desenho subcutâneo a que os cozinheiros profissionais atribuem o poder de desenvolver suas capacidades laborais. Veja também: barba e alargador de orelha.

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São Paulo é um monstro que destrói a própria gastronomia https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/01/24/sao-paulo-e-um-monstro-que-destroi-a-propria-gastronomia/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/01/24/sao-paulo-e-um-monstro-que-destroi-a-propria-gastronomia/#respond Thu, 24 Jan 2019 19:25:09 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/pizza2-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1178 Fuçando na internet atrás de assunto para escrever, topei com um ótimo artigo do sociólogo Carlos Alberto Dória, co-autor do livro “A Culinária Caipira da Paulistânia” (Três Estrelas, 2018).

Resumo bem chinfrim: Dória afirma que São Paulo desdenha as raízes indígenas de sua culinária tradicional. Prefere o couscous marroquino ao cuscuz de milho dos guaranis.

A regra se aplica a quase toda manifestação cultural que brote em solo paulistano.

Nada nesta cidade é feito para durar. São Paulo, com todos os milhões de almas que a habitam, ainda é uma vila de garimpeiros. Para cá correm todos os forasteiros em busca de dinheiro. O plano nunca é fincar raízes. Quando há raízes, elas são rasas.

Isso não é necessariamente ruim.

É o dinamismo que faz de São Paulo um lugar interessante e empolgante. Aqui tudo muda numa velocidade espantosa. Piscou, perdeu.

Vale para a arquitetura, para a composição étnica da população, vale para a gastronomia.

As origens indígenas são apenas um exemplo ancestral desse ciclo contínuo de destruição e reconstrução.

Em tempos mais recentes, temos a aniquilação das cantinas ítalo-paulistanas. As cantinas, com seus pratos fartos cheios de molho e o clima macarrônico, já foram a grande atração da mesa paulistana. Vinha gente de fora para conhecê-las.

Quando a comida italiana mais autêntica se tornou acessível em São Paulo, as cantinas foram postas de escanteio imediatamente. Hoje elas vegetam.

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Algo semelhante está em curso com a pizza paulistana.

Só gente velha vai à Camelo ou à Monte Verde para comer frango frito antes da pizza de massa fina. Ok, exagero. Mas é uma tradição antiquada, démodé.

E é algo, até onde eu sei, paulistano até a medula. Como é argentino o hábito de comer pizza com fainá –uma massa feita de farinha de grão de bico, sobreposta à pizza como um sanduíche.

A pizza em São Paulo vai muito bem, obrigado. (Apesar das aberrações encontradas nos serviços de entrega.)

A pizza daqui se renovou. Foi globalizada. Temos muitas pizzas moderninhas e temos pizzas napolitanas –coisa que, apesar da idade avançada, é uma moda gastronômica recente em toda parte.

Já a pizza de que São Paulo se orgulhava tanto no século passado, de massa fina ou de massa grossa, cobertura farta e muito queijo, perdeu prestígio.

A rede Bráz fez um grande trabalho de resgate e aperfeiçoamento dessa pizza tradicional, no final dos anos 1990. Mas negócio é negócio: precisa evoluir. Hoje, a Bráz se aproxima cada vez mais do estilo internacional de pizza adotado pelas casas mais descolex e trendy. Eu faria o mesmo.

E arrisco dizer que a próxima da fila é a comida japonesa.

São Paulo foi o epicentro da popularização do sushi no Brasil. A culinária nipônica da cidade, porém, tem muito mais do que peixe cru e arroz. Fora do hype dos lounges que vendem atum com uísque e energético, existe uma sólida tradição construída pelos muitos imigrantes de origem japonesa.

Ocorre que os mantenedores dessa tradição já estão velhos ou envelhecendo. Tenho sérias dúvidas quanto ao interesse das novas gerações em manter as coisas do jeito que são hoje.

Você já foi à Liberdade recentemente? Os restaurantes velhuscos de porta de bambu estão dando lugar a casas metidas a modernas, de origens asiáticas diversas. É um tal de “wok” aqui, de “grill” ali e de “noodle” acolá.

Bom é que o monstro destruidor de tradições sempre constrói outras por cima do entulho.

Assim é São Paulo. Eu até que gosto.

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A pizza de frango e mais 11 horrores da gastronomia paulistana https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/01/22/a-pizza-de-frango-e-mais-11-horrores-da-gastronomia-paulistana/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/01/22/a-pizza-de-frango-e-mais-11-horrores-da-gastronomia-paulistana/#respond Tue, 22 Jan 2019 14:06:34 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/frango-catupiry-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1169 Há um ano, meu post “Os 12 maiores micos da gastronomia de São Paulo”  foi um divisor de águas neste blog: a audiência explodiu e eu conheci a fúria dos haters. Em especial, a dos defensores da mortadela e do pastel de feira.

Agora, em mais um aniversário da cidade de São Paulo, venho com mais uma dúzia de coisas que eu considero detestáveis na nossa cultura alimentar. Quero fazer deste post uma tradição de todos os janeiros. Se a Folha deixar. Material não vai faltar.

Já disse e repito: sou paulistano de berço e de criação, por isso me outorgo o direito de descer a lenha nas mazelas da cidade. Nem todas são exclusivamente paulistanas, mas lembre-se que aqui é capital brasileira da gastronomia. Daqui saem quase todas as tendências.

Leia sem pedras na mão.

 

1. O culto à padaria

São Paulo simplesmente idolatra suas padarias. Melhor: as padocas.

A padaria paulistana há muito deixou de ser um lugar para comprar pão e leite. Serve café da manhã, almoço e jantar. Vende vinhos finos. Vende os suprimentos básicos para preparar uma refeição em casa. Entrega pelo Rappi e pelo iFood. Vende até brinquedos para acalmar a molecada.

Não dá para negar que tudo isso é uma comodidade gigantesca.

A padoca se transformou num centro de convivência e de conveniência.

Outra coisa é dizer que os produtos e serviços da padaria são bons.

Os doces e os salgadinhos costumam ser sofríveis, assim como os sanduíches – hambúrguer congelado. A pizza não é tão boa quanto a da pizzaria (embora eu a adore). Bufê de sopas, isso é deprimente. É tudo muito caro. Até o pão, que deveria ser o carro-chefe das padarias, fica a dever: a maior parte delas assa receitas entregues por grandes companhias de panificação.

Mas o grande sucesso das padocas se chama pão na chapa. Basicamente, um pão aquecido na chapa de fazer hambúrguer com manteiga ou –vade retro– requeijão. Um dos cafés da manhã mais simplórios que alguém pode querer. E que, ainda assim, arrasta multidões às padarias de São Paulo.

(foto: Raimundo Pacco/Folhapress)

2. A pizza de frango com catupiry

Depois dela, veio a pizza de rúcula com tomate seco. Vieram a abobrinha com queijo fundido, o shitake com alho-poró, o salmão com cream cheese. A criatividade sem critério só prosperou nas pizzarias do Brasil porque, em algum momento dos anos 1980, o frango com catupiry arrombou as porteiras do bom senso. E essa duplinha dos infernos é uma legítima invenção paulistana.

 

3. Milho verde com margarina

Entrar no metrô com um pratinho plástico cheio de milho verde debulhado e uma pelota de margarina fere a dignidade humana. Cadê os dentes dessa gente? Morder os grãos na espiga é 60% da diversão de comer milho verde. E margarina, pessoal? A venda desse treco deveria ser proibida.

 

4. O ponto da casa

– Por favor, quero o bife com fritas. Ao ponto para malpassado.

– Mas o ponto da casa já é bem rosado por dentro, senhor.

Quantas vezes já não ouvi essa baboseira?

O ponto do bife não depende do gosto ou das intenções do cozinheiro. Ele é a medida objetiva da temperatura interna da carne. Isso é ensinado nas escolas de culinária. Malpassado é 55 ºC, bem-passado é acima de 70 ºC, com todos os pontos intermediários.

bife ancho
(Foto: Marcos Nogueira)

5. Serviço hipster

Garçons jovens, bonitos e modernos não são obrigatoriamente maus profissionais. O problema começa quando essa garotada passa a se achar a última caipirinha da Bahia.

Nada justifica o serviço arrogante e displicente. Mas muitas casas estão mais preocupadas com a impressão visual e com o auê do que com a qualidade do produto oferecido.

São Paulo –com destaque para as regiões de Santa Cecília e de Pinheiros– é prodigiosa na oferta de serviço ruim feito por fedelhos tatuados e com a orelha alargada. Já falei disso aqui e aqui.

Mas não tem o canudinho plástico que mata as tartarugas. E a manteiga fermentada com kefir é feita diariamente na própria casa.

 

6. Os 13% na conta

 

Esse papo de cobrar 13% de gorjeta sobre o total da conta começou com uma discussão sobre o destino dos 10%. Os donos dos restaurantes argumentavam que parte do dinheiro deveria ser destinado à reposição de material (louça, toalhas e talheres); os funcionários reivindicavam o total repasse da propina para eles.

A solução encontrada por muitas casas –aumentar a taxa de serviço em três pontos percentuais– satisfez as duas partes. Só o cliente saiu estropiado. É algo que só vi em São Paulo.

Eu sei que a restauração é um setor cruel, em que é muito difícil sobreviver –que dirá enriquecer.

Ocorre que a decisão unilateral de sobretaxar o frequentador foi tomada num momento inadequado (no meio de uma recessão) e sem a transparência necessária. A pessoa só descobre os 13% quando a nota chega. Isso quando é um cricri que confere direito a conta. Eu não sou desses.

Na minha modesta opinião, valores acrescentados depois da aquisição de qualquer coisa são um artifício ardiloso. Tudo já deveria estar embutido no preço anunciado.

 

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7. O açougue vegano

 

Veganos são provocadores por vocação. Adoram atiçar os onívoros com comparações mórbidas. Meat is murder, dizia a (sabe-se hoje) besta quadrada do Morrissey. Beleza, faz parte do jogo deles.

O açougue vegano é um animal completamente diferente. Quem eles querem provocar, já que apenas veganos têm estômago para encarar imitações de carne?  Qual é a tara envolvida em transformar soja, lentilha e cogumelo em esculturas de cadáveres de boi ou porco?

Equivale a fazer uma brincadeira com um açougue de carne humana… de mentirinha.

São Paulo tem pelo menos dois açougues veganos.

 

8. Churrasco grego

Quando eu era adolescente –lá se vão muuuuitos anos–, gostava de passar as tardes nas galerias do centro da cidade, onde ficavam as lojas de discos de rock.

A caminhada entre os pombos piolhentos e as poças de água preta tinha um cheiro próprio: o de churrasco grego.

Era um cheiro nauseabundo: retalhos de aparas de carne sebosa no espeto giratório o dia todo, com vinagrete na gaveta e um “suco” (feito com pozinho artificial) incluso no preço. Um atentado às saúdes individual e pública.

Fico admirado com o fato de o churrasco grego ter resistido por tantos anos.

Já temos bons endereços de shawarma. Não precisamos do churrasco grego.

 

9. Os restaurantes típicos fajutos

 A cantina italiana do português. O sushi do baiano. O árabe do mineiro. A churrascaria gaúcha do paulistano da Lapa. O tailandês gestado no MBA do playboy do Panambi.

Brasil adentro, são comuns ou restaurantes étnicos sem nenhum vínculo real com a cultura que a cozinha busca representar.

São Paulo deveria ser exceção, pois aqui temos imigrantes de todos os cantos. E a comida deveria representar essa diversidade cultural.

Quando o dono não tem bagagem histórica, ele deveria fazer a lição de casa e estudar o objeto de seu trabalho.

Mas não faz. Por isso temos pizzas de banana com Nutella e temakis de carne-seca.

 

10. O Habib’s

Evidente que o Habib’s tem seus méritos.

Quando ele apareceu, em 1988, fast food significava hambúrguer.

Tudo bem que uma esfiha é um hambúrguer em forma de pizza –ou uma pizza de hambúrguer, se preferir. Mas, até o Habib’s, ninguém havia tido a ideia de vendê-la impossivelmente barata para as multidões. O Almanara já havia se multiplicado –só que era um restaurante, com serviço e preço de restaurante.

A esfiha do Habib’s abriu a caixa de pandora da fast food. Depois dela, tudo pôde ser transformado em comida rápida de baixo valor nutricional: macarrão, sushi, cozinha chinesa e até o arroz com feijão.

E tudo nasceu no Alto da Lapa, onde a loja nº 1 do Habib’s ainda está ativa e operante.

Mais do que a azia da esfiha, a sordidez do esquema está na prestidigitação: enquanto o freguês está hipnotizado pelo preço baixo, ele gasta sem perceber no suco, no chope, na sobremesa. A esfiha não se paga, é uma isca para esquecer a carteira aberta sobre a mesa.

E a pizza –já a pedi em plantões malditos na alameda Barão de Limeira– só tem molho de tomate perto da borda.

Imperdoável.

 

11. Bares sem alma

Tudo começou com o Original, em Moema. Um bar em homenagem aos botequins tradicionais da cidade, com uma grande diferença: o profissionalismo na gestão e no serviço.

Veio o Filial, que eu frequentei muito. Então tivemos o Autêntico, o Legítimo, o Genuíno, o Pioneiro, o Verdadeiro e o Ancestral. Todos imitando o conceito original (inicial minúscula).

Foram tantos “botecos chiques” que as inspirações temáticas se esgotaram. Hoje a cidade é inundada de bares idênticos no piso xadrez, no chope de colarinho absurdo e no cardápio de frituras.

O Original e o Filial, ambos com mais de 20 anos, já se tornaram clássicos paulistanos.

 

12. A luvinha de comer pizza

Dizer o que de uma luva de plástico descartável para comer pizza com as mãos sem lambuzar as mãos?

Ah, sim.

“Garfo e faca, por favor.” Deixemos de ser jecas.

 

O ex-BBB Eliéser, que viralizou no Instagram com uma foto comendo pizza com luvas (Foto: Reprodução/;Instagram)

 

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São Paulo maltrata o turista que vem conhecer nossa gastronomia https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/01/14/sao-paulo-maltrata-o-turista-que-vem-para-conhecer-nossa-gastronomia/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2019/01/14/sao-paulo-maltrata-o-turista-que-vem-para-conhecer-nossa-gastronomia/#respond Mon, 14 Jan 2019 04:00:21 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/vietnam-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=1150 São Paulo não tem mar.

São Paulo é uma cidade de escassas belezas, naturais ou construídas pelo homem. O patrimônio histórico foi demolido para a construção da metrópole do café.

Por que raios alguém viria fazer turismo em São Paulo? Há algumas razões.

Alguns vêm fazer compras. Há os que vêm para ver peças musicais. Existem certos malucos do Brasil profundo que querem ter um gostinho do caos urbano.

E tem aqueles que vêm comer. Gente que viaja a São Paulo para desfrutar de nossos restaurantes.

São Paulo tem a melhor e mais variada cena gastronômica do Brasil. Inegável.

Mas a gastronomia paulistana tem muitos, muitos, muitos problemas.

Um deles é deixar ao léu o forasteiro que chega cheio de expectativas.

Além de tudo o que eu falei lá em cima, São Paulo é uma cidade grande demais, confusa, difícil.

Por comodidade e falta de conhecimento, a turistada termina comendo sempre nos mesmos lugares. A ver:

Digamos que a oferta ainda está superior à de Arapiraca, mas São Paulo poderia fazer melhor.

Precisaria, claro, tirar a bunda da cadeira. Coisa para a prefeitura, para o governo estadual, para os sindicatos patronais ou uma associação dessas entidades, de preferência com patrocínio privado.

PAUSA PARA O MERCHAN: agora você tem receitas exclusivas da Cozinha Bruta no Instagram. Acompanhe também os posts do Facebook  e do Twitter.

Guias, tours gastronômicos, aplicativos, festivais… há tanto a fazer para promover a comida paulistana. Algumas atrações que, na minha opinião, são subestimadas:

A cena botequeira paulistana: Luiz Fernandes, Frangó, Academia da Gula, Valadares e tantos outros. O Rio já promoveu os seus bares e BH se diz a capital brasileira dos botecos. Os nossos não ficam nada a dever aos cariocas e mineiros. Falta dar um gás na divulgação.

A comida dos novos imigrantes: restaurantes peruanos, feira dos bolivianos, casas palestinas, sírias e africanas. Coisas que não se encontram em outras partes do Brasil.

Os japoneses underground: São Paulo é um dos melhores lugares no mundo para conhecer a culinária japonesa, mas as massas (humanas) só querem saber de sushi. Temos a comida de Okinawa do Deigo, a espantosa variedade de udon do Meu Udon, o ambiente caseiro do Kidoairaku, o lámen perfeito do Ikkousha e do JoJo, a cozinha criativa de Telma Shiraishi, do Aizomê. Sem falar nos muitos izakayas, botecões orientais. Matsu, Bueno, Toki, Kintaro, Issa. A São Paulo japa é demais.

O roteiro da pizza: todos os tipos e estilos de pizza de São Paulo. Napolitana (Leggera, Napoli Centrale), tradicional paulistana (Castelões, Speranza), moderna (Bráz Elettrica, Carlos, Divina Increnca) e por aí vai.

A Ásia paulistana: restaurantes chineses, coreanos, taiwaneses, vietnamitas, tailandeses. Outra variedade étnica que só São Paulo tem no Brasil.

Tem mais coisa, com certeza. Mas eu cansei e não quero te cansar também.

O turismo de gastronomia, em São Paulo, está na primeira infância. Ainda é tudo mato.

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Restaurantes têm o direito de expulsar e humilhar clientes? https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2018/10/15/restaurantes-tem-o-direito-de-expulsar-e-humilhar-clientes/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2018/10/15/restaurantes-tem-o-direito-de-expulsar-e-humilhar-clientes/#respond Mon, 15 Oct 2018 15:04:49 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/corrutela-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=904 O grande Josimar Melo levantou a bola aqui na Folha: restaurantes têm o direito de escolher seus clientes? Podem barrar ou expulsar pessoas indesejadas? Um inimigo político, por exemplo?

A discussão se deu depois que a chef Helena Rizzo, do Maní, publicou uma foto da equipe da cozinha com o dedo médio em riste, em protesto contra o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL).

Na opinião de Josimar, o dono de um restaurante pode vetar clientes de acordo com seus parâmetros éticos. Mas não pode usar como critério a etnia ou a religião – isso configura preconceito.

Concordo parcialmente com ele. Você não deve tolerar a presença do intolerável, mas o restaurante é uma casa de natureza mista: privada e pública ao mesmo tempo. Difícil estabelecer uma nota de corte que faça sentido para todos.

Vetar clientes desta ou daquela orientação política, por exemplo, me parece tão discriminatório quanto proibir gays. Se os sujeitos incomodarem os outros clientes, a história muda – mas isso vale para qualquer um.

O Estados Unidos, defensores máximos das liberdades individuais, dão poder para o comerciante escolher a freguesia. O dress code já pegou muito turista de surpresa.

Nos restaurantes mais caros e caretas, é praxe a exigência de terno e gravata. Em geral, para não constranger os acompanhantes do cliente maltrapilho, eles oferecem um arremedo de solução: há sempre um paletó do Mário Fofoca e uma gravata do Didi Mocó para emprestar.

Na minha visão, o dress code é preconceituoso, anacrônico e, mais do que isso, patético. Deixem a pessoa jantar de pijama e pantufas. Quem vai se sentir deslocada é ela –aposto que os outros frequentadores vão achar divertido.

Ser enxotado de um restaurante é uma experiência muito ruim. Humilha. Por mais que você saiba que aquilo não importa grande coisa, a expulsão atinge o fígado com força.

Comigo foram dois episódios, que eu me lembre. Um bastante enfático, o outro mais sutil –mas igualmente perturbador.

No primeiro, eu e minha mulher chegamos a um restaurante que queríamos conhecer. Lugar bem informal, jeito de boteco. A porta estava aberta, e havia uma ou outra mesa ocupada com clientes bebendo cerveja. Entremos, sentamos e chamamos a garçonete – que, descobrimos ali, também era a dona do estabelecimento.

– Oi, tudo bem? Que cervejas vocês têm?

– Olha, vocês não podem ficar.

– Por que não (sangue sobe à cabeça)?

– A casa está fechada. Só chamamos nossos amigos para beber conosco.

– Mas a porta está aberta…

– É que faz muito calor…

Minha mulher me conduziu para fora antes que eu começasse a espumar de raiva… ou um pouco depois disso.

O segundo episódio aconteceu há algumas semanas. Fomos, eu e minha mulher, comemorar o aniversário dela num restaurante que tem sido endeusado pela crítica moderninha/hipster/artesanal/sustentável: o Corrutela, na Vila Madalena.

Chegamos às 22h30. O lugar, ficamos sabendo na hora, fecharia em 30 minutos.

A garçonete que nos recepcionou não fez questão alguma de disfarçar a irritação com a chegada de clientes de última hora.

– Todas as mesas estão ocupadas. Se não vagar nenhuma nos próximos 15 minutos, não poderemos atendê-los.

Tudo bem, entendido. Fomos tomar algo no bar do restaurante. Se não rolasse, não teria rolado.

Mas aí a mesma menina volta cinco minutos depois, com o semblante desolado.

– Vagou uma mesa. Vamos lá?

Fomos.

Outro garçom nos atendeu. Rapaz simpático e solícito. Pedimos comida e vinho.

Os pratos do Corrutela são pequenos, para se compartilhar. Optamos por três deles: carne crua, polvo e língua de boi defumada. Frisei para o garçom que os queria nesta ordem. O prato frio primeiro, depois o polvo e a língua por último –num crescendo de intensidade de sabor.

A cozinha ignorou minha recomendação e mandou tudo junto.

– Vocês vão pedir mais algo? A cozinha vai fechar.

Suspeitei que estavam querendo nos apressar.

– Não. Acho que estamos bem.

Logo depois, já havíamos comido. Como disse, as porções são pequenas. O garçom legal voltou a nos abordar.

– Querem já a sobremesa?

A sobremesa já havia sido encomendada junto com os pratos salgados (um dos pedidos era um menu combinado). Mas não, não a queríamos ainda. A garrafa de vinho ainda estava pela metade. Era para ser um jantar romântico, diacho!

– Podemos terminar o vinho antes?

– Mas é claro! Nós esperamos.

Eis que reaparece a garçonete que nos atendeu na recepção.

– Mas não podemos esperar muito, pois a casa já está fechando.

Raiva. Consternação. Indignação. Tentei contê-las para não estragar o jantar. Fracassei na tentativa.

Tomamos nosso vinho aos golões, comemos a tal sobremesa –que era azul– e nos picamos dali.

Existem muitas maneiras de expulsar alguém de um restaurante. O uso de pequenos bombardeios verbais em intervalos regulares, como fez a equipe do Corrutela, é o mais perverso e humilhante. A casa dá tratamento pior a um cliente pagante. A um cliente que pagou tanto quanto todos os outros no salão.

Existe um entendimento tácito de que o horário que um restaurante estabelece para o fechamento é a hora para a chegada do último cliente – salvo quando o lugar explicita os horários da cozinha. Quem chega tarde deveria ser tão bem-recebido quanto os outros. Se não é para ser assim, que se mande embora o atrasildo atrasado sem acomodá-lo à mesa. Não é o melhor, mas é melhor do que servir mal.

Contribuiu para a minha péssima experiência no Corrutela a política de contratar apenas gente jovem e descolada. Gente inexperiente e com ganas de abraçar o mundo. Eu entendo –e aposto que seria um garçom terrível nos meus 20 e poucos anos.

Uma equipe jovem pode ser bem treinada, mas não era o caso. Some-se o fato de ser sexta-feira à noite e temos um restaurante louco para esfregar o chão na correria e cair na balada.

De novo, entendo. Mas me desculpem, eu não tenho nada a ver com isso. Eu só queria um jantar bacana.

Falando nisso, a comida. É incrível como a qualidade da experiência influi na percepção de uma refeição – tema que eu já abordei aqui e aqui.

A comida do Corrutela, tão elogiada pelos meus colegas, me pareceu comunzinha demais para tanto auê. A carne crua chegou com uma “emulsão de gemas orgânicas” que o garçom chamou, num ato falho, de maionese –e era isso mesmo. O polvo estava bastante bom, mas já comi melhores. A língua seria deliciosa se a acidez das cebolas, fermentadas naturalmente, não roubasse toda a cena. E a sobremesa, ovos nevados com creme inglês de jenipapo, tinha gosto de ovos nevados com creme inglês.

Só que era azul.

 

 

 

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Restaurante de shopping representa o fracasso do Brasil https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2018/08/28/restaurante-de-shopping-representa-o-fracasso-do-brasil/ https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/2018/08/28/restaurante-de-shopping-representa-o-fracasso-do-brasil/#respond Tue, 28 Aug 2018 14:25:58 +0000 https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/modi-320x213.jpg https://cozinhabruta.blogfolha.uol.com.br/?p=764 Ontem, contrariando tudo o que tenho escrito neste blog, jantei em um restaurante de shopping.

Fui tragado pelas circunstâncias. Minha mulher havia lançado seu primeiro livro numa livraria do Pátio Higienópolis (aliás, recomendo a todos a leitura de Cozinha de Vó) e precisávamos fazer jogo rápido. Nosso filhote de 5 anos derretia de sono com o passar dos minutos.

As amigas da Mari quiseram esticar o programa no MoDi, um italiano simpático no piso que dá saída para a avenida Higienópolis. Confesso que meu plano original era bem mais sinistro: uma pizza na praça de alimentação. Fui voto vencido e não protestei.

Das experiências gastronômicas de shopping center, o MoDi é provavelmente a mais benigna. Fica num puxadinho ao lado do prédio principal, com entrada independente. Possui –atenção, isso é muito importante– banheiros próprios. É detestável encarar o corredor de lojas quando o xixi aperta.

Lembra o clima do primeiro MoDi, instalado na praça Buenos Aires –a poucas quadras dali, um dos cantos mais agradáveis da São Paulo real.

Não posso reclamar da comida nem da companhia. A conversa foi animada e divertida.

Ainda assim, o MoDi do Pátio Higienópolis é um restaurante de shopping. Algo que eu desgosto pela coisa em si –e, principalmente, por aquilo que ela representa.

O brasileiro abastado vê no shopping center uma ilha de tranquilidade dentro da selvageria urbana. Ele entra e sai de lá com seu carro de janelas escuras, sem precisar se expor aos riscos e à imundície das ruas. É tudo seguro, limpo e livre de odores desagradáveis.

Um ambiente exclusivo, excludente e artificial. Aquilo não é o mundo. Aquilo é um castelo, um prolongamento da SUV blindada e do condomínio com seguranças treinados por ex-agentes da Mossad.

Como tendência que se reforça a cada ano, o restaurante de shopping representa uma derrota amarga. É o abandono, a desistência. É a admissão de que a cidade é um ambiente inóspito e inviável. Em resumo, é o recibo do nosso próprio fracasso.

“Ah, a Europa. Na Europa eu ando sem medo nas ruas.” Claro, Pedro Bó. A Europa é segura porque as pessoas ocupam as ruas –não o inverso.

Eu me recuso a jogar a toalha.

Não consigo enxergar graça numa vida em que o mundo real passa ao largo. Mas, enfim, tem gente que enxerga. Não é a minha turma.

Talvez o MoDi não seja tão benigno quanto eu pensava algumas linhas atrás. Talvez ele lance mão de uma artificialidade mais sórdida do que a do Mac da praça de alimentação. Ele é a negação do inegável. Um simulacro verossímil do mundo “lá fora”, dentro da bolha asséptica do shopping.

A ficha cai quando você paga a conta e assiste, já tarde da noite, ao desmonte do circo. Lojas e galerias à meia-luz, à espera apenas do fechamento do caixa.

Aí vem a depressão. Mas poderia ser pior. Poderia ser noite de domingo.

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