O triste fim do palito de dentes

Um antigo comercial de TV mostrava um homem à mesa de um restaurante. Ele escovava os dentes e enxaguava a boca em um copo de água mineral.

O produto anunciado era um chiclete que, presumidamente, limpava os dentes –e tornava desnecessária a exibição pública de higiene bucal.

Tais exibições eram bastante comuns até algum tempo atrás. Ignoro se alguém chegou ao extremo de escovar os dentes à mesa. Eu já vi o fio dental em ação.

O mais frequente, porém, era palitar os dentes. O ato de futucar o vão entre os molares polarizou o Brasil muito antes da rixa política.

Metade da população sentia repulsa diante do garimpo de restos de comida; os restantes consideravam-se no direito de meter o palito onde quisessem, na hora em que bem entendessem.

A linha de defesa da frente pró-palito era dura de contestar: se o restaurante coloca os palitos sobre a mesa, é de se supor que eles devem ser usados.

Mas os restaurantes removeram os palitos da mesa, e a discussão acabou. Venceu o grupo antipalito.

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Os restaurantes, aliás, eliminaram todo o arsenal da mesa. Galheteiro é coisa do passado. Adeus, saleiro. Até mais, pimenteiro. A gente se vê na pizzaria, azeite.

O saleiro sumiu quando a autoestima dos chefs decolou. Agora todos sabem exatamente a medida de sal que o cliente deve comer. Pedir o saleiro provoca crises existenciais na cozinha.

A remoção do pimenteiro teve um efeito colateral cômico: quando alguém solicita a pimenta-do-reino, o maître traz à mesa um moedor de dois metros de altura, que ele sofre para operar.

Algo parecido ocorre com o queijo ralado. Ele não fica mais num açucareiro. Entendo: é anti-higiênico e oxida rápido. O parmesão chega com um acompanhante humano, o garçom que gira o ralador.

“Já está bom, senhor?” “Um pouco mais, por favor…” “E agora?” “Eu digo quando chega… ei, volta aqui e deixa essa porcaria comigo!”

Quanto ao paliteiro, limpar os dentes era um detalhe. O palito serve para uma infinidade de coisas. Pegar batatinhas. Tentar espetar azeitonas –elas sempre escapam. Jogar palitinho. Mascar a madeira. Distrair crianças.

Os pirralhos adoravam remover a tampa do paliteiro. Com muito cuidado, ele era colocado de ponta-cabeça sobre a mesa, com a tampa em cima da base.

O cliente seguinte derrubava todos os palitos, mas o pequeno terrorista não via. Nunca entendi muito bem o prazer dessa contravenção.

Até isso acabou.

Mas ainda existe o filé a palito. A pizza a palito. Cadê o palito?

Há lugares que oferecem palitos de dente embalados individualmente em minúsculos sacos plásticos. Não consigo imaginar fim mais deprimente para personagem tão importante da mesa brasileira.