São Paulo, capital da gastronomia e do autoengano
Uma efeméride passou em brancas nuvens neste conturbado 2017: há pouco mais de 20 anos, no dia 2 de setembro de 1997, a cidade de São Paulo recebia o título de Capital Mundial da Gastronomia (leia aqui). A honraria foi concedida por representantes de 43 países em um congresso de empresários das áreas de alimentação e hospitalidade no Memorial da América Latina.
Sedenta por títulos chamativos, a imprensa deu ampla divulgação ao prêmio. Apesar da evidente falta de critérios objetivos para a concessão do tal título. E a despeito de existirem no planeta Terra lugares como Nova York e Tóquio, só para citar duas cidades que deixam a gastronomia paulistana no chinelo.
Por que retomar o assunto? Porque há menos de um mês ocorreu outra premiação: em Bogotá, foram entregues troféus aos supostos 50 melhores restaurantes da América Latina.
Sou avesso a esse tipo de ranking, de metodologia nebulosa que favorece os detentores de maior prestígio político. Mas é mesmo de prestígio que estou falando, então ele é válido.
Fiz uma tabulação mequetrefe da tal lista. São Paulo tem seis restaurantes arrolados – sendo o D.O.M., de Alex Atala, o mais bem-colocado (3º lugar). Lima, no Peru, levou dez prêmios. A primeira e a segunda colocação, inclusive.
São Paulo tem 12 milhões de habitantes, contra os 8,5 milhões de Lima. Numa conta bem vagabunda, conclui-se que há em SP um restaurante premiado para cada 2 milhões de almas. Os limenhos contam um troféu para cada 850 mil pessoas – em proporção, o equivalente a 2,35 vezes o número de estabelecimentos premiados da autoproclamada “capital mundial da gastronomia”. E quem conhece Lima sabe o quanto é diminuta a área urbana onde a alta cozinha pode ser praticada.
Não que se coma mal em São Paulo, pelo contrário. Ocorre, porém, que o paulistano tem uma autoimagem gastronômica muito distante da realidade. Ele sinceramente acha que nossa comida é a melhor do mundo. Tece loas a restaurantes de cozinha medíocre e se gaba de aberrações alimentares como o sanduíche de mortadela do Mercado Central. Antes da modinha da pizza napolitana, fulaninho voltava da Itália dizendo que a pizza paulistana era melhor.
Calibrar essa autoimagem é fundamental para definir estratégias realistas e eficazes de fomento para a gastronomia local. Não somos sequer a capital gastronômica da América Latina. A ficha precisa cair.
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Desde o fatídico ano de 1997, a Câmara Municipal de São Paulo concede o “Troféu São Paulo Capital Mundial da Gastronomia” para, segundo a descrição no próprio site da Câmara, “incentivar a mídia especializada a divulgar a gastronomia paulistana”. Penso em inscrever este texto na próxima edição do prêmio.