Mortadela merece respeito: trate-a bem
Eu já esperava contestações quando escrevi, no post anterior, que a cena gastronômica de São Paulo não é tão boa quanto a imagem que o paulistano faz dela. Não contava, porém, com a defesa apaixonada da imagem que usei para ilustrar meu argumento: o sanduíche de mortadela do Mercado Municipal Paulistano, o Mercadão.
Com 300 gramas de mortadela entre duas tímidas bandas de pão francês, o tal sanduíche fez fama no Bar do Mané e se espalhou como cupim em outros estabelecimentos do mercado. A montanha de mortadela é uma aberração óbvia – ou pelo menos eu pensava assim. Se fosse tão óbvia, não faria o enorme sucesso que faz.
Então deixe-me desenhar.
O sanduíche em questão atenta contra todos os critérios que definem a comida de qualidade. É feio, desajeitado, desequilibrado, enjoativo. “Ah, mas valoriza o ingrediente”, alguém poderia argumentar. Muito pelo oposto. Por seu sabor particularmente intenso, a mortadela deve ser comida em quantidades moderadas. E “moderação” não é um adjetivo que se aplique ao mortadelão do Mercadão.
Que fique claro: adoro mortadela. Não troco uma boa mortadela pelo melhor caviar (sem papo furado… não consigo gostar de ovas).
Nem a aparição da cara mortadela italiana nos empórios nais bestas apagou a pecha do ingrediente – comida barata, de baixa qualidade, para gente sem condições de comprar algo melhor. Preconceito puro: a mortadela Ceratti, usada no sanduíche do Bar do Mané, sempre foi bastante boa. E deve ser tratada com o devido respeito.
Não é justo malhar o trabalho dos outros sem apresentar alternativas. Por isso, mostro a seguir como eu acho que um sanduíche de mortadela deve ser.
A começar pelo pão. Como em qualquer sanduíche decente, ele não pode desaparecer em uma avalanche de recheio.
Eu escolhi o pãozinho francês, para manter a tradição paulistana. E 50 gramas de mortadela em fatias finas – 1/6 da porção do Mercadão. Para complementar o gosto salgado e condimentado da mortadela, folhas amargas (usei agrião, mas rúcula também serve), o doce dos tomates maduros e a acidez de uma maionese de limão-cravo.
Na maionese, acrescentei um pouco de doenjang, o equivalente coreano do missô, para um toque de umami. Você pode colocar missô japonês. Pode também deixar a maionese para lá: gotas de suco de limão funcionam perfeitamente.
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Já que falei de mortadela hoje, abordarei o assunto “coxinha” em breve. Não quero parecer partidário.