A falta de restaurantes africanos escancara nosso racismo

São Paulo se orgulha de ser uma metrópole cosmopolita. Uma cidade aberta a viajantes e imigrantes, que absorve e reinterpreta traços culturais vindos de qualquer ponto do país de do planeta. Isso é uma verdade parcial.

Na comparação com outras cidades do Brasil, não há nada mais cosmopolita do que São Paulo. Em relação às metrópoles de outros países, bem…

Limitemos o argumento à gastronomia, que é o assunto deste blog. E tomemos o Dia da Consciência Negra como mote para falar de assuntos incômodos: racismo, xenofobia, falta de interesse em conhecer culturas diferentes.

Quantos restaurantes africanos você conhece na cidade? Eu conheço só um: o Biyou’z, no centro, um notável exemplo de astúcia empreendedora. Camaronesa, a proprietária Milanito Biyouha elaborou um cardápio que passeia por vários países da África: Congo, Angola, Nigéria… Atraiu diversas comunidades de africanos para seu restaurante. Para o brasileiro, que pensa em África como um monobloco, facilitou a experiência ao unir um punhado de culturas que não conversam entre si, necessariamente. Matou dois coelhos com uma caixa d’água só – diria o piadista disléxico.

Biyou escancarou suas portas para os nativos. Seus vizinhos, alguns restaurantes nigerianos na área da praça Júlio Mesquita, cerram os dentes em evidente hostilidade para quem tenta lá comer. À boca pequena, comenta-se que são pontos de encontro de mafiosos.
Eu prefiro pensar que é uma reação. Por que tratar bem quem os maltrata?

A propalada abertura cultural de São Paulo desmorona quando se analisa seu histórico de gastronomia étnica. Apenas as culinárias europeias foram prontamente aceitas.

Os mais jovens devem achar que comida japonesa sempre foi tão banal quanto a temakeria do posto de gasolina. Nada disso. No início dos anos 1980, minha mãe trabalhava em um colégio na Liberdade, bem em frente a uma fila de restaurantes. Tais lugares exibiam, numa vitrine, réplicas em plástico dos pratos do cardápio; na entrada, uma cortina impedia que se espiasse o que havia lá dentro. Era um mistério total. Minha mãe nunca cogitou entrar em algum daqueles restaurantes, assim como a maior parte dos caucasianos que passeavam pela Liberdade. A ideia de comer peixe cru despertava asco. E os japoneses já haviam chegado quase um século antes!

A culinária japonesa só se tornou popular quando virou moda nos Estados Unidos. A infraestrutura já estava instalada: tínhamos os japoneses, o conhecimento e até os restaurantes. Foi fácil criar um mercado sólido de sushi. Com os coreanos, também bastante antigos na cidade, a evolução foi mais lenta: apenas agora, com uma nova geração de coreanos-brasileiros plenamente integrada, é que sua comida começa a se deslocar do gueto para o mainstream.

Quanto aos africanos, habitam a cidade há algumas décadas. Quase trinta anos atrás, quando tive meu primeiro emprego no Grupo Folha, suas roupas coloridas já dominavam o cenário na Barão de Limeira.

Não existe definição universal de gastronomia cosmopolita, então vou arriscar a minha. Uma cidade deve ter restaurantes que representam todas as comunidades residentes e são receptivos à população em geral. É assim em Nova York, em Londres, em São Francisco.

Milagre não existe. São Paulo jamais terá uma cena respeitável de restaurantes mexicanos, tailandeses ou indianos enquanto essas comunidades forem insignificantes do ponto de vista estatístico. Não é o caso dos africanos de diversas origens. Tampouco dos haitianos, nem dos bolivianos. Nós temos o dever de tirá-los da invisibilidade antes de exigir tapete vermelho estendido na porta de seus restaurantes.