Comer em restaurantes de luxo é uma experiência desagradável

 

jantar chato
Jantares formais podem ser chatos e constrangedores. Leve-me para o boteco.

Comer em um restaurante caro, chique e meio besta – para facilitar, vou chamá-lo de “restaurantão” daqui por diante – sempre foi uma experiência desconfortável para mim. Independente da qualidade da comida.

Já vivi o bastante para perder o medo do restaurantão. O incômodo, contudo, nunca vai embora.

Deve ser complexo de classe média sem estirpe, mas para mim é tudo intimidador. Estaria eu à altura do estabelecimento? Para começar, ninguém deixa você encostar em nada: na porta, na cadeira, nas garrafas sobre a mesa. As mesas são tão grandes que um casal de braços curtos precisa se esticar todo para dar as mãos. E o silêncio? Se um garfo de prata cai ao chão, o ruído interrompe os murmúrios – e todos os olhares se voltam para você. Por isso, é melhor brincar de estátua.

O serviço é opressor, onipresente e onisciente. Os copos sempre estão cheios, a mesa sempre está limpa, sempre há um garçom por perto quando você pensa em pedir alguma coisa. Você está sendo observado o tempo todo. Não dá para não ficar paranoico.

O tempo parece estacionar quando ele, o sommelier, se aproxima. Aprendi a sublimar o pânico e desenvolvi uma técnica para passar incólume pelo questionário do especialista. Faço cara de conteúdo, fingindo dúvida, quando a decisão já está tomada: peço sempre o segundo vinho mais barato da casa. Sempre o segundo, pois pedir o mais barato de todos é passar recibo de pobretão. Também estou treinado para conter o instinto assassino quando o indivíduo serve para ele mesmo uma taça do meu vinho.

Ainda que o restaurantão sirva pratos fartos – isso existe, acredite! – as normas de etiqueta são outras. Uma vez, num lugar português metidão, sobrou quase meio quilo de bacalhau. Após intenso debate com a minha mulher, optamos por pedir para embrulhar. Tomamos café, pagamos a conta e… nada da marmita. “Bom, nem nos levaram a sério”, pensamos. E fomos embora sem reclamar. A quentinha nos esperava dentro do carro. Pouparam-nos da imensa vergonha de atravessar o salão carregando uma sacola de comida.

Só os super-ricos frequentam o restaurantão para se divertir, a bordo de suas espaçosas taças de Château Petrus. Os restantes estamos a trabalho. Geralmente, o trabalho de tentar impressionar as outras pessoas à mesa – parceiros (consumados ou não) de negócio, de política ou de sexo.

Aliás, o restaurantão é onde me divirto mais quando vou a trabalho do que a passeio. Mesas de jornalistas reúnem tipos tão chinelentos quanto eu próprio, às vezes até mais. O assunto da roda é trabalho, ou seja: comida, vinho e maledicências gerais. Até os menus-degustação, longos e aborrecidos, ficam mais toleráveis na companhia dos maus elementos. Na condição de convidados de honra, mandamos para o espaço todas as formalidades. Essa é a especialidade do jornalista: viver uma vida que não é a dele.

E seria hipocrisia deixar de mencionar que comer de graça é muito melhor. Não consigo relaxar quando vou a um restaurantão na condição de pagante. “Vamos esquecer que é caro e nos divertir.” “Claro, querida.” Uma figa! Cada água mineral que chega à mesa é uma pontada no coração.

De mais a mais, prefiro lugares que me aceitam como sou: de bermuda. Essa é a razão por que tento reproduzir a comida de restaurantão em casa.