Missionários vegetarianos apostam no terror para converter carnívoros

peta paulista
Manifestação do Peta na avenida Paulista, no ano passado: campanhas do grupo apostam no terror para convencer as pessoas a deixar de comer carne (foto: Zanone Fraissat/Folha Imagem)

Recomendo muito a leitura do artigo “Vegetarianos deveriam ter regras mais flexíveis, defende pesquisador”, publicado na Ilustríssima há alguns dias. Para que você não interrompa de imediato a leitura do meu artigo, vou tentar resumir brevemente seu conteúdo.

O autor – o filósofo italiano Alberto Giubilini, especialista em bioética na Universidade de Oxford – propõe uma situação em que um indivíduo vegetariano é confrontado com uma refeição francamente carnívora. Numa adaptação para a realidade brasileira, aquela pessoa convidada para o churrasco em que o anfitrião se esqueceu de grelhar berinjela e queijo de coalho.

Na argumentação de Giubilini, o sujeito em questão deveria abrir uma exceção à carne, em vez de passar o churrasco todo à base de pão com vinagrete. Que vantagem ele leva? Transmite uma imagem mais flexível do vegetarianismo: o respeito rígido a essa dieta faz com que menos pessoas de seu convívio social queiram adotá-la (ou pelo menos cogitar a redução do consumo de carne).

Na conclusão, o autor pondera que a flexibilização (em que pese a perda da pureza doutrinária) é um meio muito mais eficiente para se atingir o fim desejado pelo vegetariano – a transformação do mundo para melhor. Um mundo com menos consumo de proteína animal. Com mais vegetarianos.

O que incomoda nos vegetarianos é sua vocação evangelista. Poucos são aqueles que perdem a oportunidade de fazer apologia ao próprio estilo de vida.

A recusa da carne, na visão dessas pessoas, é o caminho para a elevação moral. E, como todos aqueles que conhecem a verdade, elas sentem-se na obrigação de propagar a palavra. Como o missionário que se senta ao seu lado no ônibus para puxar conversa. É só trocar a palavra “Bíblia” por “espinafre”.

Em seu esforço de pregação, o vegetarianismo –  e principalmente a falange mais radical, o ativismo vegano – usa o terror para atrair fiéis.

Nas religiões, o terror é o inferno que nos aguarda na morte se não andarmos na linha em vida.

Na doutrinação vegetariana, o carnívoro é confrontado com o sofrimento que seu comportamento causa aos animais. O terror se manifesta em imagens de bois, frangos e porcos criados e abatidos nas piores condições possíveis. Nas campanhas agressivas de grupos como o Peta. Aparece nas palavras escolhidas a dedo – “cadáver” para falar de um hambúrguer, por exemplo.

O discurso inflamado camufla a fragilidade retórica do vegetarianismo. O ramerrão repetido pela militância reduz o consumo de carne a uma questão tão-somente moral. Isso vale para as touradas e o uso de peles. A alimentação é algo bem mais complexo.

A espécie humana é onívora por razões que extrapolam o âmbito cultural. Nosso corpo pede carne. O sistema digestivo e a dentição são preparados para processá-la – não é à toa que temos dentes caninos. A dieta carnívora pode ter sido crucial para o tamanho do cérebro e a inteligência do Homo sapiens (leia aqui um artigo em inglês sobre essa teoria).

Esse argumento é largamente desdenhado pelos vegetarianos. Rebatem-no com a alegação de que, se a carne foi importante para nossos ancestrais, o mundo de hoje oferece plenas condições para uma alimentação saudável exclusivamente vegetal.

Isso é verdadeiro, desde que o indivíduo tenha:

  1. Uma força de vontade férrea: disposição para pesquisar sobre o valor nutricional de cada comida e para fazer uma combinação adequada desses elementos no prato;
  2. Meios para contratar um acompanhamento profissional de sua dieta, com médicos e nutricionista. A substituição de produtos de origem animal por vegetais é algo complexo, e os resultados dependem do metabolismo de cada um.

 

É insensato supor que toda a humanidade poderia reunir tais condições. A maioria dos vegetarianos que eu conheci na vida se jogava na batata frita sempre que a oportunidade surgia. Muitos precisaram repensar a dieta depois de apresentar anemia e outros problemas de saúde. As mulheres, ao engravidar, se jogaram no bife malpassado quando ouviram o chamado da natureza. Nem todas, claro. Algumas insistem em dar inhame cozido até para o pobre gato de estimação.

Ninguém gosta de ver um animal maltratado. Imagens de granjas superlotadas de frangos causam mal-estar nos carnívoros, certamente. O abate de um porco é uma cena lancinante. É justo buscar um jeito de minimizar esse sofrimento. Eu compro frango Korin quando posso, mas nem todos têm dinheiro para isso. A exclusão da carne na dieta, infelizmente, não é uma opção.

“Ah, mas tem a questão ambiental” – outro argumento terrorista. Tem, é óbvio que tem. Só que essa questão é muito maior do que os rebanhos bovinos do mundo. Somos 7 bilhões de produtores de fumaça e lixo. Todos os confortos da vida contemporânea, da higiene pessoal ao transporte aéreo, têm impacto negativo no ambiente. Jogar todo o fardo do aquecimento global sobre a pecuária, como faz o tendencioso documentário “Cowspiracy“, é desonestidade intelectual.

O equilíbrio ambiental só retornaria com uma redução substancial da população humana. Mas o tabu é tão grande que ninguém ousa falar sério nessa hipótese. Todos trabalhamos para crescer e nos multiplicar – não foi essa a ordem que nos deram?

É uma sinuca de bico. Eu, por aqui, acho mais fácil encará-la na companhia de uma feijoada. Se você preferir feijoada vegana, maravilha. Só não estrague o meu prazer de comer paio e costelinha.