O estranho fetiche por restaurantes imundos

Imagine um hotel chamado “Ninho das Pulgas” ou “Cortiço Plaza”: eu não me hospedaria nele, imagino que tampouco você. Falta de higiene e conservação precária são infrações gravíssimas na hotelaria. Quando se trata de restaurantes, porém, a coisa é um tanto mais flexível. Por alguma razão que eu desconheço, o ser humano tem fetiche por restaurantes encardidos. É bacana, é cool comer em lugares decrépitos. E alguns desses estabelecimentos conseguiram capitalizar a própria má fama.

Uma das churrascarias mais tradicionais de São Paulo se chama Sujinho. A matriz, na esquina das ruas da Consolação e Maceió, é um lugar de aparência bastante limpa – assim como as filiais e os filhotes Hamburgueria do Sujinho e Sujinho Fastburger.

A origem da casa é um tanto incerta. O site oficial fala em “mais de 50 anos”, enquanto algumas reportagens apontam uma idade quase centenária. De certo, sabemos que até os anos 1990 o nome do restaurante era Bisteca d’Ouro. Sujinho era um dos dois apelidos. O outro era Bar das Putas – este foi preterido na hora de rebatizar o ponto.

Há de se indagar por que uma churrascaria recebe o apelido – carinhoso – de Sujinho e continua a fazer sucesso apesar (ou por causa) da pecha de seboso.

O Sujinho da Consolação não é um exemplo solitário. Até alguns anos atrás, havia outro boteco com o mesmo apelido na Vila Madalena. Numa esquina da Teodoro Sampaio, em Pinheiros, há um bar com uma placa de tipologia exótica, que pode ser decifrada com algum esforço: Koppo Sujo. Brasil adentro e afora, existe uma série de botecos conhecidos por “pé-sujo”, “mosca frita” e “comeu, morreu”.

Casos de imundície extrema se incorporam ao folclore urbano. Há uma penca deles em São Paulo. Os mais antigos são de difícil comprovação documental.

Contam os antigos que, lá pelos anos 1980, uma confraternização dos executivos de uma montadora ocupou o salão de outra churrascaria na região central da cidade. O chope, a caipirinha, a linguicinha, a conversa em voz alta, as risadas. Tudo ia bem até que uma ratazana rompeu o forro de gesso do teto e caiu em pânico sobre a mesa. O que, obviamente, também gerou pânico na mesa. Não sei se é verdade, mas o lugar em questão virou um estacionamento.

Outro lugar nessa mesma área foi flagrado pela Vigilância Sanitária dessalgando os pertences da feijoada em uma banheira no sanitário dos fundos. Desse caso, também antigo, eu me lembro razoavelmente bem. Porém, como não encontrei nada a respeito no banco de dados da Folha, omito o nome da casa. É um restaurante ainda em funcionamento.

Ocorrências mais recentes ganham dramaticidade com os registros feitos por câmeras portáteis.

Fez história o restaurante chinês da Liberdade que, em 2009, foi interditado por manter frutos do mar vivos em condições insalubres. Um siri caminhava pelo piso do banheiro (veja aqui). Na Tijuca, zona norte do Rio, um reputadíssimo botequim serviu em 2015 um pastel de carne povoado de larvas vivas – e o cliente registrou em vídeo.

Eu mesmo já tive um par de experiências de entomofagia involuntária. Séculos atrás, na adolescência, minha mãe, meu pai e eu fomos a uma prestigiada cantina em Higienópolis – o lugar não existe mais. Todos pedimos nhoque. Depois de acabar com o meu prato, parti para o que o meu pai não conseguira comer. Na segunda ou terceira garfada, encontro meia barata. A maior probabilidade aponta para o meu velho, mas vá saber…

O surpreendente é que casa com incidência e reincidência de interdição por falta de condições sanitárias continuem com clientela fiel e empolgada. É o estranho fetiche pelos pés-sujos. Quem sabe eles passem uma sensação de autenticidade maior do que os salões reluzentes e cheirosos. Ou talvez seja a biologia evolutiva: sobrevivemos àquela podreira toda, então concluímos que “o que não mata engorda”.

É verdade que essa relação afetuosa com o imundo acaba no primeiro contato imediato de terceiro grau com um inseto ou roedor. Por isso, eu evito ir ao banheiro em restaurantes de que gosto, mas desconfio das condições sanitárias. É no banheiro que a porqueira se revela. E vai que um siri sai da privada para me beliscar…