O segredo da feijoada nota 10
Gelatina é o segredo.
Você pode fazer o teste com gelatina em pó incolor, a vida é sua. Eu nunca tentei, pois acho feijoada um troço precioso demais para um risco desse tamanho. De qualquer modo, a gelatina industrial traz textura, mas nenhum sabor.
O sabor está exatamente nos pedaços do porco que os comedores sensíveis rejeitam: orelha, pé, rabo e focinho.
Essas partes ficam de fora da tal feijoada magra, que cada lugar chama de um jeito: light, nobre, gourmet… Aquela que só tem carne-seca, linguiças e costelinha. Pode reparar que a feijoada light sempre tem caldo ralo. Porque ela é um tremendo erro conceitual.
Pé, orelha e focinho não são pertences gordos (o rabo, vá lá, tem uma boa dose de banha). Eles são riquíssimos em proteína. O colágeno, componente do tecido conjuntivo (tendões e cartilagem) e da pele. Aquecido longamente em meio líquido, o colágeno derrete para se tornar gelatina. E a gelatina deixa o caldo da feijoada completa porcoliciosamente espesso e rico. Chamemos a outra, portanto, de feijoada pobre.
(Só para constar, é assim que se fazem aquelas balas alemãs de ursinho – com pele de porco. Um tempo atrás, circulou um vídeo “denunça” na internet, que escandalizou meio mundo. É incrível que haja adultos ignorantes a ponto de não saber de onde vem a gelatina.)
Voltando à feijoada, vamos ao modo de preparo.
Se você fuçar no Google, vai achar um zilhão de receitas demoradas e complicadas, que pedem um ou até dois dias de antecedência para a dessalga e o cozimento das carnes. Eu não tenho paciência para isso.
Eu resolvo a parada com uma panela de pressão. O resultado é excelente, acredite.
Não sou um purista da feijoada. Cada um põe suas carnes favoritas na receita. Até porque a receita integral é impossível de ser feita em quantidades moderadas.
Carnes salgadas não me falam ao estômago, e o defumado eu obtenho com paio, linguiça e bacon. Os outros pertences – pé e costelinha – são frescos. Na minha feijoada, repito. Você que use o que achar melhor.
Todo açougue bom vende pé de porco fresco. Como o negócio é feio e tem zero glamour, fica sempre guardado lá no fundo da loja. Nem perca seu tempo procurando pé de porco no balcão refrigerado. Fale direto para o açougueiro. E peça para ele cortar em pedaços menores – mais superfície exposta aumenta a eficácia da extração de gelatina.
Cozinhe o pé na pressão por duas horas. Coe o caldo resultante, pois essa parte tem dezenas de ossinhos que você não vai querer no seu feijão. Descarte os ossos e devolva o resto para o caldo. Como eu não gosto da textura molenga da pele de porco cozida, bato tudo no liquidificador. Esse truque produz um caldo turvo, leitoso, muito parecido com a sopa do lámen tonkotsu.
Aí você cozinha, nesse caldo, o feijão com a costela e umas folhas de louro. Quando estiver quase pronto, acrescente as linguiças inteiras e um refogado de bacon, cebola e alho. Deixe borbulhar em fogo baixo por mais uns dez minutos. Então tire todas as carnes e reserve até esfriar um pouco para separar as costelas e fatiar as linguiças.
A feijoada está nos trinques quando o caldo estiver espesso (mas sem explodir os caroços de feijão). Ajuste o sal. Junte as carnes picadas. Aqueça-as por cinco minutos.
E corra para o abraço.