Estrogonofe russo não tem ketchup nem arroz
Não dou a menor pelota para futebol, mas é ano de Copa. Em ano de Copa, não dá para fugir do futebol. Ele nos cerca por todos os lados. Nem quem escreve sobre comida consegue escapar.
A Copa da vez acontece na Rússia, um país estranho para os brasileiros. Conhecemos muito melhor as culturas do Extremo Oriente – japonesa, chinesa e coreana – do que a russa. Recebemos relativamente poucos imigrantes russos. Não é uma comunidade especialmente aberta. Música, só sabemos recitar os clássicos. Idem para a literatura. Para os ignorantes que nunca viajaram à Rússia (como eu), o país é uma gigantesca fortaleza gelada cheia de bombas atômicas e vodca.
E a comida russa? Ah, isso é fácil: estrogonofe.
Todo mundo conhece estrogonofe. Sem exagero: todo o mundo o conhece. O prato é popular na França, nos Estados Unidos, na China, no Japão, na Austrália. Cada lugar modificou o estrogonofe a gosto. Os chineses introduziram o arroz. Os americanos preparam macarrão como acompanhamento. Nós, brasileiros, adicionamos ketchup à receita.
Nada contra o ketchup – eu disputo a bisnaga com meu filho de 5 anos quando vamos comer hambúrguer. No estrogonofe, tenho minhas reservas. Se usado com sapiência, o ketchup dá cor, acidez e doçura na medida. O problema é que sapiência é o mais raro dos artigos: na maior parte das vezes, o estrogonofe com ketchup é enjoativo.
Assim, nunca peço o prato quando vou comer fora.
Mas resolvi tentar fazer em casa. Fui buscar uma receita que fosse ao menos parecida com a original russa.
Graças ao Google Tradutor, descobri que nem os russos têm uma ideia precisa do que é o estrogonofe. Ele está presente nos lares de São Petersburgo a Vladivostok. Apesar de popular, não é tradicional.
Explico: o estrogonofe não surgiu das tradições camponesas, é um prato inventado para a aristocracia russa.
Seu nome homenageia o conde Alexander Stroganov (1795-1891), cujo cozinheiro teria criado a receita.
Há pelo menos duas versões dessa história. Em uma delas, o conde mantinha em Odessa, onde era governador, uma mesa aberta: lugar em que recebia e alimentava gratuitamente qualquer pessoa educada e bem vestida. Aparentemente, isso era comum entre os nobres e muito ricos. E o picadinho de carne, por ser fácil de dividir em porções, era uma refeição recorrente nessa casa.
Prefiro a segunda versão, mais divertida: o estrogonofe teria sido inventado para o próprio conde, quando este já estava banguela e não podia mastigar pedaços maiores de carne.
Quanto à receita, existem apenas tentativas de resgatar a original. Todas levam creme de leite (em geral, creme azedo). Algumas têm mostarda, outras têm tomate. Cebola e cogumelo surgiriam mais tarde na fórmula. Para acompanhar, batatas fritas e tomate.
Procurei, então, uma receita contemporânea russa.
A que mais me apeteceu foi a do blog Vikalinka, de uma fotógrafa russa residente em Londres.
O que me agradou na receita:
- A explicação sobre a importância do uso de uma panela de ferro para fritar a carne. O molho que se forma com o sumo que gruda na panela é essencial no sabor do estrogonofe.
- A combinação de ingredientes: cebola, cogumelos frescos, creme, brandy, mostarda ancienne e páprica.
- A sugestão da carne de porco como alternativa. A autora diz que a carne deve ser macia. Melhor usar porco do que um corte duro de boi. Os russos, segundo ela, usam sempre (queria mostrar a essa moça um crepe de estrogonofe de camarão com palmito, só para ver sua reação).
- O purê de batatas como acompanhamento. Arroz é meio sem graça e, com tanta gordura na carne, dispenso a fritura da batata. O blog fala em purê e picles de pepino. Como não sou guardião da tradição alheia, troquei os picles por uma salada de repolho roxo cru. Cor, textura e acidez. Também omiti a manteiga, pois ela iria queimar na altíssima temperatura da frigideira.
A seguir, a minha versão do estrogonofe:
Ingredientes
200 g de cogumelos paris ou portobello frescos
1 kg de filé mignon de boi ou de porco, em uma peça inteira
1 cebola grande picada
1 folha de louro
3 colheres (sopa) de óleo vegetal
100 ml de brandy ou uísque
1 colher (chá) de mostarda ancienne (com grãos)
1 colher (chá) de páprica picante ou defumada
100 ml de creme de leite fresco
Sal, pimenta-do-reino, tomilho e manjerona a gosto
Modo de fazer
- Limpe a peça de carne, reservando as aparas.
- Aqueça em fogo alto, por pelo menos 5 minutos, uma frigideira grande e grossa de ferro fundido.
- Fatie os cogumelos e grelhe-os. Reserve.
- Na mesma frigideira, toste as aparas de carne. Ponha-as para ferver com meio litro de água, um punhado de cebola e o louro.
- Corte a carne em tiras e tempere-a com sal. Adicione o óleo à panela e doure a carne em etapas, evitando empilhar as tiras e salgando cada batelada. Reserve.
- Adicione a cebola e grelhe até amaciar. Junte o brandy, a mostarda e a páprica. Mexendo, deixe ferver até o álcool evaporar.
- Junte 300 ml do caldo das aparas. Quando ferver, devolva a carne e os cogumelos à panela. Acrescente o creme de leite e cozinhe até engrossar. Ajuste o sal e tempere com pimenta e ervas. Sirva quente com purê de batatas e repolho roxo.