Fim da crise vai matar a modinha do hambúrguer gourmet

A onda de hamburguerias que assola o país tem data para acabar: o dia em que a economia melhorar de vez.

Parece contraditório que a retomada venha a prejudicar um dos poucos nichos em crescimento no setor da alimentação. Mas não é. As hamburguerias são filhas da crise. Para sobreviver, até chefs consagrados embarcaram na modinha do pão com carne.

Como a paleteria mexicana de meia década atrás, a hamburgueria é um meio de simplificar a operação a fim de oferecer um produto acessível ao consumidor depauperado.

Mas a semelhança termina aí.

As paletas são uma mandracaria, uma nova embalagem para aumentar o preço – “valor agregado”, ai, ai – do velho picolé.

Já o hambúrguer se sustenta em pé. Mesmo o tal “hambúrguer gourmet”, por mais constrangedor que seja esse termo. É uma tendência em outros países (ou pelo menos já foi) e, quando benfeito, não perde para nenhuma outra comida. Apesar da minha antipatia com o nome e o conceito das hamburguerias (leia aqui), preciso admitir: na média, elas elevaram a qualidade dos sanduíches servidos em lanchonetes. Ocuparam um espaço até então vago, entre as redes de fast food e as casas mais sofisticadas, em que o hambúrguer divide o cardápio com outras comidas.

O hambúrguer entra na mesma categoria que a pizza e o temaki. Para o dono do negócio, facilita tudo. Menos produtos, menos fornecedores, menos processos, menos desperdício. E mais margem de lucro. Numa análise bem crua, um hambúrguer não passa de um pão com acém moído – ou outra carne igualmente barata. Pode ser a carne mais saborosa do mundo, mas não deixa de ser barata.

Tão barata que nem a altíssima margem do comerciante encarece demais o produto. Na outra ponta, o consumidor sente que paga um preço justo por uma comida decente. Enquanto for vantajoso para todas as partes, está lindo.

A retomada da economia provavelmente vai romper esse equilíbrio. Com mais dinheiro no bolso, é natural que o consumidor volte a comer fora em lugares com cardápios mais variados. Se a demanda cai, a oferta de hambúrguer se torna excessiva. Já vimos este filme antes: vêm as promoções, a queda dos preços, aquelas faixas horrorosas penduradas na frente do estabelecimento e, ao cabo do processo, o fechamento de muitas casas.

Só os melhores sobreviverão.

Imagino que isso vá ocorrer com mais intensidade em São Paulo (e, vá lá, no Rio), onde já existia um mercado consolidado de hambúrguer bem antes da multiplicação das hamburguerias.

Nas outras praças, em especial nas cidades menores, é bem possível que mais lanchonetes permaneçam. Pense em uma cidadezinha qualquer do Sul, acostumada ao “xis”, com milho e ervilha enlatados, do trailer da praça da Matriz: agora ela tem um “burger” angus, com cheddar e geleia de bacon artesanal, servido num food truck por um barbudo com orelha alargada. É um tanto ridículo, mas configura um salto de qualidade.

Eu posso estar errado, mas espero estar certo.

Aguardo ansiosamente o dia em que o setor de alimentação volte a investir em algo mais emocionante do que amassar carne moída na chapa.