Por que a cozinha francesa é superior à italiana
Antes de começar a minha defesa, peço atenção a um detalhe: o título diz “cozinha”, não “comida”.
Mas qual a diferença?
Comida é o alimento em si, os pratos típicos de cada população. Lasanha é uma comida italiana; sopa de cebola gratinada é uma comida francesa. A melhor? Questão de gosto.
Já a palavra “cozinha” – ou “gastronomia” – se refere à cultura culinária de um determinado grupo de pessoas. Os recortes possíveis são infinitos. Existem a cozinha francesa, a cozinha italiana, a cozinha vegetariana, a cozinha mediterrânea, a cozinha “low-carb” e por aí vai.
Trato do assunto porque hoje ocorre o festival Gôut de France, uma iniciativa da diplomacia francesa para promover sua culinária em 150 países. No Brasil, cerca de 80 restaurantes oferecem um jantar especial para celebrar o 21 de março. Uma demonstração formidável da força da gastronomia da França.
(Antes que algum velhaco me acuse de ser vendido, digo que não recebi nada para escrever isto. Sequer fui convidado para o evento de lançamento do festival. O que me ressente un petit peu.)
A culinária francesa é superior à italiana – e a qualquer outra no mundo ociodental – por causa da abordagem acadêmica, quase científica. Os franceses compilaram, sistematizaram e organizaram tudo o que se refere à preparação de alimentos. Romperam com tradições milenares ao divulgar essa informação a quem tivesse interesse por ela – em enciclopédias, escolas e quaisquer outros meios. Transformaram a cozinha, antes um afazer doméstico sem prestígio algum, em ofício de nível técnico.
Enfim, a França inventou uma gastronomia baseada em métodos e procedimentos que podem ser reproduzidos em qualquer lugar. Muito daquilo que você compra como se fosse “comida brasileira” ou “cozinha espanhola” é, na verdade, culinária francesa com roupagem regional. A cozinha francesa está em toda a cozinha ocidental moderna, inclusive na italiana.
Não vale argumentar que a gastronomia moderna foi levada de Florença para a França por Catarina de Médici. Isto não é uma competição de quem fez primeiro. O aprendiz superou o mestre, e muito. Não é à toa que metade do vocabulário da cozinha – de “menu” a “filé” – venha do idioma de Balzac, Proust e Zidane.
A culinária francesa é a única no mundo que não precisa de ingredientes locais e preparações típicas. No Brasil, por exemplo, caras como Laurent Suaudeau e Claude Troisgros fizeram o diabo com jabuticaba, mandioquinha, goiaba, peixes do Atlântico Sul e o que tinham à mão – isso nos anos 1980, quando importar comida era um pesadelo kafkiano. Apesar de construída com elementos tropicais, sua cozinha é indiscutivelmente francesa.
Já a culinária italiana, minha favorita, segue dependente dos produtos regionais.
Tente imaginar um restaurante italiano que nunca sirva um prato de massa.