Discriminado e injustiçado, o frango merece mais uma chance
“Tastes like chicken” – “tem gosto de frango” – é uma expressão norte-americana usada quando alguma comida é inofensivamente insípida. Frango, lá e cá, virou sinônimo de falta de graça e criatividade à mesa. Em muitos restaurantes, ele aparece como uma alternativa para crianças e gente que vive em dieta. Quando o frango surge com algum destaque no cardápio, tem outro nome: frango caipira ou galinha caipira. Acredita quem quiser.
Uma tremenda injustiça com o frango. Se ele tem gosto e textura de papelão, a culpa é dos cozinheiros.
Verdade que o frango de granja não tem todo esse sex-appeal. Aves inchadas na marra para o abate mais precoce possível. O frango caipira de verdade, criado solto03 tem carne muito mais saborosa – você o reconhece pelas coxas longilíneas e a pele amarelada –, mas não é tão fácil de se achar. No meio do caminho, há os galináceos “do bem”, criados sem antibióticos etc. etc.
É mais uma questão ética do que gastronômica. Qualquer frango, até o mais humilde, pode ser uma iguaria.
O problema é que, a pedido da clientela, os restaurantes maltratam demais essa carne. O frango se tornou combustível para o povo da academia, que pensa em comida como um incômodo necessário. O peito, corte mais magro e menos saboroso, é a regra.
E dá-lhe tempo na panela, até ressecar e perder a última gota de sabor. Porque existe um medo exagerado de contaminação por carne malcozida.
Não tem que ser assim.
A carne de frango é um excelente veículo de sabores. Precisa de uma boa dose temperos para ficar bom – ao contrário da crença generalizada, sua carne tem características marcantes, algo que alguns definem como “gosto de galinheiro”. Bem temperado, fica ótimo.
O peito do frango é realmente problemático. Prepará-lo direito exige timing muito preciso, pois há um intervalo muito curto entre o malpassado e o esturricado.
Já a carne escura – coxas, sobrecoxas e asas – é tranquilíssima de se fazer. Eu só consumo essas peças, deixando o peito para a galera fitness.
Dê mais uma segunda chance ao frango.
Sugiro que você o prove em um restaurante japonês. Isso mesmo: os japoneses são ases (não asas) na arte de cozinhar frango frito ou grelhado. Tente o karaage (frango frito) do Bueno, perto da avenida Paulista, incrivelmente úmido e saboroso. Ou qualquer um dos espetinhos do Yakitori, casa de Moema especializada em frango grelhado.
Indianos, chineses e árabes também tratam muito bem o penoso. As culinárias ocidentais, curiosamente, não dão o devido cuidado à ave. Porque concentram toda a atenção nos ovos, talvez. Fora uma versão de frango assado aqui, outra ali, o que temos são cozidos em que a pele fica molenga.
As exceções, como de hábito, são o que torna a coisa interessante.
Quer saber quem faz um franguinho ultra decente? A rede Galeto’s. O galeto desossado vem no ponto exato e com tempero OK. O ponto é perfeito até no peito da ave.
Em casa, eu proponho que você compre coxas, sobrecoxas ou ambas. E que as asse em forno médio dentro de uma panela tampada, para reter o vapor, por cerca de duas horas. O tempero precisa ser líquido: sucos cítricos, vinho, cerveja. Eu faço uma mistura meio fusion de saquê, missô, shoyu, alho, cominho e páprica defumada (sem sal, pois missô e shoyu são bombas de sódio). Uma cama de cebolas em rodelas no fundo da panela se mistura ao tempero; juntos formam um molho espetacular para o franguinho.