Para que serve a comida besta dos restaurantes de luxo?

O que eu chamo, aí em cima, de “comida besta” é aquilo que chefs e críticos conhecem por “alta cozinha” ou “alta gastronomia” – haute cuisine, em francês. Expressões meio bestas, né? Então decidi trocar.

Abordo o assunto porque acaba de fechar permanentemente o Tête à Tête, um dos melhores restaurantes de cozinha autoral em São Paulo. Fui uma vez. Comida muito boa, mas o que me impressionou mesmo foi o tamanho da porta de entrada. Imensa. E o silêncio. Não me sinto à vontade em ambientes assim, já disse em outro post.

Também nesta semana, o crítico Josimar Melo publicou uma coluna em que compara a alta gastronomia à ópera, em oposição às manifestações populares de cultura e cozinha. Há espaço e momento para uns e outros, argumenta. Concordo plenamente, embora não compartilhe com Josimar o entusiasmo pela culinária de vanguarda.

O ponto central do argumento de Josimar é: a alta cozinha carpe o terreno que mais tarde será ocupado pelos reles mortais. É um laboratório, como a F-1 para a indústria automobilística.

É para isso que serve a comida besta dos restaurantes caros. Pratos que hoje são banais, como o estrogonofe, foram grandes inovações em outras épocas.

Você não precisa gostar da culinária de alta gama para admitir sua importância. Eu tenho muitas ressalvas. E nenhuma delas é o preço.

As hordas das redes sociais já sentenciaram: restaurantes de luxo esfolam a clientela para locupletar os chefs e/ou proprietários. Equivocado, muito errado.

Como já disse à Folha o chef Leonardo Paixão, do mineiro Glouton, o valor da conta é o trabalho do cozinheiro, não a soma dos preços dos ingredientes.

Essa é a justificativa nobre para os preços salgados. Pesa ainda mais a razão mundana: alta gastronomia dá prejuízo. Imóveis caros com poucas mesas, equipe numerosa e bem treinada, equipamento de ponta, louças e cristais à altura da exigência de uma clientela mimada. Tudo isso gera uma despesa quase impossível de se cobrir. Restaurantes de luxo precisam ser caros – e ainda assim não fecham a conta no azul.

É por isso que o Tête à Tête fechou. Também é por isso que Paola Carosella e Erick Jacquin só vieram a ganhar algum dinheiro depois que se tornaram celebridades do MasterChef e garotos-propaganda de uma série de mercadorias.

Nunca voltei ao Tête à Tête por causa da porta grande demais. Ela parecia a entrada do castelo do gigante dos contos de fada (nunca perturbe o gigante!). Vê-la fechada para sempre, porém, me desalenta – tudo bem, isso já ficou banal nestes tempos sombrios.