Um guia para entender o blablablá dos especialistas em vinho
Desde que comecei a trabalhar com jornalismo gastronômico, fui a algumas dezenas de degustações de vinho – e outras tantas de cerveja. Sempre entro quieto e saio tagarelando, pois tenho por regra nunca cuspir. E sempre preciso me conter para não cair na risada com os comentários dos outros ocupantes da mesa.
Para quem desconhece o vocabulário do vinho, soam muito extravagantes descrições como “asfalto molhado” ou “grama recém-cortada”. Não é o meu caso – eu acho engraçado porque sou meio panaca, mesmo.
A verdade é que os especialistas em vinho exageram, viajam na maionese com suas figuras de linguagem. Falar enrolado é um recurso bastante fácil para esconder a falta de noção: quem vai contestar se o indivíduo percebeu ou não morangos silvestres e cardamomo em uma taça de vinho?
À parte o rolandolerismo das degustações, há muito nesse jargão que faz sentido. Quando um provador detecta determinado sabor na bebida – pêssego, por exemplo – não significa que haja pêssego na taça (aos iniciados, perdão pela obviedade). Isso quer dizer que o vinho em questão tem algum composto químico similar ao do aroma do pêssego.
Não tenho pretensão alguma de esgotar o assunto, mas arrisco abaixo um pequeno guia para entender o palavreado dos eno-entendidos.
Abacaxi: aroma bastante comum em vinhos brancos da uva Chardonnay.
Acidez: característica gustativa que deve estar presente em todos os vinhos. Não é um defeito. A descrição técnica, contudo, não deve mencionar um “vinho ácido”, muito menos um “vinho azedo”. O correto é usar as expressões “acidez marcante”, “acidez vívida” etc. Coisas dos salamaleques que imperam nesse meio.
Animal, animalesco: conjunto de odores que podem ou não ser resultantes de contaminação do vinho. É daí que saem as pérolas mais divertidas das degustações: cachorro molhado, cavalo suado, couro, cabra, estrume, carne assada…
Baunilha, coco: aromas bastante comuns em vinhos com passagem em barris novos de carvalho americano.
Betume: o mesmo que piche, asfalto ou alcatrão. Cheiro encontrado em alguns vinhos tintos. Há quem goste.
Chato: diz-se de um vinho com baixa acidez, que não estimula as glândulas salivares sublinguais. Nada a ver com enochato.
Diesel: cheiro que deve estar presente na maioria dos bons vinhos da uva riesling. O curioso é que 99 entre 100 especialistas em vinho nunca foram apresentados pessoalmente ao óleo diesel. Com um pouco de boa vontade, dá para descrever essa característica como aquele odor que você sente quando vai abastecer o carro na estrada, em um posto de caminhoneiros.
Enófilo x enólogo x sommelier: são três palavras que confundem a rapaziada leiga. Enófilo é quem gosta de beber vinho. Enólogo é um cidadão com formação técnica voltada para a produção de vinhos. Sommelier é o profissional treinado para degustar, que serve, vende e recomenda vinhos. Usar um termo no lugar de outro enfurece os especialistas. Dependendo da ocasião, isso pode ser divertido.
Especiarias: coisas como pimenta-do-reino, noz-moscada e semente de coentro. São aromas relativamente comuns, em especial nos tintos da uva syrah/shiraz.
Floral: vinho com aromas que lembram os de uma flor.
Frutado: um vinho cujo aroma remeta a qualquer uma das frutas listadas abaixo.
Frutas amarelas: pêssego, damasco e nectarina, principalmente. Aromas encontrados em vinhos brancos.
Frutas brancas: maçã, pera, melão. De novo, dos vinhos brancos.
Frutas cítricas: limão, laranja e correlatos.
Frutas vermelhas: morango, framboesa e cambada. Típicas de vinhos tintos jovens.
Frutas secas: ameixas, passas, tâmaras. Comuns em vinhos envelhecidos.
Frutas tropicais: maracujá, abacaxi, mamão, carambola, atemoia, goiaba, jaca, enfim, qualquer fruta de clima quente que os caras que inventaram a degustação de vinhos – europeus, é claro – não conhecem direito. Terreno fértil para a eno-picaretagem. Para enganar com relativa segurança, tente espécies realmente exóticas ou inexistentes: cupuaçu, umbu, camu-camu, murici, bacuri, japaranguaba, cutimirim.
Galinha d’angola: até hoje ninguém encontrou este aroma num vinho. Você pode ser o(a) primeiro(a).
Manteiga: gosto bastante comum em brancos (especialmente chardonnay) envelhecidos em barril.
Pernas ou lágrimas: o rastro resultante das gotas que escorrem após você girar a taça de vinho. Proceda da seguinte forma com o ritual: primeiro aprenda a rodar o copo sem derramar, então vá em frente como se fosse a coisa mais natural do mundo (de preferência, sem olhar para a taça). Em seguida, levante e incline a taça. Aperte os olhos para observar atentamente – sacar um par de óculos nessa hora é o golpe de mestre. Por fim, dê um gole e assegure-se de que os presentes verão sua cara de satisfação. Não diga nada. Só arrote se você for uma pessoa muito considerada no meio.
Rolha: quando o sommelier a colocar à sua frente na mesa depois de abrir a garrafa, leve-a ao nariz, cheire e acene com a cabeça. Até hoje, sempre deu certo para mim. Na real, o melhor a fazer é guardá-la no bolso para desenhar o bigode de rolha queimada nas festas juninas.
Taninos: substâncias de defesa dos vegetais, causam sensação adstringente na boca. Estão presentes na madeira dos barris, nos talos e nas sementes, mas principalmente na casca das uvas. Por isso, são mais notados nos vinhos tintos. A adstringência varia de acordo com o tipo de uva e tende a suavizar com a passagem do tempo. Se você tomar um vinho tinto que não amarra a boca, diga com confiança: “taninos arredondados”. E aguarde a aquiescência dos convivas.
Violeta: cheiro comum nas variedades malbec e touriga nacional. Para impressionar seus amigos xucros, descreva com essa palavra aquele argentino ou portuga que você comprou por trintão no supermercado.
Uva: nunca, jamais use essa palavra para descrever o sabor de um vinho. Você cairá em ridículo para toda a eternidade no ambiente enófilo. Apesar de ser a matéria-prima do vinho, a uva – ou melhor, seu aroma – é considerada um defeito. Relacionam o cheiro à uva de mesa e ao aromatizante artificial usado em doces.
Xixi de gato: quem tem gato conhece o cheiro. Quem não tem pode mentalizar goiabas maduras e maracujá. Razoavelmente comum na sauvignon blanc.