Boteco vietnamita cobra extra por comida sem coentro
Hoje estreio como membro do painel que avalia os restaurantes paulistanos no Guia Folha. Para não ser injusto com os estabelecimentos visitados – um par de estrelinhas e meia dúzia de palavras nem sempre passam a mensagem completa –, passo também a resenhá-los aqui todas as sextas-feiras. A primeira vítima é o Bia Hoi, autodenominado “vietpub” no centro.
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É forçoso admitir que nós, brasileiros, somos ignorantes em relação ao Vietnã. Fora meia dúzia de mochileiros profissionais que encararam a viagem até lá, ninguém por aqui sabe direito o que se passa naquelas lonjuras.
Abastecido pelo cinema norte-americano, nosso imaginário vietnamita é habitado pelo Rambo e pelo Chuck Norris. Armadilhas na selva, vietcongues sorrateiros, napalm pela manhã… é tudo o que conhecemos.
Pudera. Não temos uma comunidade vietnamita numerosa e ativa – ao contrário dos Estados Unidos (que fizeram a lambança nos anos 60 e 70) e da França (que invadiu o Vietnã antes dos gringos).
Nesses países, comida vietnamita se encontra em qualquer esquina. No Brasil, ela é uma incógnita.
Só por isso o Bia Hoi, boteco viethipster do centro de São Paulo, já valeria a experiência. Mas tem mais: a cozinha manda bem.
Para não dizer que não conhecia necas de pitibiriba da comida vietnamita, eu tive quatro experiências de segunda mão. Duas em São Francisco, uma em Berlim e a última em Moema, num restaurante chamado Miss Saigon.
No último, a decoração de juncos e tropicalismo oriental não caiu bem em um dia particularmente quente, com uma sopa (o pho) igualmente fumegante e cheia de aromas exóticos. Eu me senti como o capitão Willard, empapado de suor na floresta, em busca do coronel Kurtz.
O Bia Hoi – “chope” em vietnamita – foge dessa pegada meio folclórica.
Pelo contrário, o lugar tem todo o jeitão de um ponto de encontro de hipsters (que de fato ele é). Tijolos parcialmente expostos, pôsteres de mercado de pulgas, parede-lousa riscada a giz, trilha sonora roqueira.
Com poucos lugares – é complicado acomodar um grupo maior do que quatro pessoas –, fica no primeiro quarteirão da Rego Freitas. Só é possível chegar lá subindo a Consolação ou a Ipiranga.
Mas vamos à comida.
Dani Borges, a dona, foi de férias ao Vietnã. Adorou o que comeu, estudou e resolveu reproduzir a culinária vietnamita em São Paulo.
Até onde eu pude captar, essa cozinha busca o equilíbrio de sabores e aromas. O salgado do nuoc cham, um molho de peixe fermentado semelhante ao nam pla tailandês – uma fedentina assustadora no nariz, mas surpreendentemente suave quando aplicado com cautela na comida. O doce do leite de coco. O umami, o ácido. O picante, quase sempre à parte. As múltiplas fragrâncias do capim-limão, do anis-estrelado, da canela. Funciona.
Quase me esqueço de falar do coentro. Ele está em quase todas as preparações. Se você tem coentrofobia, fuja. Ali é um templo de adoração à erva: um aviso na parede anuncia a cobrança de R$ 1 extra na comida sem coentro. Não sei se é verdade, já que na minha mesa ninguém tinha essa fresc… restrição alimentar.
Comece com o bahn goi, excelente pastel de carne de porco. Uma opção de petisco mais clássica é o goi cuon, misto de folhas, legumes e camarão (este opcional) enrolados em papel transparente de arroz. A galera adora o frescor do rolinho… não é a minha praia. Assim como não me comove demais o banh mi, sanduíche na baguete com pepino, cenoura, coentro, nabo, hortelã e uma opção de carne ou tofu.
Como prato principal, aceitei a sugestão da garçonete e pedi o carro-chefe da casa: thit kho to, porco em molho de leite de coco queimado. Adocicado, mas não demais. Fica muito bom misturado ao arroz grudento que acompanha.
Não se assuste com os nomes dos pratos. O serviço é treinado para ajudar e a parede é cheia de diagramas explicativos. “Bo” é boi. “Ca phe” é café. Maravilha, dá para chegar em Hanói falando português… não.
Por falar em nome, o que batiza o restaurante revela a vocação cervejeira do ponto. Além de um bom chope Blondine, há long neck Heineken e algumas opções de produtores menores como Júpiter e Dádiva.
Saí de lá sem saber se a cozinha da Dani Borges é autêntica ou não – por ignorância minha, volto a sublinhar. Agrada, isso é o que importa, e o lugar é bastante simpático para quem quer tomar um bia hoi ou vinte.