Há mães que cozinham mal, mas não a sua
Existem mães que cozinham mal. Não a sua, é claro —nunca me passaria pela cabeça uma sandice tão grande. Mas elas existem.
O conceito da mãe que cozinha mal pode ser compreendido sob a luz de teoria controversa: mães também são seres humanos. Cada uma tem um leque limitado de talentos e aptidões. É compreensível a relutância em aceitar tal ideia. A mãe nos alimenta desde antes do nascimento —não é fácil admitir que essa alimentação merece, sei lá, duas estrelas do Guia Folha.
Conheço alguns casos de aceitação. Na época de faculdade, um amigo inventava aulas vespertinas para fugir da comida materna. Almoçava cinco vezes por semana no bandejão da USP.
O reconhecimento da falibilidade materna é parte de um doloroso processo de crescimento emocional. Há um punhado de motivos para gostarmos da comida da mãe. Ela é familiar —e põe familiar nisso. É segura. Devemos retribuir os cuidados que recebemos. A tão propalada #gratidão.
Sem que ninguém perceba claramente, rola um joguinho entre mães e suas crias. Para mantê-los por perto, ela dá os alimentos que mais agradam aos filhotes; estes usam as armas infantis de persuasão para obter os pratos prediletos.
É um ciclo que deve ser quebrado em algum momento da adolescência. Quando isso não acontece, surgem os adultos de paladar imaturo.
Eu relutei muito até entender que minha mãe não cozinhava tão bem assim. Ele fazia um maravilhoso molho de tomates —dona Ana é puro-sangue italiano. Um feijão que eu nunca consegui igualar. Meus amigos compareciam todos os sábados para filar uns pedaços da pizza, quadrada e de massa fininha, que ela assava.
Já o lombo do Natal —ai, ai, ai— estava sempre ressecado. Tudo bem, pois a farofa de pão não era deste mundo. Quando dona Ana deixou de cozinhar, por causa da idade, eu recriei a receita (veja abaixo) a pedido de minha filha.
Talento na cozinha não deve ser medida de amor. Feliz Dia das Mães para todo mundo.
FAROFA DE PÃO DA DONA ANA BERTONI
Ingredientes
Farofa
Pão amanhecido
Azeite
Alho
Azeitonas pretas descaroçadas
Molho
Azeite
Cebola
Tomates maduros
Sal e pimenta
Finalização
Ovos cozidos (eu gosto muito, muito mesmo, desta receita)
Salsinha, cebolinha, manjericão e/ou as ervas que você quiser usar
Preparo
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Triture o pão dormido, que deve estar bem seco. Se não tiver pão velho, fatie o pão fresco e leve-o para secar no forno baixo antes de fazer a farinha de rosca.
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Numa frigideira fria, coloque bastante azeite e lâminas de alho. Ligue o fogo bem baixo e frite o alho até dourar (com muito cuidado para não queimar).
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Junte a farinha de rosca e misture. Adicione as azeitonas em pedaços. Reserve.
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Numa panela, refogue a cebola fatiada no azeite, até amolecer e ficar transparente. Junte os tomates picados e cozinhe em fogo alto até secar um pouco, mas sem desmanchar. Ajuste sal e pimenta.
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Junte o molho à farofa até obter uma textura mais seca que cuscuz, porém mais úmida que uma farofa comum. Acerte o sal se preciso e tempere com as ervas. Sirva com os ovos cozidos.