O tal raio gourmetizador quer o seu dinheiro
A expressão “raio gourmetizador” circula nas redes sociais dos foodies e afins. Usam-na para caçoar dos exageros que alguns produtores e vendedores cometem para inflacionar a mercadoria.
Por exemplo: um sanduíche de pernil, depois de ser alvo do raio gourmetizador, se torna pulled pork. Abacate vira avocado. Bomba de chocolate se transforma em éclair.
A mágica gourmetizadora transforma alimentos comuns em iguarias. Brigadeiro, churro, café, hambúrguer, chocolate, pizza, pão com ovo. Todos eles aceitam o adjetivo “gourmet”, mais o preço que compõe o combo.
O povo da gastronomia reluta em admitir que o tal raio é democrático. Atinge o pastel de feira e o bacon hipster. O misto-quente e a cerveja com sabor de boldo vencido.
Estudada e astuta, essa gente evita o rótulo “gourmet” –palavrinha desgastada e desprestigiada. Aposta em outras qualificações: artesanal, caseiro, de origem, natural, farm to table, bean to bar.
No fim, é o mesmo processo marqueteiro. Muda a categoria do produto.
Sobem qualidade e preço, adota-se uma estratégia de vendas de honestidade discutível.
O pulo do gato está no aumento da margem de lucro. Digamos que o tiozinho da maria-mole comum invista R$ 1 e fature R$ 2; o cara da maria-mole gourmet vai gastar R$ 2 e ganhar R$ 8.
O verdadeiro alvo do raio gourmetizador é o seu bolso.
Para chegar lá, ele lança mão do tal storytelling –expressão em inglês traduzida livremente por “conversa fiada”.
Ah, o trabalho com as comunidade ribeirinhas. Ah, o replantio de mudas da Mata Atlântica. Ah, o chocolate belga (feito com cacau de países pobres em indústrias de porte titânico). Ah, a receita recuperada de um mosteiro visitandino do século 18. Sempre uma fábula para dar ares especiais àquilo que sempre foi banal.
Quer comprar coisas gourmet, especiais, artesanais, o escambau? Eu compro. Vá fundo. Mas não compre o papo furado de quem só está lá pela grana.