Alimentar quem rouba sua comida é estupidez
Deveria ser uma coluna sobre comida, e não sobre política. Do jeito que as coisas vão, no entanto, é impossível separar a política de qualquer outro tema.
Fiquei embasbacado com o apoio maciço da população à paralisação dos caminhoneiros. Segundo o Datafolha, 87% do país. Nove em cada dez brasileiros acharam joinha ficar nas mãos dos grevistas.
Tenho lido bastante sobre o assunto e, admito, não consegui ainda saber precisamente quais foram os objetivos do movimento —ou da falta de movimento, se preferir. Não dá para acreditar nos representantes oficiais, muito menos nos grupos de WhatsApp que difundem desinformação.
Suponhamos que a causa seja justa. Ainda assim, chantagem e extorsão nunca deveriam ser aceitas —quem dirá incentivadas— pelas vítimas dos métodos mafiosos. Isso é estupidez.
Passei o pior da crise no meu apartamento, que calha de ficar bem em frente a um supermercado.
Arroz não tinha mais, só importado e aqueles preparados cheios de glutamato monossódico sabor carreteiro e piemontês. Feijão, sobraram apenas o branco e o fradinho.
Verduras desapareceram de cena, assim como o tomate, a cebola e a batata. Esta, tanto quanto a gasolina, tornou-se protagonista da cobertura jornalística da paralisação.
Quando a batata chegava ao mercado, era com preços absurdos. Aqui em frente, custava R$ 9 o quilo na reestreia. Mais que o triplo do valor cobrado antes da greve. Ou do locaute, a depender da interpretação dos fatos.
Então foi assim: a cada colherada de purê que eu enfiava na boca, outras duas me eram roubadas pelos caminhoneiros.
Mas o povo apoiava essa gente. Não foram poucos os que visitaram os bloqueios nas estradas para prestar solidariedade, dar comida e cobertores aos chantagistas sobre rodas.
Nove entre dez brasileiros aceitaram bovinamente o roubo da própria comida.
Repito: isso é de estupidez atroz. O poço não tem fundo, sempre dá para piorar. E o brasileiro tem trabalhado com afinco na escavação do buraco.