Dá para ser vegetariano sem ser chato

Estive ontem na feira Natural Tech, que vai até sábado no Anhembi (zona norte de São Paulo). É uma praça de negócios com temática bastante ampla: de suplementos para musculação a cosméticos orgânicos para cachorros e gatos.

Meu interesse, sempre, estava na comida. Grande parte da feira é dedicada à entidade etérea que chamam de “alimentação saudável”. Isso envolve produtos vegetarianos, veganos, orgânicos, sem lactose, sem glúten, aqueles que deixam seu cocozinho nos trinques, carne de animais criados “sem crueldade”, fermentados com superpoderes e fórmulas que prometem a cura de todos os males.

Tive duas surpresas positivas.

  1. Pela primeira vez na vida, provei alimentos veganos que imitam produtos animais com alguma decência. Uma coxinha de jaca deliciosa e “queijos” de castanha de caju que derretem direitinho. Não muito mais do que isso.
  2. O clima amistoso, ou pelo menos pacífico, reinante no lugar. Não percebi nenhuma pregação ou hostilidade contra os expositores de alimentos com produtos de origem animal. Até a picanha foi deixada em paz.

Claro que não fui à tenda da associação dos veganos. Não sou doido. E é claro, também, que o ambiente de negócios estimula a tolerância de parte a parte. Todos estavam lá para fazer dinheiro.

É notório que o segmento já ganhou musculatura – ou frutificou, para permanecermos no reino vegetal – o bastante para ocupar um dos maiores espaços de convenções de São Paulo.

Essa consolidação serve também para arrefecer ânimos exaltados. Com público garantido, os negociantes veganos e vegetarianos veem menos urgência em condenar o consumo de carne para ganhar mais adeptos.

É possível ser vegetariano sem torrar a paciência de ninguém.

Não tenho nada contra a alimentação à base de vegetais. Incomodam-me as bandeiras levantadas por quem se acha dono da verdade.

Muitas das melhores comidas do mundo são vegetarianas sem declará-lo. Pense na batata frita.

Na Itália, temos o espaguete com tomate e manjericão. Ao alho e óleo. Com cogumelos. Ao pesto. A pizza margherita. A berinjela à parmegiana, mamma mia! Todos os antepastos à base de pimentão, cebola, abobrinha, berinjela e outros legumes.

No Brasil, o arroz com feijão pode ser vegano. Acrescenta linguiça ou bife apenas quem quer.

A Índia guarda toda uma tradição culinária baseada no vegetarianismo. A coisa pega um pouco para o lado dos veganos, porque os indianos não desperdiçam o leite de suas vacas sagradas. É manteiga, creme e iogurte em quase tudo.

A comida do Extremo Oriente orbita em torno do arroz. Outros vegetais desempenham papel importante, mas a carne é um elemento secundário. Pode ser removida sem grande prejuízo.

E há a gastronomia do Oriente Médio, em que grãos e legumes são preparados com perícia extraordinária. Hummus. Babaganuche. Quibe (que não precisa ser recheado de carne). Tabule.

E o faláfel, que representa o auge da comida vegana. Bolinhos fritos de grão-de-bico, ervas e especiarias, servidos com tomate, cebola, pepino, molho de gergelim e pimenta. A carne não faz a mínima falta.

Aí chega um hipster qualquer. Faz um faláfel tamanho jumbo. Achata o coitado. Coloca o falafão entre duas fatias de pão e chama a obra de hambúrguer vegano.

Tenha dó. Isso é ofender um dos pratos mais fabulosos que a humanidade já criou.