Pizza de feijoada é o retrato da culinária tosca do Brasil
“Restaurante de Brasília cria pizzas exóticas para a Copa do Mundo” é o título de um e-mail que eu recebi ontem. Parabéns para a redatora, porque meu mouse foi quase sozinho abrir a mensagem.
“Isto só pode ser sensacional”, pensei. Não me decepcionei.
Tenho uma tara esquisita por sugestões de pauta estrambóticas que pululam na tela do computador. Fondue de coxinha. Sushi de Nutella. E por aí vai.
As pizzas brasilienses, como era de se esperar, homenageiam os países competidores na Copa. O sabor que alude ao Brasil é a feijoada. É isso aí, meu povo.
Feijoada: mussarela, molho à base de feijão, torresmo, couve e calabresa cozida no caldo de feijão. Faltaram a laranja e a farofa.
As outras criações especiais mantêm o tom. Alemanha: mussarela, chucrute e salsichão. Espanha: mussarela e paella de frutos do mar. Inglaterra: mussarela, cordeiro e purê de batatas –uma espécie de shepherd’s pie sobre um disco de farinha.
Lançadas para fazer auê numa época de (presumível) euforia patriótica, as pizzas são o retrato tosco da culinária brasileira. Ou melhor: o retrato da tosca culinária brasileira.
Uso o termo “culinária” e não “gastronomia” porque o segundo remete a uma cozinha mais apurada, de elite. Não é o caso. A alta gastronomia brasileira tem enormes virtudes. Pena que se feche na bolha foodie.
Falo da culinária popular, de rua. Do almoço comercial, da pizza com a família aos domingos. Dos restaurantes de bairro que brigam pela mesma clientela todos os dias.
Essa cultura alimentar cisma em inventar moda sem conhecer os fundamentos da cozinha. A criatividade sem noção é mãe das aberrações que povoam o Brasil.
Acaramaki, coxibe, sopa de sushi, temaki de doce de leite. Sou entusiasta da cozinha fusion, transcultural, mas os exemplos citados são apenas brincadeiras grotescas. Monstrengos gerados pela preguiça e pela ignorância, sem pesquisa nem bom senso.
O mesmo vale para as pizzas do começo do texto. Quer fazer uma pizza de feijoada? Não, melhor deixar para lá. Quer homenagear o Brasil? Que tal um sabor com queijos de várias regiões do país? Espanha? O repertório do cozinheiro não vai além da paella. Aí não tem condição.
Aqui, o sujeito que abre uma cantina duplica as letras “t” e “l” de todas as palavras, crente de que assim escreve em italiano. Usa o tradutor automático do Google para fazer o cardápio em inglês e fica todo pimpão.
A educação é o grande nó que impede o Brasil de progredir. Os governos têm culpa, mas a população deveria fazer a sua parte também. Para abrir um negócio –no ramo da alimentação ou em qualquer outro–, é preciso saber o que se está fazendo. Estudar. Ralar.
Mas a gente prefere improvisar de qualquer jeito, nas coxas, empurrando com a barriga até os dentes caírem da boca. A continuar assim, as pizzas de feijoada e suas amiguinhas serão eternamente um símbolo da tosqueira deste país.