O restaurante da América dos sonhos de Trump
Donald Trump detesta imigrantes, isso é fato conhecido. Se pudesse, Trump faria dos Estados Unidos uma nação sem imigrantes.
Trump almoça e janta hambúrgueres do McDonald’s. Ele teme ser envenenado por algum empregado –depois de conhecer um pouquinho a figura, é forçoso dar-lhe alguma razão no que diz respeito a essa mania.
O Mac não existiria sem os imigrantes, já que o hambúrguer foi levado aos EUA pelos alemães. Hamburger = “de Hamburgo”.
As grandes cidades norte-americanas – Nova York, Chicago, Los Angeles, São Francisco – são alguns dos lugares mais legais do mundo para comer fora. A razão é a variedade imbatível de restaurantes étnicos, fruto das dezenas de comunidades imigrantes em busca do tal sonho americano.
Filipino, vietnamita, somali, iemenita, equatoriano, nepalês, cingalês, malaio, congolês, ucraniano, ganês, dominicano, tailandês, venezuelano, chadiano, birmanês, montenegrino. Estas são algumas das nacionalidades presentes nos centros urbanos dos EUA –e, consequentemente, no cardápio de seus restaurantes.
Na América dos sonhos de Donald Trump, nada disso existiria.
Aliás, o que seria uma América sem imigrantes, uma vez que a América foi construída por imigrantes? Difícil especular os pensamentos do presidente. Usemos o senso comum.
Certamente não seria o país dos cherokees, dos sioux e dos navajos. Apesar de terem imigrado na ponta do açoite, os afro-americanos tampouco são os donos da terra. Italianos, poloneses, irlandeses e outros imigrantes de primeira hora, mesmo quando prósperos, ainda são considerados meio bárbaros pela elite dos Estados Unidos. Católicos, eca.
Essa elite defende veladamente a primazia dos WASP –White, anglo-saxon and protestant (“brancos, anglo-saxões e protestantes”) ou um acrônimo para “vespa”. Os anglo-americanos, os tais “pais peregrinos”, ainda são o ideal de pureza espiritual da América. Seus descendentes sempre mandaram no país e ainda mandam.
Num país com tal perfil populacional, não haveria batatas fritas –especialidade franco-belga feita com tubérculos de origem peruana. Nada de hot-dog, outra contribuição alemã. Tacos, burritos, tamales, guacamole, nachos, chimichangas… fora, mexicanos. Pizza, espaguete, lasanha: niente. Acabaria a mania dos americanos de comer rango chinês em caixinhas de papelão.
Ou seja, sobraria muito pouco daquilo que os norte-americanos atuais comem de fato.
Num país de base 100% inglesa, o menu dos restaurantes se limitaria ao javali cozido com molho de hortelã (Obelix tripudiando a culinária britânica em “Asterix entre os Bretões”). Cordeiro, mais provavelmente. Triste para um país com pretensões de liderança global.
Ou nem isso.
Como bem pontuou o defunto Anthony Bourdain, não sobraria um restaurante aberto nos EUA caso todos os imigrantes ilegais fossem deportados. A mão-de-obra das cozinhas são compostas por mexicanos, salvadorenhos, guatemaltecos, paquistaneses, chineses, hondurenhos, nicaraguenses, indianos, cambojanos, bengalis, haitianos, senegaleses, nigerianos e, sim, brasileiros.
Em compensação, também não existiria Donald Trump –filho de um magnata de ascendência alemã com uma escocesa.
A América dos sonhos de Trump é um paradoxo, um show de incoerência compatível com o dono do crânio oco sob a peruca laranja.