Comida étnica é fajuta na São Paulo que se acha cosmopolita
Por que não existem bons restaurantes mexicanos em São Paulo? A resposta é simples: porque não existe uma comunidade mexicana numericamente significativa na cidade.
Desculpem-me a obviedade. Levantei a questão porque o paulistano acha que pode atropelar obstáculos fundamentais como esse. Ele vai para Miami (Nova York, São Francisco, que seja) e volta querendo comida mexicana.
Não interessa se a presença de imigrantes é insignificante. Não importa se não existe um desgraçado que saiba fazer tacos al pastor num raio de mil quilômetros. Se existe a demanda, a oferta aparecerá.
E aí o paulistano desfigura a lógica por trás da culinária étnica nas metrópoles: nossos restaurantes típicos são fajutos.
Nos EUA e nas cidades grandes da Europa, a coisa funciona assim: a família de imigrantes se estabelece, guarda algum dindim e abre uma portinha para servir comida. Se o negócio prospera, torna-se um restaurante.
Esses lugares estão repletos de casas que oferecem culinárias desconhecidas do brasileiro: paquistanesa, guatemalteca, etíope, russa, mongol.
Voltando aos mexicanos, a oferta de delícias regionais é absurda nos EUA, particularmente em estados fronteiriços como a Califórnia e o Texas. Mole de Puebla, cochinita pibil de Iucatã, tacos de língua, de cabeça, de todas as partes do bicho.
Mas não é isso que o paulistano quer. Ele foi ao Señor Frog’s em Orlando e busca a mesma experiência: margaritas aguadas, música insuportável, comida sofrível e gente bêbada.
Aí vem um empreendedor qualquer e abre em São Paulo uma casa com o mesmo conceito. Ah, o conceito…
O pior é que fazemos o mesmo com as culinárias enraizadas na nossa cultura. A italiana e a japonesa, por exemplo.
O sujeito quer abrir um negócio em gastronomia e precisa escolher a vertente culinária. Comida brasileira é sempre uma opção, assim como a herança alimentar da própria família.
Não. Ele procura saber qual é a demanda do bairro. Aí abre uma cantina, uma temakeria, uma esfiharia, uma hamburgueria, o diabo a quatro.
Para a comida, chama um consultor, que indica ravióli de brie com damasco e tortelloni de burrata com raspas de limão-siciliano. Bota uns vasos de terracota, uma fonte com cara de leão e finge que está na Toscana.
Alguns sequer se dão ao trabalho de pesquisar a grafia do nome que vai pintar na placa. Põe Millano, Nappoli, Venezza, Florenzza. Fulano acha que, para falar italiano, basta dobrar uma consoante ou duas.
Se você quer comida étnica de verdade, vá às casas dos refugiados sírios. Aos chineses da Liberdade. Aos africanos. Aos árabes tradicionais. Aos japoneses comandados por japoneses ou nikkeis. Às iniciativas de imigrantes “avulsos”, como a taquería La Sabrosa, do mexicano Hugo Delgado. A lugares de gente que estudou com afinco a cultura alimentar de um país –a exemplo do Bia Hoi, vietnamita da interiorana Dani Borges.
Exótico demais para você? Volte três casas para os nachos com muuuuito cheddar.