Festa da Achiropita é o programa gastronômico mais furado de SP
Ontem à noite, houve um momento em que eu pensei: “Mas que frio do Diabo!”.
Passou logo, quando outro pensamento me reconfortou: “Poderia ser bem pior. Eu poderia estar na Achiropita”.
A Festa de Nossa Senhora Achiropita, cuja 92ª. edição termina no próximo fim-de-semana, é o programa gastronômico mais furado de São Paulo. O bairro do Bixiga, nos sábados e domingos de agosto, é tomado por multidões que adoram passar frio na rua, comer mal e beber pior ainda.
A rua 13 de Maio, onde ficam a paróquia da dita santa e a maior parte das cantinas do bairro, se transforma em uma grande quermesse. O trânsito trava no raio de um quilômetro ou dois.
Gente de toda a cidade enfrenta a muvuca para se acotovelar nas barracas e comprar potes de isopor com espaguete molenga ao molho aguado, pizza de orégano seco, churrasquinho de gato (metafórico) e vinho de uva Niágara.
Não dá para entender por que as pessoas fazem isso. Em outras épocas do ano, é possível comer tão mal quanto lá (mas no quentinho) em qualquer uma das cantinas do Bixiga.
Seria a música? Ok, eu preciso aceitar a ideia de que alguns seres humanos gostam de ouvir tarantela.
O caráter beneficente da festa, talvez? Olha, tendo a supor que as massas humanas nem ligam lé com cré. Elas comparecem apenas pelas outras massas – as de farinha. Eu não gosto de dar meu dinheiro para padres, mas aí vai de cada um…
No ponto de vista estritamente gastronômico, a Achiropita perde a oportunidade de servir comida de rua interessante e conectada com a herança imigrante do Bixiga.
O rol de patrocinadores sinaliza o que o visitante deve esperar do cardápio. O fornecedor de carne chama-se Kispeto. O vinho vem de São Roque. Não dá para servir comida de qualidade com produtos assim.
Antes de me excomungar, a paróquia da Achiropita poderia ouvir minha dica. Que tal melhorar paulatinamente a gastronomia da festa?
Poderia começar na cantina, que é um espaço fechado para pessoas que pagam preço fixo por um bufê livre. É a elite da Achiropita, que talvez estivesse disposta a provar coisas diferentes e melhores.
A Prefeitura poderia ajudar nesse trabalho, já que a festa atrai turistas para a cidade. Um chef interessado poderia pesquisar a tradição gastronômica dos primeiros colonos do Bixiga. Um pouco de treinamento, ingredientes melhores e pronto: teríamos um cantinho de excelência na festa popular.
O problema é que, aparentemente, todos – a comunidade, os visitantes, o editor do telejornal regional – estão mais interessados em quantas toneladas de tomate, queijo e farinha são consumidas a cada fim-de-semana.
Ah, e a Achiropita não é a única roubada do gênero em São Paulo. Outras festas religiosas italianas, como a de San Gennaro e a de São Vito Mártir, só não são tão ruins quanto ela porque atraem menos gente.
Então corra, não deixe de perder! Porque Achiropita, de novo, só no próximo inverno.