Restaurante de shopping representa o fracasso do Brasil

Ontem, contrariando tudo o que tenho escrito neste blog, jantei em um restaurante de shopping.

Fui tragado pelas circunstâncias. Minha mulher havia lançado seu primeiro livro numa livraria do Pátio Higienópolis (aliás, recomendo a todos a leitura de Cozinha de Vó) e precisávamos fazer jogo rápido. Nosso filhote de 5 anos derretia de sono com o passar dos minutos.

As amigas da Mari quiseram esticar o programa no MoDi, um italiano simpático no piso que dá saída para a avenida Higienópolis. Confesso que meu plano original era bem mais sinistro: uma pizza na praça de alimentação. Fui voto vencido e não protestei.

Das experiências gastronômicas de shopping center, o MoDi é provavelmente a mais benigna. Fica num puxadinho ao lado do prédio principal, com entrada independente. Possui –atenção, isso é muito importante– banheiros próprios. É detestável encarar o corredor de lojas quando o xixi aperta.

Lembra o clima do primeiro MoDi, instalado na praça Buenos Aires –a poucas quadras dali, um dos cantos mais agradáveis da São Paulo real.

Não posso reclamar da comida nem da companhia. A conversa foi animada e divertida.

Ainda assim, o MoDi do Pátio Higienópolis é um restaurante de shopping. Algo que eu desgosto pela coisa em si –e, principalmente, por aquilo que ela representa.

O brasileiro abastado vê no shopping center uma ilha de tranquilidade dentro da selvageria urbana. Ele entra e sai de lá com seu carro de janelas escuras, sem precisar se expor aos riscos e à imundície das ruas. É tudo seguro, limpo e livre de odores desagradáveis.

Um ambiente exclusivo, excludente e artificial. Aquilo não é o mundo. Aquilo é um castelo, um prolongamento da SUV blindada e do condomínio com seguranças treinados por ex-agentes da Mossad.

Como tendência que se reforça a cada ano, o restaurante de shopping representa uma derrota amarga. É o abandono, a desistência. É a admissão de que a cidade é um ambiente inóspito e inviável. Em resumo, é o recibo do nosso próprio fracasso.

“Ah, a Europa. Na Europa eu ando sem medo nas ruas.” Claro, Pedro Bó. A Europa é segura porque as pessoas ocupam as ruas –não o inverso.

Eu me recuso a jogar a toalha.

Não consigo enxergar graça numa vida em que o mundo real passa ao largo. Mas, enfim, tem gente que enxerga. Não é a minha turma.

Talvez o MoDi não seja tão benigno quanto eu pensava algumas linhas atrás. Talvez ele lance mão de uma artificialidade mais sórdida do que a do Mac da praça de alimentação. Ele é a negação do inegável. Um simulacro verossímil do mundo “lá fora”, dentro da bolha asséptica do shopping.

A ficha cai quando você paga a conta e assiste, já tarde da noite, ao desmonte do circo. Lojas e galerias à meia-luz, à espera apenas do fechamento do caixa.

Aí vem a depressão. Mas poderia ser pior. Poderia ser noite de domingo.