Pancs: chefs precisam aprender a transformar mato em comida
Está defasado quem nunca ouviu falar das pancs. Caso esta seja a sua situação, eu explico aqui: o neologismo é formado pelas iniciais de plantas alimentícias não-convencionais. Finja que já sabia e comporte-se naturalmente quando alguém introduzir o assunto na rodinha.
Pancs são plantas que não estamos acostumados a comer. O conceito admite um leque enorme de interpretações. Para um europeu, goiaba é panc. Para nós, brasileiros, ruibarbo é panc.
As pancs ora em voga são, na sua maioria, espécies que brotam espontaneamente no campo e nas ilhas verdes das cidades. Aquilo que o Homo sapiens urbano, do alto de sua ignorância, costuma chamar de “mato”.
Muitos desses matinhos são, de fato, comestíveis. Mas faça-me um favor: não saia colhendo folhagem na rua para fazer salada. Além de engolir uma dose considerável de xixi de cachorro, você corre o risco de topar com vegetais tóxicos, venenosos.
As espécies comestíveis já foram catalogadas – elas são descritas no livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil”, de Valdely Ferreira Kinupp e Harri Lorenzi. Um catatau de 772 páginas que inclui receitas com as tais plantas.
Nada que desperte o apetite, porém –os autores são pesquisadores, não cozinheiros. A julgar pelas fotografias do livro, as pancs têm lugar garantido no bufê por quilo dos restaurantes naturebas de bairro.
Os cientistas já fizeram sua parte. Os (ch)ativistas também têm feito um bom trabalho – a evangelização funcionou. Todo mundo que se importa com o futuro da humanidade tem interesse pelas pancs. Eu sou desses.
Falo muito sério: acredito que a alimentação é uma importante manifestação cultural e, como tal, deve ser variada, plural e criativa.
Não compro teorias conspiratórias contra a indústria e o agronegócio, porém é evidente que a redução de opções à mesa torna tudo mais simples e confortável – para eles e para nós também. A dieta do brasileiro urbano médio chega às raias da indigência intelectual. Para mudá-la, é preciso mais do que doutrinação insistente.
Os chefs de cozinha têm falhado miseravelmente com as pancs. É deles a responsabilidade de completar o trabalho dos pesquisadores e da massa engajada. Sua missão, transformar o mato em comida boa, está muito longe de ser cumprida.
O que se encontra nos cardápios da “mirritância” gastronômica é o mesmo pasto monótono dos catálogos botânicos. Receitas em que as ditas plantas não têm propósito culinário. Maços de mato genérico na salada. Pizza de mato. Macarrão finalizado com mato. Peixe ao molho cítrico de mato.
Cabe aos chefs pesquisar e explorar as possibilidades de cada uma dessas plantas, individualmente. Nem todas vão merecer um lugar na gastronomia. Se a salada de picão-branco for tão boa quanto a de rúcula, beleza. Se não for, deixe o picão-branco ser simplesmente mato.
Porque nem tudo o que é comestível precisa ser comido.