Nem feijão, nem mandioca: coração de frango é o mais brasileiro dos alimentos

Não é o feijão. Não é a mandioca. Não é o brigadeiro nem a coxinha com catupiry.

É o coração de frango.

Deu aqui na Folha: o brasileiro gosta tanto de coração que não sobra para exportar. Temos uma população galinácea de 6 bilhões de indivíduos, a segunda maior do mundo (atrás somente dos EUA).

São 30 frangos por ser humano – consequentemente, 30 corações para cada um de nós.

A tara por coraçõezinhos na brasa é uma exclusividade do povo brasileiro. Churrasco tem em todo lugar. Churrasco com coração de frango, só aqui. No Sul, a coisa foge do controle. Comem  coração no hambúrguer, coração na pizza. Chega-se a importar coração de frango para suprir a demanda.

Ok, você pode argumentar que os japoneses também o comem no yakitori. Verdade, mas é um negócio totalmente diferente. No yakitori, o coração tem o mesmo valor da pele, do tendão, da asa.

Nós só queremos coração. Nada de moela. Pescoço dá muito trabalho. Fígado, eca!

Não é todo mundo que encara o coraçãozinho. Eu só fui comer quando adulto, porque minha família tinha nojinho. Perdi o preconceito quando já havia perdido a noção, de tanta cerveja, em um churrasco com o povo da faculdade.

De fato, preparar o coração de frango não é tão simples assim. Seu sabor é intenso –sabor de frango elevado à enésima potência, com uma ligeira pegada genérica de miúdos.

Trata-se de um músculo, com textura e gosto de músculo. Mas é um músculo que trabalhou bombeando sangue ininterruptamente durante toda a breve vida do galináceo. Isso o torna firme, escuro e com um fundo metálico no paladar.

Precisa ser muito bem temperado. Vinho, ervas, alho, especiarias, pimenta, mande ver. Só se controle com o sal. Frango precisa de tempero forte –e o coração, mais ainda.

Além disso, é importante grelhar direito o coraçãozinho. Malpassado, tem aquela inhaca de carne de frango crua; torrado demais, fica duro e borrachento.

Mais um dado impressionante: a rede de churrascarias Fogo de Chão compra 3 a 4 toneladas de coração de frango todos os meses.

Os gringos enlouquecem – no mau sentido – com aqueles espetos cheios de coraçõezinhos. Dezenas de vidas empilhadas em poucos centímetros de aço inox. Um brasileiro normal é capaz de traçar os corações de uns 20 ou 30 frangos (tecnicamente, sua cota anual) em uma refeição no rodízio.

A princípio, pode parecer bárbaro ou cruel. Quando você racionaliza, percebe que é o mais sustentável a se fazer. Os frangos seriam abatidos de qualquer forma. Se não comêssemos seus corações, eles virariam ração para cachorro.

Porque o resto do mundo não quer saber dos deliciosos corações de frango.