Dia da Cachaça: a caipirinha perfeita em 10 lições

O melhor jeito de celebrar o Dia Nacional da Cachaça (13/9) é tomar uma, duas ou várias caipirinhas.

Mas atenção: a caipirinha tem seus macetes. Conversei com alguns dos maiores especialistas em coquetelaria no Brasil para arrancar deles a fórmula perfeita.

 

  1. O SIMPLES NEM SEMPRE É FÁCIL

Existe uma discussão infértil sobre o que seria permitido ou não na receita da caipirinha. A ala purista defende aguerridamente o uso exclusivo da dupla cachaça e limão; os conservadores admitem a variação da fruta, desde que a base alcoólica seja cachaça – drinques com vodca e outros destilados que usem outro nome; e há aqueles que admitem combinações de frutas e bebidas diversas.

Tanto faz o que essa gente acha. Se o cara do bar quiser chamar um bife acebolado de caipirinha, ninguém irá impedi-lo.

O único consenso entre os especialistas: a receita clássica deve ser tratada com o devido respeito.

“Antes de variar, é preciso aprender a fazer bem o arroz com feijão”, diz Jean Ponce, o dono do balcão no Guarita. Na opinião do bartender, isso ainda está longe de acontecer nos bares brasileiros. “Tem muita caipirinha intragável em São Paulo; no Rio, nem se fala.”

Por isso, vamos concentrar nossos esforços na pinga com limão.

 

  1. OS LIMÕES NÃO SÃO TODOS IGUAIS

Uma boa caipirinha começa com um bom limão. Só há um probleminha nisso: definir com objetividade o conceito de “bom limão”.

Para começo de conversa, a receita clássica pede um limão verde da variedade taiti. Um exemplar bom, é claro.

“Você reconhece um bom limão só de olhar para ele”, afirma Fabio de la Pietra, do SubAstor. “Ao passar a mão, sinta a espessura da casca – ela deve ser fina”, diz Jean Ponce.

O limão, segundo o barman do Guarita, não pode ser pequeno nem grande. Deve ser médio. Pelo que eu entendi na conversa com Jean, um limão médio é maior do que uma bola de pingue-pongue e menor do que uma bola de tênis. Espero ter entendido certo.

Outros critérios são menos esotéricos.

No mercado ou na feira, procure limões com casca lisa e brilhante. E, ao fazer a caipirinha, não use aqueles que já estão há vários dias na fruteira.

 

  1. TRATE O LIMÃO COM CARINHO

 

Um limão bem cortado elimina a necessidade de macerar com força para extrair o suco – o que extrai também uma quantidade excessiva de óleos essenciais da casca.

Esses óleos, na medida certa, são fundamentais para o sabor da caipirinha. Nem pense em descascar o limão.

Com uma faca bem afiada, remova as duas extremidades da fruta. Então corte-a ao meio e retire a membrana branca que une os gomos. “É uma questão estética”, diz Jean Ponce. “Ela não causa amargor, isso é mito.”

Aí vem a parte ninja.

Com os meios limões “deitados de bruços”, corte-os como sashimi. Faça dez incisões em cada metade, fatiando-as – mas sem cortar completamente, deixando uma faixa estreita que une as fatias. Ao ser apertado com o pilão, o limão se abrirá como uma flor no fundo do copo.

Não é magnífico?

 

 

  1. TROQUE O AÇÚCAR POR XAROPE

Na coquetelaria moderna, o açúcar granulado quase sempre é substituído por xarope – o mesmo açúcar diluído em água. Isso porque facilita a dosagem do ingrediente (20 ml é uma medida exata; uma colher rasa não é) e a mistura homogênea dos elementos do drinque.

A caipirinha costuma ser uma exceção à regra, já que a receita tradicional pede o açúcar granulado. Aqui, uma pequena releitura só melhora o resultado. “Enquanto o copo fica parado na mesa, o açúcar começa a decantar”, conta Jean Ponce. E, como consequência, quem bebe sente os grãos de açúcar na boca.

Os dois tipos mais comuns de xarope são o simples (com partes iguais de água e açúcar) e o duplo. Na caipirinha, opte pelo duplo para não diluir muito o álcool e o limão.

Leve ao fogo baixo uma panela com dois quilos de açúcar para cada litro de água. Mexa constantemente até perceber que o açúcar começou a diluir. Então desligue o fogo e continue a mexer até completar a diluição. Espere esfriar antes de usar.

 

  1. O GELO É IMPORTANTE. MUITO IMPORTANTE

Uma das modinhas mais recentes da coquetelaria diz respeito ao gelo nos mais variados formatos e tamanhos. Na caipirinha, você não precisa de um cubo de gelo esculpido por um mestre japonês. Não precisa nem usar água mineral. “Na minha casa, eu uso água filtrada”, conta Jean Ponce.

Só procure usar cubos inteiros de gelo. Gelo quebrado, triturado ou ralado derrete muito rapidamente. E a caipirinha fica aguada.

 

  1. TRATE O LIMÃO COM CARINHO 2 – A MISSÃO

 

Agora que você já cortou o limão como um sushiman samurai, coloque-o no fundo de um copo baixo, adicione o xarope ou o açúcar e macere com um pilão. Aplique uma pressão suave, com movimentos delicados. Três ou quatro macerações serão suficientes para extrair o suco e os aromas do limão.

E não bata o drinque numa coqueteleira, como alguns bares ainda fazem. Além de ser desnecessário, fragmenta todo o gelo. E aí voltamos ao item 5.

 

  1. A CACHAÇA, É ÓBVIO

 

Finalmente chegamos a ela. Uma caipirinha nunca será boa se a cachaça for vagabunda. Não seja mão de vaca. Use, para a receita clássica, uma boa cachaça branca – ou seja, que não foi armazenada em tonéis de madeira.

 

  1. PARA VARIAR A FRUTA

 

Criar receitas de caipirinha requer o conhecimento da fórmula básica e alguma noção de combinação de sabores. “O mais importante é o equilíbrio entre a acidez e a doçura”, comenta Fabio de la Pietra. Assim, versões que usam frutas muito doces devem conter algum elemento ácido.

Alexandre d’Agostino, do Apothek, vai um pouco além. “Eu vejo as caipirinhas como uma subcategoria dos sours”, afirma. Se você não entendeu nada, isso é taxonomia de bar: “sour” é uma família de coquetéis que levam suco de limão, como o whisky sour, o pisco sour, a margarita (com tequila) e o daiquiri (com rum).

Assim, um pouquinho de suco de limão sempre vai dar uma complexidade extra a qualquer caipirinha, seja ela de banana ou de jaca.

 

  1. PARA VARIAR O DESTILADO

 

Antes de mais nada, é preciso entender que existe uma variedade enorme de perfis de cachaça, das brancas às envelhecidas em diversas madeiras. Dá para brincar com isso na hora de criar a caipirinha.

Para a caipirinha clássica, de limão verde, Jean Ponce indica a branca e a repousada em bálsamo, como a caríssima Havana e a Canarinha. Já a cachaça de barris de amburana, abaunilhadas, vão bem com frutas mais doces – morango e jabuticaba, por exemplo. “Fruta não combina com bebidas armazenadas em carvalho”, diz o bartender do Guarita.

Você pode, a despeito de qualquer polêmica, usar vodca. “Eu faço meus coquetéis como o consumidor quer”, afirma Fabio de la Pietra.

O terreno fica pantanoso quando migramos para o saquê. “Bebidas fermentadas geralmente não são adequadas como base alcoólica de coquetéis”, diz Alexandre Tetsuya Iida, especialista em saquês e dono da Adega de Sake. Segundo ele, o teor alcoólico resultante é muito baixo, e a delicadeza do sabor do malte do saquê é atropelada pelas frutas.

 

  1. A RECEITA, FINALMENTE

 

Num copo baixo, macere 1 limão taiti (cortado como no item 3) com 20 ml de xarope de açúcar duplo (receita no item 4). Adicione 60 ml ou 70 ml de cachaça branca de qualidade, complete com gelo, mexa bem e sirva imediatamente.

*(Atualização de post publicado originalmente em 9/2/2018)