Na segunda-feira sem carne, a vaca é você

A segunda-feira sem carne, bastante óbvio, é uma campanha com o objetivo de reduzir o consumo de carne no primeiro dia útil da semana. Justamente quando do prato do dia, pelo menos aqui em São Paulo, é o virado à paulista*. Ô, dó!

Desculpem-me os modos, mas eu acho imbecilizante esse tipo de ação. Trata as pessoas feito uma manada, feito gado. Na segunda sem carne, a vaca é você.

Por que todo mundo precisa fazer a mesma coisa junta, ao mesmo tempo? Por que não deixar que cada um pense com a própria cabeça para decidir quando, como e principalmente se vai reduzir a carne na sua dieta?

Porque não se trata de educação. Trata-se de doutrinação.

A segunda sem carne funciona como uma amostra grátis do estilo de vida vegetariano. É como aquele acantonamento para crianças superdivertido, com jogos e rodinha de violão, que certas igrejas oferecem (tosse) sem segundas intenções.

Para o ambiente e para a saúde pública, o efeito da campanha se aproxima de zero. A adesão é ridiculamente baixa. Não é fácil convencer o povo a parar de comer carne no dia do virado à paulista.

A esperança de quem apoia a iniciativa é plantar uma sementinha… que a boa prática vire um hábito e que a palavra se espalhe. Amém.

Não quero dizer que a farra do boi deve continuar como está. A redução global do consumo de carne traria benefícios para a saúde da população, para o ambiente e, mui logicamente, para os bovinos.

Hoje, por exemplo, a primeira página da Folha traz a foto do embarque de uma carga de bois vivos que viajaria de navio para a Turquia. Fazem-no assim para respeitar os rituais islâmicos de abate. Os islâmicos são eles, não nós. Não há por que compactuar com a tortura de animais –imagine um porão escuro e sem ventilação cheio de vacas em alto-mar– para ganhar dinheiro. Isso não deveria existir.

Há muitos excessos a se cortar antes de vetar a dieta onívora por um dia inteiro na semana. O rodízio de churrasco, por exemplo, é uma orgia desnecessária. O que dizer, então, desses eventos testosterônicos cheios de barbudões com pinta de bravos e bichos inteiros no espeto?

Podemos nos inspirar na alimentação dos antigos, que em muitos outros aspectos levavam uma vida porca e miserável. A baixa oferta e o alto preço da carne faziam com que o consumo cotidiano se desse por meio de um pedaço de toucinho no feijão. A carne-seca desfiada na paçoca. O paio na sopa. Um frango assado no domingo. No Natal, um pernil de porco.

Educar as massas é difícil, demorado e pouco eficaz. Doutrinação traz resultados.

Deixar de comer carne às segundas-feiras é uma penitência cristã. É purgar-se da culpa pelo autoflagelo. Ou, numa interpretação mais cínica, é inflar o ego e a autoestima com uma boa ação que vai dirimir a semana pecaminosa à frente.

Podemos fazer melhor. Não somos cordeiros de ninguém.

Se é para ficar sem comer carne por um dia, por que justamente a segunda-feira? Você já está com o humor azedo o bastante. Chefe na orelha, ressaca do fim-de-semana, boletos voando pela sala.

Se é para ser doutrinado, procure quem entende do riscado. Os católicos – ou pelo menos os católicos raiz – fazem jejum de carne às sextas**. Porque depois vêm o sábado, o domingo, a cachaça e otras cositas más. Não faz mais sentido?

Em matéria de lavagem cerebral, a Igreja já tem uns bons dois mil anos de estrada. Os vegetarianos estão só começando.

 

*Tutu de feijão, torresmo, bisteca, linguiça, arroz, couve, ovo frito e banana à milanesa. Recomendo fortemente o do Bar da Dona Onça.

**Para o cristianismo, peixe não é carne. Não fui eu quem inventou isso.