O restaurante mais ousado de São Paulo vai fechar
Fui surpreendido no fim-de-semana com a notícia do fechamento do restaurante Esquina Mocotó. Pô, que sacanagem.
Não que o fato seja surpreendente. A surpresa, para mim, foram os cinco anos de sobrevivência de um restaurante ousado como ele. O Esquina Mocotó teve peito para servir alta gastronomia brasileira na Vila Medeiros, bairro distante anos-luz do centro e do dinheiro de São Paulo.
Durou porque era bom e porque o chef Rodrigo Oliveira já era uma grife quando decidiu abri-lo. O vizinho Mocotó fez fama suficiente para gerar filas surreais aos fins-de-semana.
Eu acompanho a história de Rodrigo há mais de dez anos, desde que o Mocotó começou a ser comentado do lado de cá do rio Tietê.
Lembro-me de ter receio da aventura na quebrada desconhecida. De provar pela primeira vez o torresmo, a favada, o atolado de bode. Da surpresa em ver no cardápio coisas que custavam R$ 1: passarinha (baço de boi) e tripa de porco frita. Do horror ao comer essas baratíssimas iguarias do sertão.
Enfim, virei fã do Rodrigo e cliente do Mocotó. Ele ajudou a transformar a Vila Medeiros e a mentalidade de pessoas como eu, que passaram a se sentir à vontade no bairro.
Houve um período em que eu deixei de frequentar o restaurante. Passar três horas na fila para almoçar no sábado é inconcebível. Dirigir até a Vila Medeiros num dia de semana também. Depois de uns três episódios de chegar lá e voltar emburrado, desisti.
Aí abriu o Esquina, que me fez visitar o pedaço outra vez.
No começo, a procura também causava filas enormes. Mas havia a possibilidade de reservar. E, aos poucos, o auê inicial arrefeceu.
O Esquina Mocotó oferece um tipo de comida que você não encontra em nenhum outro lugar: cozinha nordestina com criatividade e esmero de restaurante de luxo. O dadinho de tapioca com porco. A paçoca de pato com ovo mole. A carne-de-sol sous vide.
Para mim, a simples existência do Esquina Mocotó era um conforto. A certeza de que eu teria uma cadeira para sentar a bunda caso o Mocotó estivesse lotado demais.
Ia ao Esquina quase sempre que uma viagem me levava à via Dutra – para o aeroporto ou à praia. Parada estratégica de muitos turistas brasileiros e estrangeiros.
Então o Mocotó original começou a ficar frequentável. Crise braba na economia afastou muitos clientes. Voltei a comer lá. Meu negócio é torresmo e favada. E joelho de porco. Eu olhava pela porta de vidro e via o Esquina com muitas mesas desocupadas.
Mais ou menos na mesma época, Rodrigo abriu o Balaio, na avenida Paulista. Na minha modesta opinião, um tanto aquém do Esquina Mocotó. Não por causa da comida, que é igualmente boa. O que pega é o lugar. O passeio até a Vila Medeiros faz parte da experiência, da diversão. E restaurante de museu tem sempre um clima impessoal de refeitório do Sesc.
Comecei a suspeitar que o Balaio fosse o prenúncio do fechamento do Esquina. Rodrigo já tinha outra cozinha para fazer experiências. Já devia estar cansado, também, de sustentar o restaurante com a receita da casa vizinha.
Houve um tempo, não tão longínquo, em que a proposta do Esquina Mocotó cabia na Vila Medeiros. Não cabe mais. Isso é triste e apavorante.
Se você quiser dar adeus ao restaurante, tem até o próximo sábado. Depois disso, o imóvel será fechado para reforma. Rodrigo tem planos para o lugar, e isso é alentador.