Gastronomia brasileira reflete um país tosco

Muitos vão ler o título e pensar: “Aaiiin, mas e o D.O.M.?”. Sinto dizer que essa interpretação é um dos traços da nossa condição tosca. Temos um apego extraordinário pela exceção. Exaltamos nossas ilhas de excelência como se elas representassem um quadro que é, na média, uma lástima.

O brasileiro vive na ilusão de que é um abençoado, mais sagaz e criativo do que os outros povos. Em seu mundinho paralelo, essa esperteza lhe basta para queimar etapas. Estudo? Pesquisa? Não, a fé nos levará à vitória. Haja autoconfiança.

Analisemos a oferta gastronômica de São Paulo.

Há cerca de 2000 pizzarias de entrega no município. Umas 100, chutando bem alto, são decentes. O restante é tocado por gente que ignora como uma pizza deve ser. Percebe-se pelos ingredientes esdrúxulos que habitam as coberturas: salsicha, coração de frango, batata palha, salmão com cream cheese.

Fulaninho abre um restaurante italiano sem o cuidado de pesquisar a grafia do nome que vai dar à casa. Acha que, para falar o idioma, basta duplicar uma letra aqui, outra acolá. E toma “Napolli”, “Artezzanale”, “Palladdare”. Imagine a preocupação do sujeito com as receitas “da nonna”.

Não é uma questão de classe social. O tosco não discrimina ninguém.

Um restaurante feito sob medida para a classe média dá comida para artistas –com a intenção explícita de transformar seu salão num zoológico de celebridades. Atrai uma multidão de otários para comer um picolé atochado num bolo meio cru.

Para os mais abonados, inventaram um restaurante que usa trufas em todas as receitas, do couvert à sobremesa.

Afinal, precisa ser caro para ser bom. O picadinho é de filé mignon. A caipirinha é de vodca sueca. O brigadeiro é de chocolate belga.

O brigadeiro, por sinal, desperta brios nacionalistas. Jamie Oliver quase teve o passaporte apreendido quando declarou, com razão, que o doce é “um monte de merda”.

Quanto ao resto, pagamos pau para os norte-americanos. Quem se julga descolado vive a reboque das tendências gastronômicas de Nova York –com dez anos de atraso. Gelato, bar de tapas, pizza napolitana, lámen, hambúrguer artesanal.

Já os machos alfa deste Brasil varonil copiam o que os Estados Unidos produzem de mais tacanho. Sua referência é o “redneck” do Alabama, o racista xucro que bebe uísque no gargalo. “Bora assar um bicho inteiro no pit?”. Jeca que imita jeca é jeca ao quadrado.

Desculpe o mau jeito. Procuro ser irônico e provocador, mas não hoje. A ocasião pede gravidade. E eu tenho andado mais azedo do que o habitual. Vou tomar um sal de fruta e volto na semana que vem, se me permitirem.