Aplicativos de entrega de comida são redes antissociais

As eleições transformaram meus dias num meme da Kátia Cega: não está sendo fácil.

Se o home office já havia devastado minha vida social no mundo real, a internet virou arena de MMA. Mal consigo dormir. Passo as noites fritando na cama, antecipando as brigas da manhã seguinte.

Estou tenso, amargo, irritadiço. E arrisco dizer que não sou o único. O Brasil virou uma imensa treta de Facebook.

Quando a bile envenena o espírito, é melhor manter distância da cozinha. Há facas demais. Nas mãos de um cozinheiro enfezado, o leite talha e a maionese desanda.

Sair para comer tampouco é recomendável.

Você não conhece o sujeito que vai preparar o seu almoço, mas talvez ele conheça você. Hoje em dia, não dá para saber. Não dá para confiar em ninguém. O garçom pode ser um hater terrorista. O maníaco do cuspe.

A solução reside nas redes antissociais –os aplicativos de entrega de comida.

Plataformas como o Rappi, o iFood e o Uber Eats são impessoais e seguras. Apresentam numerosas vantagens em relação ao delivery tradicional, feito por telefone.

A maior delas: você não precisa lidar com nenhum ser humano. Essa é a mágica das redes antissociais.

Você evita o contato com atendentes estressados, desmotivados e/ou ineptos. O pedido é registrado por escrito e pode ser usado como evidência caso a refeição chegue toda bichada.

A ausência de contato humano inibe também certas amabilidades inconvenientes.

Anos atrás, resolvi testar uma lanchonete de preços populares. Andava gastando muito dinheiro nas pizzas com pedigree. Liguei e pedi um beirute. Frisei e enfatizei para o moço: nada de maionese, requeijão ou melecas correlatas.

Quando abri a caixa de papelão, surpresa! O sanduíche veio besuntado daquela gosma laranja que o pessoal chama de cheddar.

Com o cardápio na mão, telefonei de volta para o lugar:

– Amigão, aconteceu um engano. Eu pedi o beirute Aleppo, que não leva cheddar. Me mandaram o Mossul.

– Ah, o patrão mandou colocar no lugar da maionese. Cortesia. Não cobramos nada a mais, pode ficar tranquilo.

Limpei todo o cheddar que consegui e mandei para dentro o sanduíche. Seria descortês demais exigir a troca.

Pedir pela internet elimina ainda o manuseio de dinheiro. O pagamento se faz no site, antecipadamente, com cartão –a deliciosa ilusão de gratuidade.

Até a gorjeta está inclusa nessa conta. A única interação pessoal –com o entregador– torna-se mais suave. Desaparece aquele momento nervoso em que você despeja uma cascata de moedas na mão do motoboy. E sai correndo com a pizza para chegar ao elevador antes que ele termine de contar aquela miséria.