Fugir do Brasil é renunciar ao feijão
Meus amigos estão em pânico. Muitos falam em morar em outro país. Eu resisto.
Tenho meus motivos para não querer sair. Falta dinheiro. Será difícil encontrar trabalho no exterior. Gosto demais de arroz com feijão. E fugir do Brasil implica abandonar o feijão.
Sou um turista curioso. Prefiro comer os pratos regionais. Bacalhau em Portugal. Rãs e caracóis na França. Comida indiana na Inglaterra.
Não sou do tipo que passa uma semaninha na Europa e corre atrás de um restaurante brasileiro. Feijoada de eisbein e bratwust com chucrute refogado no alho numa bodega xexelenta de Munique.
A saudade bate forte quando a viagem começa a se alongar. Quando ela deixa de ser férias e vira realidade. Com um mês longe de casa, já dá para começar sonhar com tutu de feijão. Tropeiro. Baião-de-dois.
Não dou a menor bola para pão de queijo. Prefiro passar o resto da vida sem comê-lo a apelar para as misturas em caixinha vendidas nas lojas de brasileiros no exterior.
Bombom? Sério, tem gente que vai morar na Suíça e fica de nhenhenhém porque sente falta de chocolate brasileiro. Não entendo.
Guaraná nem conta. Alguém que sofre por falta de refrigerante não tem maturidade para deixar a casa da mãe, que dirá morar no estrangeiro.
A síndrome de abstinência de churrasco é facilmente contornada. O rodízio brasileiro bate cartão em muitas cidades dos Estados Unidos e da Europa. E, convenhamos, carne na brasa existe em qualquer lugar. Difícil é pagar por ela em alguns países.
Pastel, coxinha, polenta frita: no frigir dos ovos, o importante é ser fritura. Cada canto do mundo tem suas especialidades gordurosas, todas deliciosamente péssimas para a saúde.
Consigo passar sem farofa, sem carne-seca, sem brigadeiro. Posso levar o resto da vida sem tapioca, sem acarajé, sem paçoquinha.
O que pega é o feijão.
“Vai no restaurante mexicano, bobalhão.” Bom argumento, admito. Muitos países têm pratos com feijão. Toda a América Latina, Portugal, Espanha, França, Itália. Não vale citar Inglaterra e Japão: eles que se empanturrem de feijão doce.
Nunca é igual. Cassoulet não é feijoada branca; o burrito não é um prato-feito enrolado numa panqueca.
O feijão brasileiro, de caldo engrossado, refogado com alho e cebola, às vezes louro, às vezes bacon, só existe aqui.
Sim, feijão cru se encontra em toda parte. Eu seria perfeitamente capaz de preparar o feijão brasileiro em qualquer cozinha do mundo. Mas não vou sair enquanto puder ficar. Não tenho dinheiro. Lá fora não tem trabalho para mim. Lá fora não tem Brasil.
Aproveita enquanto é sábado, 27, e ainda tem feijoada. Amanhã é domingo, 28, dia de indigestão.