Cozinhando para os defuntos
Todo ano, quando entra novembro, o celular me avisa do aniversário do meu pai.
Não sei por que ativei o alerta: nunca deixaria a data passar em branco. Tampouco sei porque não o desativei, já que o velho morreu há mais de dois anos.
Meu pai teria feito 91 anos ontem. Era de 1º de novembro, Dia de Todos os Santos. A véspera do Dia dos Fiéis Defuntos, mais conhecido aqui no Brasil como Dia de Finados.
Nunca dei a menor pelota para Finados. Até a morte de meu pai. Não porque o evento tenha despertado minha espiritualidade, simplesmente pela proximidade das datas.
Nunca fui visitar seu túmulo. Não vejo sentido em me deslocar até a divisa de Taboão da Serra para prestar homenagem a um monte de matéria decomposta (pelo contrário, me causa enorme desconforto ativar a visão de raio-x quando vou a cemitérios).
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Gostaria de homenagear meu pai com o que ele gostava, comida e bebida. Acho que não conseguirei: pintou uma festinha para o meu filho de 6 anos. E, sei que meu velho entenderia, um filho vivo vale mais do que um pai morto.
O Brasil não é como o México. Lá, o Día de Muertos –uma festa indígena enquadrada na tradição cristã– celebra os mortos com alegria agridoce. Gosto da ideia. Aqui simulamos mortificação e vamos beber no boteco –é feriado, afinal.
O Día de Muertos se acosta na crença de que os espíritos dos mortos queridos têm um breve lapso espacial-temporal para visitar esta dimensão. A eles, rendem-se homenagens em forma de oferendas. Na maior parte das vezes, na forma de comidas e bebidas. Como na “macumba”, termo pejorativo que se usa para demonizar a oferenda das religiões afro-brasileiras. Os vivos também comem e bebem. Mais do que os defuntos, arrisco presumir.
(Para entender o espírito do Dia dos Mortos –trocadilho intencional– assista à belíssima animação Viva! A Vida é uma Festa, da Pixar. Se não chorar, você, é filho de uma chocadeira.)
A ideia me agrada, repito. Se fizesse uma oferenda a meu pai, lhe daria uma feijoada. Ou um bobó de camarão. Uma pizza, talvez. De sobremesa, ambrosia. Ou qualquer doce… o velho era uma formiga. E vinho. Vinho barato, mas nem tanto. Era o que ele tomava o tempo todo.
Mas tenho uma festa de reloin para levar meu filhote. Você entende, né, pai? Sempre vou te amar.