São Paulo quebra a tradição e adere à pizza no almoço

Guardo doces lembranças de uma viagem que fiz, muitos anos atrás, para o litoral de Alagoas. Fiquei hospedado em um hotel de donos italianos, que recebia quase exclusivamente hóspedes italianos.

Tinha pizza no café da manhã, no almoço, no jantar, no bar da piscina, na mesa de pingue-pongue, no serviço de quarto, 24 horas por dia, 7 dias por semana. E o esquema era all inclusive, ou seja: eu podia comer até morrer. Quase fiz isso. Era o paraíso.

Naquele tempo, eram raros os lugares em São Paulo que servissem pizza fora do horário do jantar.

A casa da minha mãe era um desses lugares. Ela nunca se importou com essa convenção sem sentido.

Aí tinha a pastelaria Yokoyama, quase em frente ao ponto em que eu descia do ônibus na volta do colégio –aqui retrocedemos mais um punhado de anos. O brotinho dos pasteleiros dava bem para o gasto: massa boa, queijo de qualidade, assada na hora do pedido. Muitas foram as vezes em que eu fiz um pit stop estratégico antes do almoço.

De resto, tínhamos as redes de fast food e uma ou outra padaria que serviam pizza inferior durante o dia.

Ao entrar na faculdade, descobri a Zi Tereza da rua da Consolação, um pouco acima do cemitério, que assava pizzas no almoço.

No breve período em que participei do Centro Acadêmico da escola de comunicação, fazíamos assim:

Toda sexta-feira tinha festa no CA. Dormíamos lá mesmo, eu e meia dúzia de vagais, no sofá bolorento ou sobre a mesa de sinuca. No dia seguinte, íamos todos almoçar na Zi. O lugar se mudou para a Fernando de Albuquerque, em frente ao Mestiço, e acho que funciona até hoje. Mas já não o frequento. O ambiente é decrépito, e a pizza –que a gente adorava no século passado– carece de capricho. É pesadona, não tem condições de competir no cenário atual paulistano.

O preconceito contra a pizza no almoço seguiu firme até pouco tempo atrás. Havia o Ráscal, que manda razoavelmente bem no forno a lenha, mas onde o bufê completo impera durante o dia.

O hábito de comer pizza só à noite parece algo aleatório, mas faz sentido quando se estuda a história da pizza paulistana.

“Isso tem relação direta com a origem informal das pizzarias em São Paulo”, conta a pesquisadora de gastronomia Silvana Azevedo, da USP. “Elas eram um complemento de renda para trabalhadores da indústria.”

Ou seja, o italiano ralava o dia inteiro na fábrica. À noite, ao chegar em casa, acendia o forno no quintal e assava algumas pizzas para vender. Pouco a pouco o negócio se sofisticou, mas manteve o expediente noturno.

PAUSA PARA O MERCHAN: agora você tem receitas exclusivas da Cozinha Bruta no Instagram. Acompanhe também os posts do Facebook  e do Twitter.

De uma hora para outra, São Paulo rompeu com a tradição. Não por acaso, foi quando a cidade também se tornou mais aberta a novos estilos de pizza. Por décadas, havia por aqui a massa fina e a massa grossa. Nada muito além disso.

A pizza de estilo napolitano, que segue uma cartilha rígida de procedimentos, só emplacou por aqui em meados desta década –uns dez anos depois de ter virado moda nos Estados Unidos

Quando decidiram montar a Napoli Centrale no Mercado de Pinheiros, o mineiro Gil Guimarães e o gaúcho Marcos Livi fizeram uma aposta arriscada: o mercado fechava às 18h e sequer abria aos domingos.

Deu certo: a pizzaria vive cheia no almoço. Fez tanto sucesso que vai abrir uma filial.

Em toada parecida foram os sócios da Cia Tradicional de Comércio ao abrir uma versão hipster da pizzaria Bráz, a Bráz Elettrica. Eles chamaram Anthony Falco, pizzaiolo superstar do Brooklyn, para criar as receitas que são assadas ininterruptamente, o dia todo, num forno elétrico de alta potência.

Novidade na área é a Divina Increnca, atualmente a minha pizzaria favorita. Com três casas na zona oeste, ela faz pizzas individuais num estilo que batizou de luso-carcamano. Massa leve, de fermentação natural, recheios abrasileirados, mais fartos que os napolitanos, tudo feito num bom forno a gás.

Poucos dias atrás, a unidade de Perdizes começou a abrir também para o almoço, com calzones que não constam no cardápio noturno. Foi o que me motivou a escrever este post.

A Divina Increnca, com suas pizzas diurnas, representa a maior revolução gastronômica deste milênio.

Por quê?

Porque fica ao lado da minha casa, oras.