Linguiça de crianças humanas: isso tá ok?
Numa caminhada pelas ruas escaldantes da Praia do Canto (uma espécie de Leblon de Vitória, ES), me deparei com uma churrascaria hipster cheia de placas com dizeres supostamente engraçados.
Este me chamou a atenção: “Crianças desacompanhadas serão vendidas como linguiça”. Tirei foto. A qualidade da imagem é péssima. Não vou postá-la aqui: você pode ver a placa nos meus perfis de Instagram, Facebook e Twitter.
Tenho certeza de que o dono do restaurante –a filial de Vitória de uma casa de Vila Velha chamada Alcides Carnes y Tragos– não é sério em sua intenção, mas também posso apostar que ele não é um grande apreciador das estripulias infantis. Olha que coisa, eu também não sou. Fico irritadíssimo com crianças correndo sem controle em espaços públicos.
Isso não me impede de sentir incomodado com a imagem mental de meu filho de 6 anos sendo triturado por uma máquina de moer carne. Não que eu esteja pessoalmente ofendido (coisa de “floquinho de neve”, segundo um comentarista das redes sociais). Apenas acho a placa inadequada a um restaurante que recebe vários tipos de público. E que serve linguiça, por sinal.
A piada do churrasqueiro é de um mau gosto atroz. É só trocar “crianças desacompanhadas” por “argentinos” para termos uma manifestação inconteste de xenofobia.
O Alcides de Vitória não está sozinho em seu senso de humor peculiar. Em São Paulo, o Underdog já causou nas redes sociais por causa de uma plaqueta de tom substancialmente mais ameno: “Aqui seu cão é bem-vindo!!! Mas crianças favor amarra-las ao poste.” A pontuação e a acentuação são obras do autor.
O meu post no Instagram também repercutiu um pouquinho. As manifestações, em sua maioria, foram em defesa do churrasqueiro capixaba.
“Vou virar freguesa”, me escreveu a colega e amiga Mariliz Pereira Jorge, grande treteira da internet. “Pare de ser imbecil. Escreve sobre comida!”, ordena outro leitor.
Parte da fúria dos instagrameiros se deveu à legenda da foto: “O senso de humor ‘politicamente incorreto’ da era Bolsonaro.”
Um terceiro comentarista do Instagram sentencia: “Se forçar mais, caga. O que tem o Bolsonaro a ver com a piadinha?”.
Aparentemente, muitos dos fãs do Alcides são opositores do presidente. Gabriela Brum, a gerente, faz posts de claro pendor esquerdista em sua página de Facebook. E daí?
Quando falo da “era Bolsonaro”, eu me refiro ao espírito do tempo. Libertamos um punhado de demônios que não serão trancados tão cedo. A agressividade está aflorada, e os limites têm sido insistentemente testados.
Bolsonaro é só uma materialização destes tempos retrógrados. O problema real é o colapso da civilidade.
Falemos de senso de humor: é feito bunda, cada um tem o seu. Eu considero a piada da linguiça francamente ruim. Só tem graça para aquele sujeito que assistiu aos “Simpsons” sem captar que se trata de uma sátira de costumes –e tomou o Homer como modelo de comportamento. É tosca.
Falemos de crianças em restaurantes: penso que os donos deveriam poder proibi-las quando quisessem. Há hotéis que o fazem. Extremamente antipático, na minha opinião, mas compreendo. Existem ocasiões e lugares em que crianças de fato importunam. Só não acho aceitável admiti-las e tratá-las mal.
Falemos agora de liberdade de expressão: não defendo a censura da placa que sugere linguiça de criança. O cara tem todo o direito de fazer a piada que quiser, onde quiser. Assim como eu também tenho o direito de expressar a minha opinião.
OUTRO LADO
Segue abaixo a resposta da gerente Gabriela Brum:
“Nós trabalhamos com essa proposta irreverente e casual a mais de 3 anos. Obviamente, não vamos fazer nada c as crianças. Essa placa, como tantas outras, é uma piada. Crianças são bem vindas e nós as adoramos.
Entendemos que muitas pessoas não se adaptam a nosso tipo de marketing, porém estamos c esse trabalho há um tempo já e alcançamos um público que adora nosso modo irreverente.
Não temos relação com nenhum partido ou candidato, trabalhamos com carnes, piadas e excelente atendimento e não com filiações partidárias ou ideológicas.”