Turismo gastronômico não vale a viagem

Começo de janeiro, crianças sem aula… é bem possível que o leitor esteja viajando ou vá viajar em breve. Para quem gosta de comer, férias são sempre uma oportunidade para experiências incomuns.

Existe gente que viaja para comer: faz reservas em restaurantes premiados e sai de casa com um roteiro pronto.

No outro extremo, está o turista bundão que come fast food sempre que a culinária local não lhe é familiar. Ou seja: sempre. Não seja essa pessoa. Mas voltemos ao turismo gastronômico.

Não direi que nunca fiz –a profissão nos compele a esse tipo de coisa mesmo nas viagens de lazer. Depois de algumas tentativas, sinto-me seguro para dizer que o esquema me desagrada.

Primeiro, porque engessa a viagem –o mais divertido, para mim, é descobrir lugares ao acaso. Segundo, porque a expectativa é a mãe da decepção. Terceiro, porque esses jantares costumam ser rituais formais, longos e cansativos. Não é a minha vibe.

Em maio de 2012, eu e minha mulher viajamos para Lima, com reservas para duas noites consecutivas: a primeira, no Restaurante Central; a segunda, no Astrid y Gastón. A data me marcou porque a Mari viajou com o Pedro na barriga: descobriu a gravidez pouco depois de comprarmos as passagens.

A consequência imediata foi: cancelamos a orgia de pisco sour com ceviche.

No Central, com um menu de dez etapas, eu precisava beber o vinho despacito, para que a garrafa não secasse antes do fim da refeição. Lembro-me muito pouco do que comi naquela noite, mas a memória do desconforto ainda é cristalina. Aquilo não acabava nunca. Estávamos cansados, queríamos sair, e o jantar prosseguia. Fomos embora empanturrados.

Na noite seguinte, no restaurante de Gastón Acurio, fugimos da degustação como o diabo foge da cruz. Eu pedi um cuy (porquinho-da-índia) muito bom –lembrava um leitão bem assado. Ela, se não me engano, um peixe muito exótico de nome esquisito que, viemos a descobrir, era pirarucu.

Gostoso, mas ainda não estávamos recuperados do maratona da noite anterior.

Muito mais bacana foi a incursão à Lima feia e suja, longe da zona hoteleira higienizada, para comer leche de tigre de conchas negras –um caldo ácido e preto de mariscos que soltam uma tinta semelhante à da lula.

Minha principal objeção contra o turismo gastronômico é o limite que ele impõe à experiência da viagem. Existem muitas outras coisas a se fazer fora de casa além de almoçar, jantar, dormir e completar o ciclo digestivo.

A comida como o propósito de uma viagem faz com que pessoas, paisagens, risadas, trapalhadas e todo o resto se reduzam ao deslocamento entre um restaurante e outro.

Não vale a pena.