O Instagram vai matar a feijoada completa?

 

Até meu filho de 6 anos fica irritado quando chegam nossos pratos num restaurante qualquer: ninguém pode tocar na comida antes das fotos para as redes sociais. Tem vezes em que o Pedro me manda pastar e sabota a foto. Enfia as mãozinhas bem no meio do quadro. Photobomb!

No papel de blogueiro e influenciador mequetrefe, sinto-me obrigado a postar as refeições no Instagram. É uma ferramenta útil para quem escreve sobre comida. Uma mídia a mais para atrair leitores.

Mas, confesso, o ato de fotografar comida em público me embaraça um bocado. Até porque às vezes é necessária uma certa produção para melhorar o ângulo e a luz. Saio da cadeira, levo o prato até a janela, removo os sachês de ketchup e os guardanapos amassados.

O resto do restaurante assiste à performance e pensa: “Olha o idiota”.

Fazer papel de palhaço é uma coisa inofensiva. Muito diferente é um fenômeno que tenho percebido recentemente: de olho na divulgação espontânea, os restaurantes passaram a pautar o cardápio pela aparência dos pratos.

Isso me preocupa. Vão acabar com as comidas feias?

Concordo que o visual do alimento tem sua importância. Existem dois probleminhas, contudo.

Em primeiro lugar, a beleza da comida não segue o mesmo padrão estético da fotografia. A imagem que nos desperta o apetite pode não ser fotogênica. Pratos de massa e de arroz costumam sair mal à beça nas fotos.

Segundo, o aspecto da comida não é um indicativo seguro de sabor. Sabe o mosaico de gelatina que encanta as crianças e não tem gosto de nada? É disso que estou falando.

O inverso é igualmente verdadeiro. Algumas comidas parecem a manga que o cão chupou e regurgitou, mas não deixam de ser deliciosas.

Feijoada. Nosso prato nacional é um exemplo prefeito. Preta, sem contraste, cheia de matéria indistinta misturada ao feijão. A versão completa –com rabo, orelha, pé e focinho de porco– pode horrorizar os estetas mais sensíveis.

Será que o Instagram vai matar a feijoada completa? Será que os restaurantes vão tentar embelezá-la para ganhar mais likes? E a maniçoba, coitada? Vai ser banida junto com o sarapatel e a buchada?

Essa coisa de influenciador digital já passou dos limites. Um zé ruela que é seguido por centenas de milhares de panacas não pode influir nos rumos da gastronomia.

Mas é o que tem acontecido. Os pratos populares nas redes sociais são replicados em outros restaurantes. Os tais influencers ganham jantares e outros mimos. Chegam a ser pagos para criar receitas fotogênicas.

É um movimento inevitável e aparentemente sem volta –o que não o torna menos insensato e imbecil.