A pizza de frango e mais 11 horrores da gastronomia paulistana
Há um ano, meu post “Os 12 maiores micos da gastronomia de São Paulo” foi um divisor de águas neste blog: a audiência explodiu e eu conheci a fúria dos haters. Em especial, a dos defensores da mortadela e do pastel de feira.
Agora, em mais um aniversário da cidade de São Paulo, venho com mais uma dúzia de coisas que eu considero detestáveis na nossa cultura alimentar. Quero fazer deste post uma tradição de todos os janeiros. Se a Folha deixar. Material não vai faltar.
Já disse e repito: sou paulistano de berço e de criação, por isso me outorgo o direito de descer a lenha nas mazelas da cidade. Nem todas são exclusivamente paulistanas, mas lembre-se que aqui é capital brasileira da gastronomia. Daqui saem quase todas as tendências.
Leia sem pedras na mão.
1. O culto à padaria
São Paulo simplesmente idolatra suas padarias. Melhor: as padocas.
A padaria paulistana há muito deixou de ser um lugar para comprar pão e leite. Serve café da manhã, almoço e jantar. Vende vinhos finos. Vende os suprimentos básicos para preparar uma refeição em casa. Entrega pelo Rappi e pelo iFood. Vende até brinquedos para acalmar a molecada.
Não dá para negar que tudo isso é uma comodidade gigantesca.
A padoca se transformou num centro de convivência e de conveniência.
Outra coisa é dizer que os produtos e serviços da padaria são bons.
Os doces e os salgadinhos costumam ser sofríveis, assim como os sanduíches – hambúrguer congelado. A pizza não é tão boa quanto a da pizzaria (embora eu a adore). Bufê de sopas, isso é deprimente. É tudo muito caro. Até o pão, que deveria ser o carro-chefe das padarias, fica a dever: a maior parte delas assa receitas entregues por grandes companhias de panificação.
Mas o grande sucesso das padocas se chama pão na chapa. Basicamente, um pão aquecido na chapa de fazer hambúrguer com manteiga ou –vade retro– requeijão. Um dos cafés da manhã mais simplórios que alguém pode querer. E que, ainda assim, arrasta multidões às padarias de São Paulo.
2. A pizza de frango com catupiry
Depois dela, veio a pizza de rúcula com tomate seco. Vieram a abobrinha com queijo fundido, o shitake com alho-poró, o salmão com cream cheese. A criatividade sem critério só prosperou nas pizzarias do Brasil porque, em algum momento dos anos 1980, o frango com catupiry arrombou as porteiras do bom senso. E essa duplinha dos infernos é uma legítima invenção paulistana.
3. Milho verde com margarina
Entrar no metrô com um pratinho plástico cheio de milho verde debulhado e uma pelota de margarina fere a dignidade humana. Cadê os dentes dessa gente? Morder os grãos na espiga é 60% da diversão de comer milho verde. E margarina, pessoal? A venda desse treco deveria ser proibida.
4. O ponto da casa
– Por favor, quero o bife com fritas. Ao ponto para malpassado.
– Mas o ponto da casa já é bem rosado por dentro, senhor.
Quantas vezes já não ouvi essa baboseira?
O ponto do bife não depende do gosto ou das intenções do cozinheiro. Ele é a medida objetiva da temperatura interna da carne. Isso é ensinado nas escolas de culinária. Malpassado é 55 ºC, bem-passado é acima de 70 ºC, com todos os pontos intermediários.
5. Serviço hipster
Garçons jovens, bonitos e modernos não são obrigatoriamente maus profissionais. O problema começa quando essa garotada passa a se achar a última caipirinha da Bahia.
Nada justifica o serviço arrogante e displicente. Mas muitas casas estão mais preocupadas com a impressão visual e com o auê do que com a qualidade do produto oferecido.
São Paulo –com destaque para as regiões de Santa Cecília e de Pinheiros– é prodigiosa na oferta de serviço ruim feito por fedelhos tatuados e com a orelha alargada. Já falei disso aqui e aqui.
Mas não tem o canudinho plástico que mata as tartarugas. E a manteiga fermentada com kefir é feita diariamente na própria casa.
6. Os 13% na conta
Esse papo de cobrar 13% de gorjeta sobre o total da conta começou com uma discussão sobre o destino dos 10%. Os donos dos restaurantes argumentavam que parte do dinheiro deveria ser destinado à reposição de material (louça, toalhas e talheres); os funcionários reivindicavam o total repasse da propina para eles.
A solução encontrada por muitas casas –aumentar a taxa de serviço em três pontos percentuais– satisfez as duas partes. Só o cliente saiu estropiado. É algo que só vi em São Paulo.
Eu sei que a restauração é um setor cruel, em que é muito difícil sobreviver –que dirá enriquecer.
Ocorre que a decisão unilateral de sobretaxar o frequentador foi tomada num momento inadequado (no meio de uma recessão) e sem a transparência necessária. A pessoa só descobre os 13% quando a nota chega. Isso quando é um cricri que confere direito a conta. Eu não sou desses.
Na minha modesta opinião, valores acrescentados depois da aquisição de qualquer coisa são um artifício ardiloso. Tudo já deveria estar embutido no preço anunciado.
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7. O açougue vegano
Veganos são provocadores por vocação. Adoram atiçar os onívoros com comparações mórbidas. Meat is murder, dizia a (sabe-se hoje) besta quadrada do Morrissey. Beleza, faz parte do jogo deles.
O açougue vegano é um animal completamente diferente. Quem eles querem provocar, já que apenas veganos têm estômago para encarar imitações de carne? Qual é a tara envolvida em transformar soja, lentilha e cogumelo em esculturas de cadáveres de boi ou porco?
Equivale a fazer uma brincadeira com um açougue de carne humana… de mentirinha.
São Paulo tem pelo menos dois açougues veganos.
8. Churrasco grego
Quando eu era adolescente –lá se vão muuuuitos anos–, gostava de passar as tardes nas galerias do centro da cidade, onde ficavam as lojas de discos de rock.
A caminhada entre os pombos piolhentos e as poças de água preta tinha um cheiro próprio: o de churrasco grego.
Era um cheiro nauseabundo: retalhos de aparas de carne sebosa no espeto giratório o dia todo, com vinagrete na gaveta e um “suco” (feito com pozinho artificial) incluso no preço. Um atentado às saúdes individual e pública.
Fico admirado com o fato de o churrasco grego ter resistido por tantos anos.
Já temos bons endereços de shawarma. Não precisamos do churrasco grego.
9. Os restaurantes típicos fajutos
A cantina italiana do português. O sushi do baiano. O árabe do mineiro. A churrascaria gaúcha do paulistano da Lapa. O tailandês gestado no MBA do playboy do Panambi.
Brasil adentro, são comuns ou restaurantes étnicos sem nenhum vínculo real com a cultura que a cozinha busca representar.
São Paulo deveria ser exceção, pois aqui temos imigrantes de todos os cantos. E a comida deveria representar essa diversidade cultural.
Quando o dono não tem bagagem histórica, ele deveria fazer a lição de casa e estudar o objeto de seu trabalho.
Mas não faz. Por isso temos pizzas de banana com Nutella e temakis de carne-seca.
10. O Habib’s
Evidente que o Habib’s tem seus méritos.
Quando ele apareceu, em 1988, fast food significava hambúrguer.
Tudo bem que uma esfiha é um hambúrguer em forma de pizza –ou uma pizza de hambúrguer, se preferir. Mas, até o Habib’s, ninguém havia tido a ideia de vendê-la impossivelmente barata para as multidões. O Almanara já havia se multiplicado –só que era um restaurante, com serviço e preço de restaurante.
A esfiha do Habib’s abriu a caixa de pandora da fast food. Depois dela, tudo pôde ser transformado em comida rápida de baixo valor nutricional: macarrão, sushi, cozinha chinesa e até o arroz com feijão.
E tudo nasceu no Alto da Lapa, onde a loja nº 1 do Habib’s ainda está ativa e operante.
Mais do que a azia da esfiha, a sordidez do esquema está na prestidigitação: enquanto o freguês está hipnotizado pelo preço baixo, ele gasta sem perceber no suco, no chope, na sobremesa. A esfiha não se paga, é uma isca para esquecer a carteira aberta sobre a mesa.
E a pizza –já a pedi em plantões malditos na alameda Barão de Limeira– só tem molho de tomate perto da borda.
Imperdoável.
11. Bares sem alma
Tudo começou com o Original, em Moema. Um bar em homenagem aos botequins tradicionais da cidade, com uma grande diferença: o profissionalismo na gestão e no serviço.
Veio o Filial, que eu frequentei muito. Então tivemos o Autêntico, o Legítimo, o Genuíno, o Pioneiro, o Verdadeiro e o Ancestral. Todos imitando o conceito original (inicial minúscula).
Foram tantos “botecos chiques” que as inspirações temáticas se esgotaram. Hoje a cidade é inundada de bares idênticos no piso xadrez, no chope de colarinho absurdo e no cardápio de frituras.
O Original e o Filial, ambos com mais de 20 anos, já se tornaram clássicos paulistanos.
12. A luvinha de comer pizza
Dizer o que de uma luva de plástico descartável para comer pizza com as mãos sem lambuzar as mãos?
Ah, sim.
“Garfo e faca, por favor.” Deixemos de ser jecas.