Segunda sem carne só presta para aliviar a consciência da classe média
Segunda-feira. Se você não quiser comer carne hoje, vá em frente. Na real, isso não muda nada. Não há por que se rejubilar por isso.
A segunda sem carne serve apenas para aplacar a culpa da classe média consumista.
Quem adere à segunda sem carne quer desfrutar o consolo espiritual de uma boa ação, sem o ônus do engajamento verdadeiro. Não há compromisso. A única contrapartida é a renúncia ao torresmo uma vez por semana.
É mais ou menos como a religiosidade à la carte: fulaninho é devoto de tal santo, mas não perde a rodada do fim-de-semana na igreja. Sicrana se diz filha de Iemanjá, mas nunca pôs os pés num terreiro –e desmaiaria se precisasse assistir ao sacrifício de uma galinha.
Assim fica fácil.
O vegetariano das segundas vai almoçar no quilão e só pega salada. Ou quase. Pega um pouco de feijão também. Mas separa o bacon e não come. O porco já está morto e defumado, amigão.
Ele tem um almoço de trabalho numa churrascaria, diabo!, na segunda-feira. Cede. “Uma vez só não faz mal… além disso, o cliente poderia me achar esquisito se eu pedisse palmito pupunha.”
No lanche da tarde, desce até a padoca e compra uma coxinha. Só depois de devorá-la quase inteira, ele atina para o fato de estar comendo frango. Já era, fazer o quê?
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Esse é um mal típico da classe média porque os pobres não podem se dar ao luxo de praticar tão nobre esporte. Para eles, a exceção é a segunda com carne.
Já os ricos… estes não precisam de expedientes tão comezinhos para aliviar a consciência.
Quando quer ser ecológico e sustentável, o rico cria uma reserva permanente de Mata Atlântica na própria fazenda. Doa bozilhões de dólares para uma ONG ambientalista da Dinamarca. Compra um veleiro e sai para dar a volta ao mundo sem deixar pegadas de carbono –com tripulação completa e professora particular para os filhos.
Quem sofre é a classe média. Ela assiste a “Cowspiracy”. A culpa a corrói por dentro a cada garfada da picanha black angus que o primo serve com uma luva preta de borracha.
Aí resolve mudar de estilo de vida. Ser vegetariana. Mas não de uma vez, ninguém merece tamanho sacrifício. Que tal começar a cortar a carne às segundas?
Então uma coxinha acidental destrói o castelo de cristal. Mas tudo bem, teremos a segunda-feira que vem. Não… é feriado. Na outra, então. E a classe média repousa a cabecinha no travesseiro com a certeza de que está colaborando para salvar o planeta.