Um pouco de chulé melhora qualquer comida
Estava em Plaka, bairro turístico de Atenas. O grupo de jornalistas já estava na rua fazia tempo: muitos de nós precisavam aliviar a bexiga. Oba, um restaurante. Um banheiro. Entrou um por vez para não pegar mal.
A colega que foi logo antes de mim deu o toque ao voltar:
– Prende a respiração: o cecê está intenso.
A etimologia: cecê vem de “CC”, cheiro de corpo. Bodum. Futum. Sovacol.
De fato, a situação estava nervosa dentro do estabelecimento, cujo nome eu não consegui decifrar. Eu o apelidei, carinhosamente, de Souvakis. Dialeto greco-mussum.
Na minha breve visita ao Souvakis, percebi que o aroma do salão não era exatamente de suor humano. Era de cominho. Tempero razoavelmente comum em várias culinárias, incluindo a grega.
Foi quando me dei conta de que cominho tinha cheiro de sovaco. E continuava sendo bom.
O fedor não tem muito prestígio na gastronomia, mas ocupa um lugar relevante na composição aromática das comidas. A língua inglesa tem uma palavra bacana para definir essa inhaca: funk.
A catinga é um gosto adquirido. Ninguém se sente bem ao entrar num fromager francês pela primeira vez na vida. Algumas visitas depois, o queijo velho se torna música para o nariz. Deve ser algo evolutivo: para sobreviver, nossa espécie precisou encarar muita comida no limite da podridão.
O fedor está no bacalhau. Na carne-seca. No chucrute. Em quase tudo o que fermenta e cura.
Os orientais têm uma relação afetiva forte com as comidas fedidas. Os japoneses adoram natto, soja fermentada e gosmenta. Os coreanos deram ao Universo o kimchi, acelga fermentada com cheiro de pum que melhora quase qualquer prato –isto não é piada.
E tem o molho de peixe fermentado do Sudeste Asiático. Nam pla na Tailândia. Nước mắm no Vietnã. Não há palavras elegantes para descrever a fragrância deste condimento.
Em doses homeopáticas, contudo, o molho de peixe é magicamente bom. Algo incompreensível e irracional.
Dê uma chance ao chulé.
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