A verdadeira cozinha brasileira está no quilão

A essência da comida brasileira não está na vanguarda de tons amazônicos de Alex Atala. Não está nos resgate etnográfico das pesquisadoras Mara Salles e Ana Luiza Trajano. Tampouco está no trivial cangaceiro do sertão do Seridó, de Rodrigo Levino.

A alma da cozinha brasileira está no restaurante por quilo.

Ou restaurante a quilo, se você preferir. O cacófato é inevitável.

Num país normal, o conceito de “comida típica” é claro e evidente: entre em qualquer restaurante despretensioso, com serviço de mesa, para comer o que os locais comem.

É assim na Itália, na França, no Japão, na Argentina.

O Brasil não é um país normal. O Brasil é uma perua Kombi velha que se mantém rodando graças a uma combinação de fita crepe, massa epóxi e a velha certeza de que tudo vai terminar bem –desde que outra pessoa cuide do estrago quando der errado.

Enquanto as massas nos trens se entopem de salgadinho Fofura, os chefs se ocupam de uma imagem romântica da nossa cultura alimentar. De algo que, se ainda não foi extinto, está sob forte ameaça.

Nada, nadíssima contra isso. Precisamos de heróis como Janaina Rueda, Rodrigo Oliveira e Marcelo Correa Bastos para preservar a tradição moribunda.

Língua ensopada, sarapatel, camarão com chuchu, arroz de suã, rabada, dobradinha, baião-de-dois, virado à paulista, moqueca, angu, cuscuz de sardinha, mungunzá, carreteiro, tropeiro, tacacá, quibebe, isso tudo está virando comida de restaurante.

Cada vez menos o brasileiro se mete a besta de cozinhar coisas assim em casa.

A cozinha caseira agoniza porque foram-se o tempo e as habilidades. Poucos ainda têm mão-de-obra doméstica cativa. A refeição colonial cedeu lugar ao restaurante por quilo –o brasileiro não abre mão de misturar, no mesmo prato, o conteúdo de várias panelas.

É lá que o sr. Brasilino come:

Estrogonofe de frango, conchas de macarrão aos quatro queijos, arroz de forno, parmegianas de qualquer material, salada de quinoa, rúcula com tomate seco, batata smile, sushi de pepino e de manga, molho golf, ovo de codorna, couve-flor empanada, lasanha com presunto e carne moída, costelinha ao barbecue, batata-palha industrial, sal rosa, bolinho de arroz, quindão, pavê de bolacha maisena e um Sonho de Valsa com o cafezinho.

Goste ou não, esta é a dieta do brasileiro urbano médio. Ela funde a tentativa de ser cosmopolita com uma visão distorcida da alimentação tradicional.

A culinária real do quilão conversa muito pouco com a gastronomia idealizada dos chefs. A exemplo de quase tudo por aqui, o meio-termo é um vasto espaço vazio. Haja fita crepe para construir essa ponte.

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