Será que meu filho vai virar vegetariano?

Meu filho Pedro tem 6 anos e, até pouco tempo, era uma draga à mesa. Comia o que lhe aparecesse: rã, mexilhão, sardinha, javali, carneiro, coração de frango, caranguejo.

De uns meses para cá, o moleque tem ficado progressivamente seletivo.

Fazer o rapaz comer frango se tornou um suplício: ele tem nojo, se recusa a colocar o galináceo na boca.

Minha mulher e eu tentamos entender o fenômeno. Pedro nos disse que ficou impressionado com uma atividade de sua escolinha. Escolinha prafrentex, modernex, dá oficinas de culinária para a garotada.

Numa dessas oficinas, levaram um frango inteiro. Cru. Com a cavidade exposta e aquele saquinho MARA com coração, fígado e moela. Abriram e trincharam o penoso. Depois cozinharam e serviram à classe.

Pedro ficou particularmente horrorizado com o esquartejamento do galeto.

Semanas depois estivemos em um churrasco em que um peixe inteiro –uma corvina, se a memória não falha– foi assado espalmado, pregado aberto em uma tábua ao lado do fogo.

Pedrão não quis comer. E adicionou mais uma restrição alimentar à sua lista. Restrição ampla, no caso: engloba todos os seres que denominamos “peixe”, inclusive o atum enlatado.

Anteontem, ele deu um trabalhão para terminar o arroz de pato que eu praparei com amor, afeto e carinho.

O rol só faz aumentar. E obedece a um padrão: sua repulsa é dirigida aos alimentos de origem animal.

Estaria meu filho se tornando um vegetariano mirim?

Em caso positivo, de onde viria a motivação?

Certamente não vem de casa: aqui somos onívoros com forte pendor à carne. A escola, apesar de um tanto riponga, foi responsável pelo frango que detonou o comportamento. E não detectamos nenhuma conduta semelhante nos coleguinhas mais próximos ao Pedro.

Só pode ser o zeitgeist. O espírito do tempo.

Na minha infância –lá se vão 40 anos–, achávamos estranho quando o cardápio do jantar incluía lagarto ou patinho. Mas aí os adultos nos explicavam que eram apenas nomes dados a pedaços de carne de boi. Não se falava mais no assunto.

A violência e uma boa dose de crueldade eram normais no cotidiano das crianças. Víamos o Pica-Pau da TV quase virar almoço todos os dias. Os Três Porquinhos da Disney tinham retratos de presuntos e linguiças pendurados na parede de casa –seus finados familiares.

O pediatra do Pedro matou a charada: as crianças de hoje são criadas em uma redoma protetora. Essa bolha vem sendo construída pelo menos desde o pós-guerra –minha geração já foi poupada dos horrores canibais dos textos originais dos contos de fada.

Hoje a raposa é amiga do ganso, que vai passear com o coelho e o lobo. Os vampiros infantis da Netflix são gente finíssima. A maldade foi eliminada do imaginário infantil.

Num universo assim, como não refletir sobre a brutalidade intrínseca ao abate animal?

O vegetarianismo parece ser uma tendência irreversível na parcela instruída da população jovem. Não sei bem o que pensar disso. Eu tenho forte antipatia contra a militância vegana –perversa como qualquer ideologia totalitária. Mas nada contra quem pratica a dieta vegetariana sem incomodar os outros.

Marcelo Leite descreveu, em artigo publicado hoje, o próprio dilema em relação ao vegetarianismo. Ele não adere à dieta porque sente falta de comer carne –a evolução nos fez onívoros. Mas, dos pontos de vista ambiental e ético, a produção de proteína animal é uma lambança injustificável. Pelo menos do jeito que funciona hoje o sistema.

Se o meu menino for virar vegetariano, amém. Espero que o mundo dele seja melhor do que o nosso.

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