Estocar comida e bebida para sobreviver ao Carnaval
Estocar para sobreviver. Este é o meu lema dos últimos Carnavais.
Nunca fui um grande folião. Já fui um folião grande –quem me conhece sabe as dimensões da minha pessoa–, mas minha performance carnavalesca é um clássico do tiozão do pavê. Só sei agitar os braços com os indicadores em riste. Sim, sou desses.
Eu pulei alguns Carnavais. Eu era jovem e encarei a roubada com bravura, sabendo que se tratava de uma roubada. Eu nasci velho.
Quando se é casado, desaparece a única razão possível para alguém gostar de Carnaval: o coito bêbado com uma pessoa aleatória que tem bafo de cigarro, num espinheiro todo mijado, lá no canto da praça, sob o escrutínio da população. “Evolução nota 4. Harmonia nota zero. Porta-bandeira à meia-bomba.”
Mentira. Isso é o reino da fantasia, a expectativa.
Maus Carnavais sempre seguiram o mesmo enredo: a viagem muito longa (mesmo quando a distância era curta), a empolgação infantiloide, a largada queimada com o álcool vespertino, a solidão de se perder dos amigos na multidão, o sono, a volta do fracassado para seu alojamento precário e as bolhas no pé. Nessa ordem.
Aí você cresce, casa e quer só pegar praia. Mas o espírito momesco não deixa. Falta água, falta gelo, falta cerveja, sobra carro, sobra mosquito. O saldo é sempre negativo.
Por isso não gosto de viajar no Carnaval. Uma das vantagens de ser terceirizado –eufemismo para desempregado– é poder pegar a estrada em datas.
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Ficar em São Paulo costumava ser o paraíso nos Carnavais do século 20.
As ruas ficavam desertas. Só tinha fila no cine Belas Artes. O clima era tão tranquilo que atraía até os cariocas nascidos no lugar errado.
Mas não.
Não deixaram em paz o Túmulo do Samba. Despertaram a múmia do faraó Tonoblokhon. A maldição encheu de glitter as ruas da outrora pacata maior metrópole da América do Sul.
Sério, o que aconteceu com esta cidade? Se você mora na zona oeste, todas as saídas estão bloqueadas –bloqueadas com blocos de Carnaval, o que seria uma aliteração se não fosse comigo.
Guerra é guerra. Eu tenho a sorte de ter meu bunker estrategicamente localizado. Moro em frente a um supermercado. Dias antes de a festa começar, estoco minhas provisões. Cerveja, comida, um pouco de água mineral –trauma remanescente da Grande Crise Hídrica da Cantareira.
Saio de casa pouco ou quase nada. Levo meu filho ao parque quando o sol está baixo e também não tem dilúvio. Deixo abastecida ainda a casa da minha mãe. Para chegar à Aclimação, no Carnaval, eu precisaria atravessar zonas de conflito como Santa Cecília e o centro.
Gosto de ficar em casa cozinhando, pensando nos perrengues de que escapei. Não perdi o celular nem o cartão de crédito. Não fiquei preso numa massa de seres humanos que não quer que eu volte para casa. Não explodi o joelho numa poça d’água infecta. Não vou precisar dirigir de madrugada para passar horas no congestionamento mesmo assim. Não estou com a última de Salvador impregnada na mente.
Mas aí percebo que meu planejamento foi imperfeito. Acaba a cebola ou a cerveja ou o macarrão. Sou obrigado a atravessar a rua para fazer compras.
Na fila do caixa, encontro um grupo de jovens ligeiramente bêbados, seminus, suados e com purpurina grudada na pele.
Levanto os indicadores em sinal de empatia. Alalaô.