O luxo cafona das comidas caras demais
O bacalhau –cujo aroma vai impregnar os mercados do Brasil até a Páscoa– nos ensina uma importante lição.
Pouco tem a ver com gastronomia. É uma lição básica de economia: nada possui valor intrínseco. O valor de cada coisa ou trabalho é um atributo subjetivo, que depende de uma série de fatores. O principal deles, a relação entre oferta e demanda.
“Para quem é, bacalhau basta”, dizia meu pai com a única intenção de confundir os filhos. Afinal, bacalhau era uma coisa caríssima no final do século passado.
O pai repetia um dito popular que ouvira frequentemente ao longo da infância. Ele nasceu em 1927, quando geladeira era artigo de luxo. Antes de chegar à mesa do brasileiro médio, carnes e peixes passavam por salga e/ou defumação.
Bacalhau salgado custava muito pouco. Daí o provérbio: fulano não vale nada, bacalhau está bom demais para ele.
A pesca predatória quase acabou com o Gadus morhua, o bacalhau do Atlântico Norte. O peixe ficou caríssimo.
Assim, um fenômeno muito curioso ocorreu no Brasil dos anos 1980: a comida rústica das tascas portuguesas virou artigo de luxo. A começar pelo Antiquarius, no Rio, vários restaurantes passaram a vender bacalhau a preço de ouro e com serviço palaciano.
Com a adoção da pesca sustentável e a normalização da oferta, a cotação do bacalhau despencou. Hoje, o quilo do peixe dessalgado está no mesmo patamar do contrafilé ou da picanha –a depender do corte e do acabamento da peça. O Antiquarius precisou fechar. Seu tempo havia acabado.
O bacalhau é o mesmo, mas agora habita os restaurantes por quilo. Perdeu o glamour, o charme das coisas caras.
Quando o desequilíbrio entre oferta e procura atinge um grau absurdo, distorce a lógica dos valores. O preço alto já não reprime a demanda –ele a alimenta. O consumidor do luxo quer marcar sua posição social. Ostentar, mostrar ao mundo que ele pode comprar o que um reles mortal não pode.
Vale para o diamante, para o champanhe, para o caviar, para as trufas.
Falando em trufas, estive não muito tempo atrás em Alba, a capital italiana das trufas brancas. A cidadezinha medieval estava um fervo com negociantes americanos e chineses se estapeando pelo fungo subterrâneo.
Em qualquer birosca local, um prato de massa custava oito euros. Ou 25 euros a mais, se você quisesse três ou quatro lascas finíssimas da tal trufa. Ridículo.
A trufa branca, segundo o discurso oficial dos produtores, não pode ser cultivada. É escassa e altamente perecível. Caiu nas graças de gente rica e famosa.
Por isso ela é cara –não porque seja a oitava maravilha do mundo. Se ela fosse abundante, as pessoas dariam mais valor ao alho.
Não confunda preço com qualidade. Isso é cafona.
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