Restaurante de shopping representa o fracasso da humanidade
Duas considerações sobre o lamentável episódio das crianças barradas na exposição do Mickey em um shopping de São Paulo
1. Baita ideia de jerico da prefeitura de Guaratinguetá. Premiar alunos carentes com visita ao playground dos ricos paulistanos é um atestado de falta de noção.
2. Graças ao incidente, as crianças tiveram uma experiência pedagógica preciosa. Saíram de casa para se divertir com o ratinho da Disney e deixaram a inocência nos bueiros da Vila Olímpia. Voltaram para casa cientes de sua posição na sociedade.
Todo shopping center é um mausoléu da civilização. O JK Iguatemi, em particular, se parece com uma tumba gigante. Um caixote de pedra branca e corredores frios, onde só falta a inscrição em baixo-relevo para avisar às gerações vindouras: “Gente, deu merda.”
O mais bizarro é que um dos pontos altos da excursão era o lanche na praça de alimentação. Qual o sentido de viajar 200 quilômetros para comer fritura e açúcar embalados no papelão com propaganda infantil?
Comer em shopping deveria ser uma conveniência. Algo como a barraca de pastel das feira: você foi fazer compras, bateu fome, a comida está ali ao lado… Virou o programa das famílias, casais e grupos de amigos que consideram o mundo aqui fora perigoso demais.
O shopping é um gueto invertido. Para evitar o convívio com os indesejáveis, a elite se tranca voluntariamente em gaiolas de luxo. Abre mão da própria liberdade para não se imiscuir.
O setor da alimentação percebeu a aversão dos abonados às calçadas, seus pombos e seus pedintes. Cada vez mais restaurantes abrem em shopping centers.
Jantar neles é uma experiência singular. Você entrega o carro blindado ao valet e caminha brevemente por uma galeria que poderia estar em Dubai ou na Flórida.
Aí entra a mágica dos arquitetos: o ambiente do restaurante é projetado para dar a ilusão de que não se está num shopping. Um simulacro de restaurante de rua, sendo que a rua real está a poucos passos dali. Demencial.
A bolha de brilho e glamour tem suas imperfeições. Uma é a lei, que garante o acesso público aos centros de compra. Outra falha é inerente ao capitalismo: é preciso faturar, e não é mole faturar com um modelo de luxo puro-sangue.
Assim, surgem as praças de alimentação. Para lá se dirige, na hora do almoço e na happy hour, a massa de recepcionistas, secretárias, contadores, cabeleireiros, motoristas, manicures e outros tipos pouco fulgurantes. Às vezes, vêm até umas excursões de escolas do interior.
Enquanto os ricos tentam fugir do povão, o povão quer sonhar com coisas que nunca vai poder comprar. Comer batata frita enquanto observa as madames engaioladas.
Para os pobres, shopping center é um zoológico de gente rica.
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